terça-feira, setembro 30, 2008

Opção visual


Leio no jornal um artigozinho de José Vitor Malheiros onde narra a experiência de viajar de táxi com os novos écrãs colocados no encosto do banco da frente, à altura do nariz do passageiro. São mais écrãs. A invasão dos écrãs continua, implacável e imparável. O mundo capitalista ocidental está a abarrotar de écrãs que vão engolindo os horizontes. Todos os horizontes, os reais e os imaginários. Os horizontes do presente, à frente dos nossos olhos, e os horizontes do futuro, aqueles que idealizamos nos momentos de abstracção e de projecção imaginativa. Não há volta a dar-lhe.

Já havia a sensação de afogamento visual pela proliferação de rectângulos coloridos nas ruas, nos autocarros, nos quiosques, nas lojas, nas montras, nas salas de espera dos consultórios médicos, nos cafés e restaurantes, nas nossas casas, por todo o lado. Os outdoors publicitários, as capas de revistas, os cartazes, os grafittis, os automóveis; a intoxicação visual é violenta e deixa o cérebro feito em papa de bébé, com sabor a bacalhau e mel de abelha. Um nojo.

O habitante das cidades contemporâneas tem necessidade de possuir um cérebro robusto, musculado, bem preparado para o embate diário do caos visual e informativo a que é sujeito. Tem de ser capaz de processar, registar, interpretar e reproduzir milhares (serão milhões?) de mensagens de complexidade variável, cada vez mais agressivas e coloridas, cada vez mais frenéticas e fragmentadas, com um ímpeto subliminar angustiante.

Das duas uma: ou o cidadão desiste e se deixa levar aos trambolhões na torrente informativa, deslocando-se na cidade como um zombie sem vontade, que é dirigido por mãos invisíveis que decidem por ele; ou o cidadão resiste e passa usufruir do que o caos visual tem de positivo para lhe oferecer. Desloca-se no espaço com vontade própria e decide onde virar, o que fazer, o que consumir ou não consumir. Decide. Ponto final.

O que fazer? Abrir os olhos e deixá-los alimentar o cérebro com a rica dieta visual que a cidade actual nos proporciona. Pedir ao taxista para desligar o écrã quando começa a viagem ou prestar atenção às mensagens que vão passando. Seja como for deve-se optar. Optar é sempre um acto consciente e é disso que se trata a vida no mundo dos écrãs: opção.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Leilão em tempo de crise


Depois do polémico leilão de trabalhos de Damien Hirst, segue-se o da colecção de arte e afins do falecido Yves Saint Laurent. Agora não será a Sotheby's a meter a mão na massa, é a vez da Christie's. Independentemente de quem promove a festa o resultado será, previsívelmente, nova chuvada de milhões, acompanhada de ventos fortes e muita loucura à mistura.
Olhando para a imagem acima podemos identificar na parede uma pintura de Giorgio De Chirico e duas que parecem ser de Fernand Léger (não meto as mãos no fogo, mas parecem). A que está no cavalete sugere um retrato pintado por Goya. Isto sem falar naquela parafrenália de objectos com aspecto de serem muito valiosos.
Os ricaços deste mundo lá vão ter com que se distrair outra vez, um motivo para espantarem o tédio e viverem uns momentos de emoção. "Quantos milhões irei gastar naquela mesinha?".
Enfim, também há obras de Cezanne, Picasso, Mondrian e Matisse, num universo de aproximadamente 700 peças que poderão valer entre 200 e 300 milhões de Euros. Há projecções mais arrojadas que apontam o meio milhão como uma meta muito plausível.
Seja qual for o resultado de mais este leilão decerto mostrará a dimensão da crise económica mundial que atravessamos. Teremos a confirmação de que a dita crise não é bem igual para todos. Se dúvidas houvesse...
Comentário: O leilão de Hirst rendeu só e apenas 140 milhões. Trocos.

domingo, setembro 28, 2008

Não há fome que não dê em fartura!

convite da exposição da autoria de Luís Miranda



Ainda a exposição de trabalhos que tive no Porto não arrefeceu por completo e já vem aí nova mostra, desta vez colectiva. Com inauguração marcada para o próximo dia 10 de Outubro na Galeria Municipal de Almada, "Seis cadeiras e uma mesa" vai reunir um grupo de artistas que têm em comum a Escola Anselmo de Andrade, nesta cidade. Sara Bichão, João Gaspar, Ana Rebordão e David Castanheira foram recentemente estudantes nessa Escola. Luís Miranda e Rui Silvares ali continuam como professores.
Esta exposição terá um conjunto de trabalhos com características muito diferentes uns dos outros. Desde desenho a pintura e instalação, o visitante terá oportunidade de contactar trabalhos cujas técnicas de execução ultrapassam com frequência aquilo que, à partida, as caracteriza. Sendo uma exposição que tem como ponto comum entre os participantes uma Escola, posso garantir que os trabalhos a apresentar serão tudo menos académicos. É que cada um tem uma personalidade bem vincada que se reflecte nos objectos que produz. O resultado global é prometedor (eu sei que sou suspeito ao afirmar uma coisa destas mas...) e confesso que estou um pouco impaciente por começar a montagem que terá o seu início ao longo da próxima semana.
Espero poder postar no Carapau Staline fotos dos trabalhos de todos os intervenientes durante o período de montagem para ir aguçando o apetite de possíveis visitantes. Estes últimos tempos têm sido, para mim, de uma actividade expositiva pouco habitual. Como diz o povão, "não há fome que não dê em fartura". Mas a fartura também se acaba.



sábado, setembro 27, 2008

Morreu o Homem Novo

A notícia da morte de Paul Newman não surpreende. Ele desistiu do tratamento de quimioterapia com que tentava debelar um cancro no pulmão para descansar na paz da sua casa enquanto esperava a visita derradeira da dama da gadanha. E pronto. Já está.
É um pouco estranho quando morre um ícone do cinema. Ainda ontem milhões de pessoas o terão visto em diferentes filmes e em diferentes situações. Em casa, num cinema de reprise, com 30 anos, 50, 60, um Paul Newman representando várias idades da existência humana, numa aparente indeferença para com o passar do tempo. Agora está morto. No mundo real está morto. No mundo virtual permanece jovem ou nem por isso. Mas permanece.
Seguem-se os habituais exageros post-mortem. Toda a gente vai descobrir como ele sempre foi adorável, admirável, extraordinário, um actor fora-de-série. Vai haver rios de gente a considerar uma injustiça ter recebido um único Oscar em tão longa carreira. Vai haver montanhas de gente a recordar episódios em que o velho Paul protagonizou alguma situação picaresca. A morte santifica-nos a quase todos. Um mar de gente nos ama depois de morrermos.
Newman (Homem Novo) era uma figura carismática. Nem o envelhecimento lhe retirou aquele aspecto digno e galante que foi a sua imagem de marca. Um tipo duro, com um queixo perfeito para enfiar um par de sopapos e uma boca rasgada, óptima para sorrisos enigmáticos, trocistas de preferência. O olhar não deixou de ser azul mas a doença retirou-lhe fulgor. É estranho como a vida tantas vezes se apaga no olhar das pessoas.
Descansa em paz, Homem Novo, se é que a morte traz algum descanso.

sexta-feira, setembro 26, 2008

Fundamentalista perigosa


Ao ver este vídeo não consigo evitar um aperto no estômago. Que Sarah Palin é uma fundamentalista tresloucada. Isso já sabia. O meu problema, agora, é saber que ela joga com a magia para alcançar os seus objectivos. Isso já me custava a imaginar sequer. Anda meio mundo inquieto com o programa nuclear iraniano quando nos EUA, o arsenal atómico está nas mãos de personagens deste calibre vai para 8 anos. Anda meio mundo incomodado com o fundamentalismo islâmico quando os EUA, farol das democracias capitalistas, é governado por fundamentalistas de uma qualquer seita cristã mais obscura que o olho do cú de uma cegonha.Perante uma personagem tão horrenda como esta, até Bush parece um velhinho simpático.Inquietante.

quarta-feira, setembro 24, 2008

Notícias


Leio o jornal, assisto ao noticiário na TV, desgraças, crimes, acidentes, o mundo não parece ter nada de bom para nos oferecer. No "horário nobre" parece que que as coisas ficam ainda piores, os tons são mais carregados, o desânimo vai ganhando terreno. Como pode isto ser? Não haverá um acontecimentozinho luminoso para clarear um pouco o negrume do dia? Ou será que os acontecimentos positivos não captam audiências? Talvez seja isso, talvez seja necessário um bom crime violento para conseguir o patrocínio da Coca-Cola ou um incêndio arrasador para ter investidores de jeito a anunciar no intervalo ou nas páginas centrais.

O que o povo quer é sangue à sobremesa, a acompanhar o cafézinho. Mas, na verdade, as notícias positivas são uma seca ou então não passam de mera propaganda. Começo a pensar que ler tantos jornais e assistir a tantos noticiários televisivos é pura perda de tempo se é que o tempo é coisa que se possa perder. Tudo o que leio, tudo o que ouço e vejo cada vez mais parece sempre a mesma coisa. Cada vez mais parece papel de embrulho para embrulhar publicidade e propaganda.

Se calhar estou apenas cansado e com sono e é por isso que me sinto tão enganado e com tanta dificuldade em construir um modelo da realidade que me possa parecer satisfatório. O melhor é ir dormir, descansar e, amanhã, regressar ao mundo com os olhos bem abertos. É isso. Até amanhã Mundo. Descansa também que bem precisas. Boa noite.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Um caso de infidelidade conjugal


Afinal o capitalismo é ainda mais merdoso do que podíamos imaginar. Já se sabia que a base do sistema era a exploração do homem por seres muito parecidos com ele.

O que ainda não sabíamos era que, quando esses seres, aparentemente humanos, vêem os seus negócios correr mal, têm auxílio financeiro suportado por aqueles que são explorados. Ou seja, o mito de que o sistema capitalista se auto-regula através das sacrossantas leis da oferta e da procura não passa disso mesmo: é um mito de merda.

Os últimos acontecimentos na terra do Tio Sam põem a descoberto a careca escondida do sistema. Se os capitalistas estão a ganhar muito dinheiro o mundo está de boa saúde. Se começam a perder dinheiro o mundo está doente e são sempre os mesmos que pagam a crise.

O casamento de gosto duvidoso entre as democracias parlamentares e o capitalismo é definitivamente posto em causa. Os capitalistas sacam o dinheiro "honestamente" e põem-no a render em paraísos fiscais, enganando o sistema democrático uma vez que os lucros que obtêm não são redistribuídos, como estava claramente especificado no contrato de casamento. A democracia é parte enganada neste negócio e não tem capacidade nem autonomia suficiente para reclamar divórcio.

Nós, filhos desta união, assistimos estupidificados ao desmoronar deste matrimónio de conveniência e não conseguimos compreender como foi possível termos co-habitado o mesmo espaço, durante tanto tempo, sem que tivéssemos sequer suspeitado da infidelidade do capitalismo em relação à nossa mãe, a democracia. Quer dizer, havia por aí muitas vozes de filhos desavindos, vozes que reclamavam maior atenção ao pai, maior respeito pela mãe, mas, o capital, tudo compra, tudo alisa, tudo consegue transformar em quase nada. Umas prendas oferecidas aos filhos certos na ocasião adequada foram iludindo a maioria, ávida do amor e dos favores do pai.

Agora vamos a ver no que vai dar esta salsada. O pai anda saído de casa e a namorar com as autocracias mais a Leste ou a Oriente ou lá onde moram as suas novas namoradas. Há quem diga que vai mudar-se de vez e por completo, deixando a nossa mãe agarrada às tetas, que já não lhe interessa apesar de se mostrar tão submissa e implorar que volte, que regresse, que lhe limpa os fatos e lhe lambe as botas até elas brilharem outra vez. Mas o pai não se comove, o capitalismo é macho, a democracia é fêmea. Lá para o Oriente o pai encontrou companhia mais ambígua, meio estranha, andrógina, há quem diga. O capitalismo namora agora uma coisa com dois sexos. Ao que parece acredita ter encontrado uma cama mais macia, uma via para a felicidade mais radiosa. Bem que nos enganou. Pelo menos a todos os que acreditaram nas suas qualidades como pai de família.

Um belo filho da puta, é o que é. Mas, afinal, de que estávamos nós à espera?

sábado, setembro 20, 2008

Negócio é negócio?

Edgar Mugralla tabalhando, exibindo algumas obras primas por ele "interpretadas" e piscando o olho ao espectador. Ele sabe que nós sabemos que ele sabe.


Actualmente damos muita importância à originalidade dos artistas. As obras que nos impressionam e que valem milhões terão de possuir uma marca individualizada, uma atitude inovadora.
Nem sempre foi assim. Tempos houve em que os artistas eram tanto melhores quanto conseguissem reproduzir com fidelidade os modelos típicos da grande arte. Os encomendadores procuravam aqueles que fossem capazes de exibir dotes técnicos suficientes para (re)criarem protótipos formais considerados exemplares.


Foi com o Romantismo que se iniciou a longa marcha da emancipação do artista. Ao longo dos séculos XIX e XX assistiu-se a uma progrssiva libertação do artista em relação aos preceitos académicos e tradicionais. Vieram as grandes revoluções estéticas com o Impressionismo e, mais tarde, o Cubismo, para citar dois exemplos bem populares e passou-se a associar a arte ao génio do artista.


Hoje os mais afoitos de entre os artistas são aqueles que conseguem captar a atenção da crítica e, por consequência, dos investidores que adquirem obras de arte a preços absolutamente inacreditáveis. O artista já não responde a encomendas, ele cria obras que depois coloca no mercado um pouco como o agricultor que expõe legumes na banca da praça, à espera de um cliente que se interesse pelo seu produto e esteja disposto a pagar o preço exigido. É negócio, puro e muito duro.


No meio desta Babilónia formal é difícil emergir e conseguir notoriedade. Há um artista que alcançou o estrelato por vias menos ortodoxas. Falo de um tal Edgar Mugralla, alemão nascido em 1938, falsificador de obras de arte de méritos reconhecidos.


Mugralla revela uma tal capacidade de copiar obras de outros pintores que deixa muito boa gente a pensar quantas das suas pinturas foram transaccionadas por milhões e tidas como originais quando, na verdade, não passavam de cópias.


À conta do seu trabalhinho, Mugralla já esteve preso, hoje tem um museu em Busum (no norte da Alemanha), onde dá aulas de pintura e vende as suas cópias com a identificação «Atelier de falsificações de Mrugalla». Ou seja, tornou-se um honesto negociante de falsificações.


Toda esta história me leva a reflectir no caso de Damien Hirst (ainda ele!). Sabe-se que a esmagadora maioria das obras assinadas por Hirst são efectivamente realizadas pelos seus numerosos assistentes. Dezenas deles a trabalharem nos seus ateliers, como os ajudantezinhos do Pai Natal a preparem as prendas para a próxima época natalícia. Hirst tem o trabalho de assinar as peças. É claro que não se trata de falsificações, meter um tubarão num tanque com formol é um trabalho complicado e Hirst não tem que o fazer. O que as pessoas estão a pagar quando compram uma peça destas é o conceito, a ideia, isso pertence, sem dúvida a Hirst. Mas, na verdade, os objectos que se transaccionaram no mega leilão do génio britânico são uma espécie de falsificações autorizadas. Ou não?


As telas de Mugralla são resultado de um trabalho solitário de grande minúcia e extraordinária perícia técnica. Valem milhões se não se souber de onde vieram, se se souber que são de Mugralla desvalorizam-se vertiginosamente por serem falsificações não autorizadas.


Que raio de mercado é este onde um honesto e genial falsário vai parar à cadeia e um artista apenas genial ganha milhões sem sequer sujar as mãos?

sexta-feira, setembro 19, 2008

Ver de Fazer 12

Na foto: "Júnior" escultura de fita-cola em tamanho natural da autoria de Rita Sousa


Inaugura hoje, pelas 21 horas na Oficina de Cultura situada na Praça de São João Baptista em Almada, a 12ª edição da exposição de artes plásticas Ver de Fazer.


Trabalhos de escultura, pintura, desenho, fotografia e o mais que se verá, vão estar patentes ao público ao longo de uma semana naquele espaço cultural. Os trabalhos são fruto dos esforços de alunos, ex-alunos e professores do curso de artes da escola Anselmo de Andrade.


Na inauguração haverá danças orientais e uma performance-surpresa para abrilhantar o acontecimento.


Se o leitor está por perto não deve perder esta inauguração aberta a toda a população. Habitualmente é um acontecimento muito concorrido, um espaço de convívio e debate, uma oportunidade para ver, conhecer e fruir os ecos da arte que se vai fazendo por esta banda do Tejo.


Ficamos à vossa espera. Apareçam que não vão dar o vosso tempo por mal empregue.


P.S. convidámos Damien Hirst mas, embore com muita pena dele, não vai poder estar presente pois ainda não decidiu se lhe apetece lasanha ou raviolli para o jantar... tem o tempo e o espírito demasiado ocupados por este dilema irresolúvel.

quarta-feira, setembro 17, 2008

140 000 000 €€€€€€€€€€€€€€€€


A coisa deu-se. O leilão de obras de Damien Hirst rendeu, segundo rezam as crónicas, 140 milhões de euros, somados os valores das vendas dos dois dias. Uma soma astronómica.

Em tempo de crise económica internacional ainda mais espantosa se torna a soma alcançada pelo artista britânico. Afinal parece que os dramas dos bancos norte-americanos não incomodam assim tanto o pessoal do dinheiro.

Compradores dos 4 cantos do mundo investiram somas quase inacreditáveis nos bicharocos conservados em formol, nas "pinturas" feitas com asas de borboletas e nas caveiras revestidas a diamante. Quase todos os lotes leiloados foram transaccionados e os ricaços da Rússia foram os que mais se divertiram a gastar toneladas de papel moeda na aquisição das peças de Hirst.

Isto dá que pensar.

terça-feira, setembro 16, 2008

Ontem


A palavra "solidariedade" não passa de isso mesmo; é uma palavra. Como tal ela ressoa no espaço quando a dizemos, ecoa nos nossos corpos, bem fundo no interior da caverna craniana. O que surge lá no fundo do nosso ser quando a ouvimos, isso é o mais complicado de explicar.

Por ser uma palavra, corre o risco de nada significar, de se tornar banal, uma coisa bonita para mostrar, como uma florzinha na lapela ou uma foto de família sorridente guardada na carteira. "Está a ver? Essa é a minha filha e aquela a minha mulher. Não são lindas?" São lindas? São maravilhosas, caramba! São, de longe, o melhor que o mundo foi capaz de me proporcionar. Mas a experiência de tanta felicidade é tão completa e individual que estou a falar de uma beleza que é só minha. Não há a mínima possibilidade de passar isso a outra pessoa por muito que essa pessoa me possa confortar afirmando que "São muito bonitas." Claro que são muito bonitas! Eu sei, estou seguro disso, amo-as tanto que nem sequer sinto o elogio, estou longe, não o ouço.

A imagem que ontem postei, "Sólido e solidário" tem um significado profundo no meu íntimo. Um significado que ainda não fui capaz de sintetizar na totalidade. Cada leitura que foi proposta pelos visitantes nos respectivos comentários é um reflexo dessa imagem. Ela funciona como um espelho onde cada um vê aquilo que tem dentro de si ou aquilo que o mundo, num determinado momento, parece significar, potenciado pela leitura da imagem.
Eu tenho a minha leitura. Nada me garante que seja a leitura correcta. Na verdade não acredito que exista uma leitura correcta. Existem tantas leituras correctas quanto as que forem feitas com honestidade. A leitura de uma imagem é uma questão pessoal, uma coisa que depende mais do leitor que do criador da imagem.
Acredito que esta é a essência da arte enquanto processo e meio de comunicação. O criador solta imagens nesse mundo e elas tornam-se coisas selvagens e tão livres... elas transformam-se naquilo que oferecem a quem as vê. Isso é beleza. Mesmo que possa não parecer.

segunda-feira, setembro 15, 2008

Solidário


Sólido e solidário

post para a Tertúlia Virtual

tema-SOLIDARIEDADE

clica na imagem

domingo, setembro 14, 2008

Tanto barulho...


Jeff Koons está, mais uma vez, a provocar uma cena de ciúmes entre os que acreditam que a arte é uma coisa meio morta e os que defendem que a arte está em permanente evolução, não havendo um corte obrigatório entre o que a arte foi e aquilo que é.

A exposição de trabalhos de Koons no Palácio de Versalhes pôs em total "desafinanço" muitas vozes defensoras de uma suposta pureza das formas artísticas que deveriam ser poupadas a contágios perigosos com a contemporaneidade (ver vídeo no Youtube). Mas a exposição lá está, os trabalhos de Koons infectando o ambiente barroco engravatado de classicismo, característico da arquitectura sumptuosa e glorificadora do monarca absoluto que arquitectos franceses criaram para Luís XIV, inspirados em obras italianas.

O próprio palácio é uma forma arquitectónica que resulta dessa técnica infecciosa, de estilos que se interpenetram para originar algo inovador (ou, pelo menos, diferente), algo que vai buscar uma forma aqui, outra ali, resultando, neste caso, numa monstruosa exibição de ambição e poder de um rei que pretendia comparar-se com o Sol. Versalhes está longe de ser um exemplo de pureza formal.

O luxo faraónico (a adoração do Sol pelos antigos egípcios terá algo a ver com a ambição de Luís em ser considerado "irmão" de Ra?) dos interiores do palácio, a mistura infindável de materiais, formas, volumes, texturas, ambientes e mais que se possa imaginar, fazem de Versalhes um gigantesco objecto "kitsch". Daí que me pareça perfeitamente adequada a escolha de Koons, proclamado actualmente como o "rei do kitsch", para expor ali as suas obras.

As vozes dissonantes e as manifestações públicas de desagrado e desacordo com a exposição estão ao mesmo nível de ignorância que, por exemplo, as manifestações de fundamentalistas islâmicos quando foram publicados na Dinamarca os tristemente célebres cartoons com Maomé como protagonista.

Mais uma vez se faz muito barulho por nada. Koons não é tão iconoclasta que desmereça o Palácio de Versalhes. Afinal este está à altura do mau gosto do artista norte americano. Na minha opinião estamos perante um casamento perfeito. Mais perfeito ainda do que aquele que Koons contraiu com Cicciolina. Mas essa é já outra história...

sexta-feira, setembro 12, 2008

Da pintura

O Sonho de José, Paula Rego



A pintura é uma coisa suspensa.
Resulta da interrupção de um último gesto e ali fica, eternamente inacabada, à espera do olhar que a completa.
A pintura completa-se no interior da tua cabeça.
A pintura, suspensa no tempo, espera por ti. Será tudo o que fores capaz de fazer dela.
Quando a olhas ela brilha de vaidade, ajeita-se e faz pose, arma-se em boa.
Insinua-se, tenta seduzir-te.
Quer contar-te uma história.
A tua história.
A pintura, sem o saber, é como tu.
E tu és parte da pintura que contemplas.
Ela dir-te-á aquilo que quiseres saber.
Sejas tu capaz de a ver e ela mostra-se.
Seja ela capaz de te descobrir e irá ao teu encontro.
Texto para O Espírito da Coisa

quinta-feira, setembro 11, 2008

Lá está

A inauguração do Espírito da Coisa no Contagiarte decorreu na paz do Senhor. A afluência de visitantes na primeira noite foi pouca mas muito boa.
As conversas desenrolaram-se a um nível cultural elevado e por pouco não foi descoberta a cura definitiva para os males do mundo.
Não há fotografias do acontecimento porque ninguém levou uma máquina uma vez que não fazia falta nenhuma (a foto aí em cima é da fachada do prédio onde fica a Associação Cultural) e a memória encarrega-se de preencher o aparente vazio com os retoques que só ela pode dar.
Os trabalhos vão continuar pendurados na sala até dia 27 do corrente mês.

O Contagiarte é um espaço extraordinariamente versátil, que oferece lugares agradáveis aos visitantes. A programação cultural convida à participação dos cidadãos que por ali passem e estejam dispostos a passar um bom bocado. Há bar e música e boa disposição. Enfim, posso dizer sem correr riscos que há por ali uma muito boa onda. Quem vive no Porto já sabe disso e quem não vive e faça uma visita à Invicta só tem mesmo é que ir lá ver e confirmar os elogios que aqui deixo.

If the world could vote? (sigam o LINK)




Uma curiosa iniciativa que, pelo menos, terá um efeito apaziguador de eventuais azias que possamos vir a sentir no dia 4 de Novembro, quando os "américas" elegerem o próximo sobrinho do Tio Sam (foi o João Samões que, num comentário a um post anterior, deu a pista).

É ir até ao lugar a que nos conduz o link onde está a decorrer esta votação virtual, votar e divulgar. Seria interessante enviar o resultado num envelope para Washington e metê-lo numa urna.

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segunda-feira, setembro 08, 2008

Inaugura amanhã



Inaugura amanhã, no Contagiarte uma exposição de pintura com trabalhos da minha autoria. Estão todos convidados. A morada está aqui ao lado e podem encontrar informação completa aqui, no Carapau Staline. Até amanhã.

BOMBA!!!


Uma pequena bomba a participação deste tal Russell Brand (nunca tinha ouvido falar do chavaleco) na entrega dos prémios MTV. A forma como este comediante inglês entrou pela política americana dentro teve a elegância de um elefante a desmanchar uma loja de porcelanas. Sem dúvidas. Aqui encontra-se uma versão legendada em português. Ainda estou meio de boca aberta. Nem sei se acredite.

Qual será (qual foi) a reacção das autoridades americanas a tão descabelada (o termo aplica-se) intervenção deste rapaz? Vale a pena ver. É uma muitíssimo estranha situação!

Eles vivem!

Ilustração publicada no Fanzine MUMIA

domingo, setembro 07, 2008

I'm scared (também)

Ao passear pelo maravilhoso mundo dos blogues dei com uma sequência de posts, no "no Ví tá" intitulados "I'm scared". Mostram imagens fantásticas e de inspiração surreal, imagens com potencial assustador ou, pelo menos, perturbador.
Uma coisa leva a outra e dei por mim a pensar em algo que me tenha assustado nos tempos recentes. As personagens na imagem acima vieram de imediato à minha memória.
Tenho medo que esses seres vivos possam vir a ser eleitos para a liderança de um monstro mal adormecido que é a América violenta, xenófoba e semianalfabeta. No meu pesadelo o monstro irá acordar definitivamente em todo o seu potencial destruidor.
Militaristas, cabeças-de-burro anti-mundo, fundamentalistas, evangelistas e todos os matrecos maldosos que aguardam uma palavra de comando para se lançarem sobre o planeta que imaginam ter-lhes sido oferecido por uma abstrusa divindade roubada à penumbra dos tempos, esfregam as mãos de impaciência.
Com esta dupla à frente dos EUA o mundo será, definitivamente, um lugar (ainda) mais perigoso.

sábado, setembro 06, 2008

Uma coisa tão frágil só pode ser de uma beleza que quase incomoda!


É. Há coisas assim. Todos sabemos que há mas, quando deparamos com elas, não dá para evitar um espanto doce e bom, um aconchego no estômago e no espírito, uma sensação de que faz algum sentido viver. Ficamos um bocadinho estúpidos perante a confirmação de que é possível...


The Savages é um filme que não chegou a estar um dia que fosse em exibição nos cinemas portugueses. Foi direitinho para a edição em DVD e, quem quiser vê-lo, que compre o DVD ou o alugue (se encontrar uma cópia no clube lá do bairro ). Mas é tão bom!


Tão bom, tão bom que se compreende porque é que os vendedores de pipocas não o meteram no meio da confusão. Vi-o ontem à noite, no remanso do lar, na companhia mais agradável. Tudo perfeito para um filme daqueles. Íntimo, de uma perfeição artesanal, construído com um cuidado que apenas as obras de arte produzidas com o coração aberto numa vertigem são capazes de ostentar.


Os actores são absolutamente fora-de-série, o argumento é genial de tão simples. O resultado é algo tão frágil que só pode ter aquela beleza, aquela grandiosidade sensível. Enfim, ando apertado de tempo e não vale a pena estar a alargar-me nas minhas considerações. Tirei cinco minutos a um dia preenchido para dar notícia do meu deslumbraento aqui, nas veredas do Blogger, e deixar ecoar este grito sussurrado aos teus ouvidos, caríssimo leitor.


The Savages (Os Selvagens) a não perder. Absolutamente.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Desencontro eterno?

Li hoje uma entrevista com o senhor da foto, Gianfranco Ravasi, ministro do Vaticano para a cultura. Não podia imaginar tal personagem, mas, afinal, o Vaticano é um Estado, não é? É natural que tenha ministros que, além do ministério divino, se dediquem a outros, bem mais terrenos.
A ideia mais forte da conversa era o desejo manifestado por Gianfranco de fazer com que os grandes artistas contemporâneos se interessem por temas religiosos. Uma ideia interessante, sem sombra para dúvidas.
Monsenhor Ravasi recorda a grande tradição da arte europeia e a sua contribuição para a expansão do cristianismo, primeiro, e do catolicismo, um pouco depois. O discurso é um tanto desajeitado, no que à produção artística diz respeito, e baseia-se numa estranha inocência, como se o divórcio que actualmente se verifica entre a arte e a igreja fosse resultado de uma espécie de amnésia que tivesse atacado um lado e outro.
É evidente que, durante séculos, nesta velha Europa, a esmagadora maioria das obras de arte foram de inspiração religiosa. Eu diria antes que o dinheirinho da igreja inspirou muito boa gente. Os artistas ou representavam cenas inspiradas nos Evangelhos ou... nem sequer podiam trabalhar. Monopólios...
O problema que monsenhor Ravasi prefere ignorar é que os artistas contemporâneos são livres e raramente temem as chamas do inferno. Além de que há muitos chineses e indianos cheios de papel e prontos a investir balúrdios em obras não-religiosas. Haja dinheiro e os grandes artistas depressa se interessarão de novo pela Palavra.
"É a Economia, estúpido!" como dizia o outro,

quarta-feira, setembro 03, 2008

Abstracção?

Os comentários ao post anterior trouxeram uma questão que me parece pertinente. Os valores astronómicos (ou poderei dizer: absurdos?) atribuídos a determinados produtos causam indignação à maioria das pessoas. Falou-se das pinturas de Ticiano, em posts anteriores tinhamos lançado um olhar sobre o leilão de obras de Damien Hirst e as latinhas de merda de Piero Manzoni, vendidas ao preço da grama de ouro. Aqui se colocava a hipótese de ouro=merda, numa manifestação de desprezo terrorista em relação ao mais cobiçado dos metais.
Nos últimos dias vieram a público notícias que dão conta da transferência do jogador brasileiro Robinho que trocou o Real Madrid pelo Manchester City por 42 milhões de euros pagos em "dinheiro fresco" pelos novos donos do clube, uns árabes cheios de guito. Não satisfeitos com esta compra estonteante, os ditos árabes do Abu Dhabi United Group oferecem 165 milhões de euros por Cristiano Ronaldo. Inacreditável?

Estes milhões todos cruzam os ares sem que lhes possamos pôr a vista em cima. Os números são de tal modo estranhos de tão grandes que para o comum dos mortais é quase impossível compreender o que significam. Para mim é tão difícil de entender a extensão destes valores como imaginar um universo infinito em expansão.
Talvez a grandeza incomensurável destes números esteja na base de uma suposta natureza divina do capital (e do dinheiro) e Cristiano, Robinho, Hirst e Ticiano sejam uma espécie de ícones de santos a colocar nos altares mediáticos desta divindade implacável que é o Capital (assim, com "C" grande).

O papel principal destes ícones será provar aos cépticos a existência real dessa divindade. E nós, servos potenciais do Capital e seus adoradores indefectíveis, pasmamos perante provas de tão grande poderio e vigor. Só nos resta sonhar com fatias pequeninas da sua "carne" que nos permitam comprar a felicidade e usufruir das benesses que o Capital promete aos que nele acreditam, para ele trabalham e, em última análise, o adoram acima de todas as coisas.
Temos divindade!

segunda-feira, setembro 01, 2008

Milhões


Nos últimos dias têm vindo a público algumas notícias relacionadas com um negócio de milhões no mundo da Arte, com "A" maiúsculo, nada de sapos verdes nem latinhas de merda (ver posts anteriores). Trata-se da aquisição de duas pinturas de Ticiano, Diana e Actéon (à esquerda) e Diana e Calisto (este link mostra-nos uma versão do episódio pintada por Boucher, o tal gajo que terá pintado aquele ganso de pescoço pervertido), obras realizadas por encomenda para o rei Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal) entre 1556 e 1559.
As obras pertencem há várias gerações à família do actual Duque de Suterland que agora resolveu vendê-las bem como outros tesouros da célebre colecção Bridgewater que inclui um rol estonteante de obras de outros mestres reconhecidos pela História da Arte. As pinturas são propriedade dos Duques de Suterland há 220 anos e estão emprestadas desde 1945 à National Gallery da Escócia. Segundo rezam as crónicas, as duas pinturas estão actualmente avaliadas em 600 milhões de dólares o que faz delas as mais caras de História. Mas o bom do Duque está disposto a "cedê-las" à nação por uns módicos 200 milhões, um terço do "preço de montra", o que é uma autêntica pechincha.
Seja como for estamos perante um novo negócio que envolve números astronómicos, valores que deixam de fazer sentido na minha cabeça por não ser capaz de imaginar tanto dinheiro junto. Será lícito que assim seja?
Pode uma obra de arte, por extraordinária que seja, alcançar valores tão elevados?
Perante notícias deste género sinto uma certa simpatia por obras como a de Piero Manzoni apresentada no post anterior. Quanto pode valer uma pintura de um mestre? Quanto valeria uma latinha com merda de Ticiano lá dentro?

Recuperando posts antigos (1)

Entusiasmado pela interessante troca de comentários feita a propósito do post intitulado "Arte (o que é isso?)" fui rebuscar os primeiros posts do 100 Cabeças. Encontrei este que, na altura, não teve nem um comentariozionho para amostra mas que mantém toda a actualidade.
Parece-me que, se o sapo verde provocou tanta celeuma, esta obra de Piero Manzoni tem um potencial destruidor de ideias feitas ainda maior.
O texto era o que se segue (com um retoque ou outro):


Se o Urinol de Duchamp cria resistências nas almas mais comuns que dizer da obra da Manzoni intituada Merda de Artista? Este caramelo terá embalado a sua própria caca em latinhas como a da imagem que depois colocou no mercado ao preço da grama de ouro.

A questão reside em aceitarmos ou não a natureza artística desta merda.

Será necessário, antes do mais, decidir os limites da obra de arte. Desde Duchamp, pelo menos, que essa tarefa se tem revelado, no mínimo, complexa. Com os ready made o consumo de arte deixou de ser cómodo. Anteriormente o amador sabia perfeitamente o aspecto e os limites permitidos á criação artística. Um quadro, um fresco luminoso, uma estátua no centro da praça recordando feitos heróicos ou o passado histórico. Nada mais fácil! Mas agora... latinhas de merda!?Os exemplos são mais que muitos.

O espectador é frequentemente confrontado com os seus próprios limites perante os mais variados objectos. Cabe-lhe participar, completando a obra de arte. Convenhamos que pode revelar-se um trabalho de merda para o qual podemos não estar disponíveis, o que é perfeitamente normal.

Consta que Manzoni terá vendido todo o stock, 90 latinhas de merda embalada, pelo preço pedido. Não há notícia (que eu saiba) de que alguém tenha ousado confirmar o conteúdo das latinhas já que isso iria arruinar o seu valor e quebrar-lhe o encanto. Dá que pensar, não dá?

Então deve ser arte!