sexta-feira, novembro 30, 2007

Acordo


Anda por aí uma ventania meio maluca a despentear as ideias de muito boa gente (e de gente má também) por causa do célebre acordo ortográfico para a língua portuguesa (ver texto do acordo em http://www.lusografia.org/ao/acordo-1990.htm). À boa maneira cá da gente, os que falamos esta língua, o dito acordo nem ata nem desata. Ele é uma coisa pouco amada por estas bandas do rebordo da Europa. Talvez por isso os representantes de Portugal vão dando uma cravo e três ou quatro em cheio na ferradura, fazendo sofrer o Acordo e quem nele acredita.
Muito sinceramente ainda não percebi tanta hesitação, muito menos o impulso conservador que vai tolhendo a decisão dos portugueses no sentido da activação do tratado. A língua que se fala é o resultado dos que os nossos olhos não conseguem dizer e a nossa mente é incapaz de mostrar para o lado de fora que não seja a palrar ou a escrever.
Quiseram as curvas do destino que o Português viajasse ainda mais que os portugueses. Daí que haja tantos falantes capazes de perceber de fio a pavio o conteúdo deste texto, assim mesmo, só de olhar cá para dentro.
O Acordo Ortográfico não me parece que vá alterar grande coisa. Apenas vai simplificar a ortografia e evitar alguns erros que cometemos com toda a singeleza. Quer dizer, no meu caso vai fazer com que dê muitos mais erros, uma vez que não me estou a ver a atinar de imediato com a coisa toda.
Mas, como ensino aos putos na escola, não vale a pena termos medo do ridículo. Errar é humano. Há até quem diga que o ser humano é, ele próprio, um erro de Deus. Assim como assim o Acordo pode ser aplicado já amanhã. Tenho quase a certeza que o Sol vai continuar igualzinho. A menos que venha chuva.

quinta-feira, novembro 29, 2007

2 anos e uma prova de que a beleza pode ser mais enfadonha que um discurso do saudoso Jorge Sampaio

O 100 Cabeças fez ontem 2 anos de existência. Não foi por isso que se deslocou em força ao Pavilhão Atlântico para assistir ao espectáculo do Cirque du Soleil, intitulado Delirium, mas pode-se dizer que foi isso mesmo. As expectativas eram bastante elevadas. Afinal de contas este "cirque" é do mais badalado que há e já se sabe como a coisa é sempre a dar para o grandioso. E foi! As soluções cénicas e o aparato tecnológico resultaram em imagens deslumbrantes. Sem dúvida nenhuma estivemos perante uma manifestação exuberante de beleza. Mas... o espectáculo em si, o (frágil) fio condutor da estrutura narrativa, o motivo de toda a função, é tão fraquinho como um vitelo acabado de parir. Não chega a ser bem um musical nem um espectáculo de acrobacia, fica-se por qualquer coisa entre ambos. O que não seria de desprezar caso a banda sonora fosse algo de razoável. Mas, na minha opinião, está longe de ser razoável, é uma refinada porcaria. As extraordinárias imagens e funções físicas dos acrobatas de serviço afrouxam a cada novo tema, enrolam-se a cada canção, transformando um festival visual num imenso bocejo.
Dois anos de vida e um quase soninho descansado entre 7 mil almas que enchiam as bancadas do Pavilhão Atlântico.

terça-feira, novembro 27, 2007

MUMIA


Todos os visitantes do 100 Cabeças são convidados a experimentar a MUMIA http://mumiafanzine.blogspot.com/, um Fanzine online com a colaboração de 3 gloriosos fazedores de fanzines desenterados dos anos 80, quando estas coisas se faziam com tesoura, papel e cola UHU,na fase de montagem. Depois era tudo fotocopiado e distribuido como fosse possível. "A Facada Mortal", o "Joe Índio" ou o "Mar Morto", foram alguns dos Fanzines produzidos com a colaboração dos actuais elementos da MUMIA.
É um Fanzine essencialmente visual que ainda anda por aí à procura da identidade perdida.

segunda-feira, novembro 26, 2007

A coisa está a ficar mesmo bera!

Nos últimos dias crescem as vozes que dão conta de um recrudescimento doentio do controlo legal sobre aspectos da nossa vida quotidiana que julgávamos inofensivos. Emanadas pela "União Europeia" a cada dia que passa, surgem normas e imposições legais que parecem ridículas (que são ridículas), absolutamente desnecessárias e incompreensíveis. Os estados da Uniãosão encorajados a meter, cada vez mais, o nariz onde não são chamados. Há leis para tudo e mais alguma coisa, cria-se uma floresta de regras de tal modo densa que o comum dos cidadãos, um dia destes, não sabe se há-de limpar o cú com a mão direita sem ser multado, caso haja algum fiscal a observá-lo e a regra seja limpar a merda com a mão direita. O 1984 de Orwell parece estar apenas um pouco atrasado, mas está a chegar.
Há uma ditadura do senso comum a impor-se, sem sufrágio nem programa, uma ditadura que é fruto da mais rasteira propaganda mediática e que tem, por objectivo ao que parece, zelar pelo nosso bem-estar, saúde e segurança, nem que para isso tenhamos de ser catigados, enxovalhados e mandados para um centro de recuperação de qualquer coisa esquisita. Moda e publicidade, aliados a um súbito desvelo pela forma física, querem fazer de nós todos uma coisa só, hordas de Super-Barbies a abanar a peidola para hordas de Super-Kens e vice-versa e etc. que os tempos são de tolerância em termos sexuais (dizem, mas não sei se acredite). Só é pena que este amor pelo aspecto físico não tenha paralelo em termos intelectuais. Os senhores que gerem esta merda toda escondidos na sombra, esses Big Brothers de pacotilha, ou não perceberam nada da herança grega e deturpam a Democracia esquecendo que um corpo são só faz sentido se, primeiro, empacotar uma mente sã, ou então são pura e simplesmente uma corja de pulhas enfatuados e amarelados pela indolência, com um gosto infantil por gadgets tecnológicos, carros de marca e mobiliário XPTO.
Inclino-me mais para a segunda hipótese. Penso que está a chegar a hora de fazermos frente a esta onda de merda que ameaça submergir as nossas liberdades individuais em nome da saúde e dos interesses da "nação" ou do "estado" ou lá quem é que se alimenta do nosso trabalho e do nosso sangue. Os monstros devem matar-se, sempre que possível, antes de sairem do ovo. Mesmo bébés já são terríveis adversários. É por isso que lhes chamamos monstros.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Experiência pedagógica


Uma sala de aulas com vinte e tal crianças com 9 ou 10 anos de idade lá dentro é um espectáculo que deveria ser admirado por toda a gente, pelo menos uma vez na vida.
A ministra da educação, por exemplo, está mesmo a precisar de experimentar a sensação. Era metê-la numa arenazinha desse género, anónima, com umas fichas na mão para a criançada preencher. Deixá-la lá dentro durante 90 minutos e, no fim, recolher os bocados da senhora. Depois colava-se tudo de novo e teríamos uma ministra completamente nova e, quem sabe, renovada.

Esse Jorge



Foi anteontem, no Coliseu de Lisboa. Jorge Palma, ao vivo. Sala cheia. Tudo sentado. O Coliseu dos Sentados! Sabe mal, principalmente quando queremos mostrar ao corpo aquilo que o cérebro está a sentir e temos de nos ficar por umas palmadinhas na perna ou aquele esticar de pescoço meio tôlo, a acompanhar o ritmo. Sentadinhos. Mas esse Jorge aí tem aquela outra coisa qualquer, difícil de explicar ou exprimir, uma coisa que nos faz gostar de estar ali. Que nos faz sorrir. Que nos torna cúmplices uns dos outros.
Escrever ou falar desse Jorge, o Palma, é redundante. É que, ainda por cima, podemos ouvi-lo. Seja em silêncio ou aos gritos. Sentados ou em pé. Mesmo deitados podemos ouvi-lo.
Ouvi-lo. É aí que reside o prazer.
Força Jorge. Estamos contigo.

O vídeo que acompanha este post é de uma versão de "Portugal, Portugal" (dava um bom hino nacional!) ao vivo na estação de metro do Cais do Sodré.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Democracias

Foto de Hashim Thaci, ex guerrilheiro e actual líder do Partido Democrático do Kosovo

A Democracia há muito que deixou de ser coisa grega. Quando os Iluministas do século XVIII elegeram a Razão como princípio orientador da espécie humana e a Felicidade se tornou um fim a atingir neste mundo (e não no outro), assistimos ao início de um novo modo de interpretar a Democracia que haveria de nos oferecer as sementes dos actuais sistemas políticos ocidentais. As grandes revoluções (a americana, a francesa e, antes delas, a Gloriosa Revolução nas Ilhas Britânicas) travaram em definitivo o Antigo Regime e o Liberalismo haveria de derrubar, paulatinamente, os regimes Absolutistas. Começava a Era Contemporânea com todo o esplendor e miséria que hoje conhecemos.
Hoje as diferentes Democracias que se espalham pelos 4 cantos do mundo funcionam como espelhos dos povos. A nossa é tristonha e cinzenta. A venezuelana é colorida e folclórica. Na China interpretam-se os princípios capitalistas numa estranha mistura com resquícios do sistema comunista. Cada povo vai encontrando a sua forma de expressão política em função da sua História e das características específicas do seu tempo e do seu espaço.
Na História da Arte aprendemos que os diferentes estilos, alinhados na cronologia da evolução das formas artísticas, se adaptam e geram imagens semelhantes mas com características diferenciadas. Num mesmo tempo, em espaços geográficos diferentes, as formas de expressão artística raramente são iguais. Quando muito são equivalentes.
A Política é uma espécie de forma de expressão de um povo, a arte suprema: a arte da organização social. Enquanto cidadãos temos o direito e o dever de contribuir, com a nossa acção quotidiana, para a caracterização dessa forma de expressão colectiva. Enquanto seres civilizados não temos o direito, nem o dever, de impor a nossa forma de expressão a quem a não quiser partilhar.
A Liberdade é a expressão máxima da Beleza. Sejamos livres. Permitamos a Liberdade alheia.

domingo, novembro 18, 2007

Uma coisa que incomoda

O rapto de Europa, Ticiano


A história do tratado constitucional é a história de uma fraude política. Alguns povos recusa­ram a Europa mais ou menos federal, assim como a Constituição. Fez-se um tratado pra­ticamente igual, mais complexo, mais técni­co, mais incompreensível. Com os objectivos explícitos de enganar a opinião; de aprovar furtivamente o que tinha sido recusado; e de evitar que houvesse novos referendos. Os argumentos dos defensores do tratado e opositores dos referendos são intelectualmente pobres, politicamente autoritários, tecnicamente medíocres e moralmente condenáveis. Dizem que "não vale a pena"; que "o parlamento é tão legítimo quanto o povo"; que "é muito complexo e técnico" e, por isso, "incompre­ensível para o eleitorado"; que "é igual ao anterior"; e também que "é diferente do anterior".
Não é só no método e no processo que este tratado é uma fraude. Também no seu conteúdo. Sob a aparência de um melhoramento, concretizado em competências marginais conferidas ao Parlamento Europeu, este tratado é um dos mais potentes recuos da democracia na Europa. O Parlamento Europeu, pela sua natureza, estrutura e função, não é uma instituição favorável à democracia. Por outro lado, este tratado relega defini­tivamente os parlamentos nacionais para a arqueologia política e confere-lhes um estatuto tão relevante para a liberdade como o de uma qualquer direcção-geral dos recursos hídricos.






Este texto é um excerto do Retrato da Semana de António Barreto, no Público de hoje. O titulo é Pobre Europa e, ao lê-lo, surge a sensação de que algo está a mudar na União Europeia. Fica a sensação de que os europeus estão a assitir à criação de uma nova forma de regime político em que a participação dos eleitores deixa de ser particularmente importante. Uma espécie de falsa democracia, baseada numa visão paternalista da política, em que os "chefes" são iluminados por uma bondade quase divina e aceitam arcar com todas as responsabilidades, aliviando os cidadãos do fardo que significa ter de pensar e escolher algo. Os votos populares só serão importantes para eleger os "chefes", pelo menos por enquanto.
Bem vistas as coisas e tendo em conta o exemplo português, os actos eleitorais são cada vez menos participados. Os eleitores abstêm-se na hora de votar. As percentagens da abstenção sobem a cada nova eleição. No que diz respeito aos referendos os números chegam mesmo a envergonhar. Esta apatia cívica encoraja os "chefes" a chegarem-se à frente na hora de decisões demasiado importantes para serem tomadas apenas por eles. Mas não é apenas em Portugal que este fenómeno se verifica. Um pouco por toda a União os cidadãos vão esquecendo os seus direitos e deveres para com o sistema democrático deixando que o futuro lhes seja encomendado por meia-dúzia de burocratas engravatados que não são, necessariamente, os mais brilhantes ou mais honestos de entre todos.
Anda aqui qualquer coisa que incomoda...

sábado, novembro 17, 2007

Ora toma lá!


Lembram-se disto? Foi no passado mês de Julho que esta capa da revista El Jueves pôs a Espanha em polvorosa. Ainda andávamos a discutir a questão dos cartoons blasfemos que supostamente haviam incendiado o mundo islâmico por lidarem com a imagem de Maomé de forma, digamos, pouco católica e já nos víamos confrontados com esta situação, no mínimo, embaraçosa, do lado de cá da fronteira do choque de civilizações.
O caso foi para tribunal e os autores da brincadeira foram condenados a pagar uma indeminização por desrespeito aos "retratados" o que é considerado crime na terra de nuestros hermanos.
Afinal de contas a liberdade de expressão só se defende quando os gozados são os outros? Ora tomemos lá esta que é para aprendermos! Se os autores deste cartoon merecem castigo então os que representaram o Profeta do Islão a fazer isto e aquilo podem muito bem ser lapidados em praça pública. Ou há justiça ou comem todos!
Os cartoonistas espanhólicos recorreram da sentença mas, mesmo que venham a ser ilibados, já temos a escrita toda borrada.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Vai chatear o Camões


A imagem mostra um dos momentos mais mediatizados nos últimos tempos, aquele preciso em que o Rei Juan Carlos, de Espanha, mandou calar o Presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Pessoalmente quer-me cá parecer que a atitude do Rei se deveu mais à evidente falta de sentido de oportunidade do venezuelano, que estava a ser chato e a falar fora do seu tempo de intervenção, do que pelos insultos que iam caindo sobre José Maria Aznar, que não estava ali.
Penso que Chávez tem razão, Aznar é um fascista de "mierda", mas também acho que Zapatero marcou pontos ao lembrar a Chávez onde estavam e que, naquele contexto, há coisas que não se dizem, nem que sejam verdade (sabendo que a verdade é uma questão de perspectiva, alguém poderia afirmar que Chávez é um comuinista-tirano-de-merda e depois...?).
Chávez imagina-se uma espécie de anjo vingador enviado à terra por uma divindade mestiça para pôr ordem nas desordens deste mundo e do outro. Será verdade lá na cabeça dele e nas de alguns milhões de venezuelanos que o apoiam, mas o mundo existe independentemente de Chávez e da sua fértil imaginação. Mais, as regras de funcionamento de certas reuniões internacionais não se alteram para se adaptarem ao estilo "saiam-da-frente-que-aqui-vou-eu" do Hugo da Venezuela. O homem fala quando deve e quando não deve, em estilo matraca, e pensa que os outros o devem aturar e permitir-lhe tudo porque ele "não tem medo da verdade" ou coisa que o valha. Porque ele fala pelos oprimidos e deserdados do sistema capitalista e etc. e tal. O gajo está convencido que detém a verdade e, por isso, estamos todos obrigados a ouvi-lo sempre que lhe apetecer falar e durante o tempo que ele conseguir aguentar, mesmo sem assunto que não sejam umas cançõezitas ou umas anedotas de gosto duvidoso.
Há quem não esteja para o aturar e lho diga na cara, como fez Juan Carlos. "Porque não te calas?", "que já estás a chatear" ou "não é a tua vez de falar" seriam conclusões possíveis para a frase do Rei de Espanha. Não me parece que haja outra intenção na sua inesperada intervenção mas a paciência tem limites. Em português alguém lhe diria,"Chavecito, vai chatear o Camões!" e a coisa ficaria por ali e resolvida.

terça-feira, novembro 13, 2007

A guerra


http://www.rtp.pt/index.php?article=302442&visual=16 porque há coisas assim vale a pena espreitar de vez em quando a televisão. A série documental A Guerra de Joaquim Furtado é um documento imprescindível, um trabalho jornalístico de grande valor. A guerra colonial continua muito mal ilustrada no nosso imaginário colectivo. Esta série vem colmatar uma enorme lacuna. A não perder. Vou terminar rapidamente este post pois o episódio de hoje está quase a começar e não quero perder nem um minuto.
Até mais logo.

segunda-feira, novembro 12, 2007

Todos seremos perfeitos

Deus não foi tão cuidadoso como as suas capacidades criativas poderiam fazer prever. Fez-nos pouco perfeitos, na maior parte dos casos. E não foi só no aspecto psicológico, digamos assim, as imperfeições físicas, ui! Por vezes até metemos medo.
Mas não é nada que não tenha remédio. O desenvolvimento tecnológico aliado a um refinado apuramento do sentido estético e do melhor bom gosto têm vindo a permitir um constante aperfeiçoamento do aspectozinho exterior de uma parte significativa da humanidade.
Os cirurgiões plásticos corrigem os mais variados defeitos, os dentistas oferecem-nos sorrisos luminosos e certinhos, os estilistas embrulham tudo com uma imaginação tremenda e surpreendente. Em última análise caminhamos para a uniformização do aspecto exterior dos seres humanos com capacidade económica para fazerem o jeito ao Criador de corrigir os Seus descuidos. Virá o dia em que milhões de Barbies e Kens, perfeitos como se tivessem sido fabricados a partir dos mesmos moldes, povoarão o planeta. Os feios e defeituosos serão enviados para guetos apropriados às suas malformações específicas, desaparecendo das ruas e dos meios de comunicação de massas. O mundo rejubilará na beleza e na perfeição da espécie.
À uniformização física corresponderá a uniformização do intelecto. Um mundo perfeito, habitado por perfeitos cidadãos. O sonho que Deus não sabe que teve mas que nós, filhos dilectos, nos encarregámos de Lhe recordar. Um mundo sem dor nem vício (pelo menos que se vejam), um mundo onde o amor prevalecerá sobre o ódio (pelo menos entre semelhantes), enfim: ainda lá não estamos mas para lá nos dirigimos.
Amen.

domingo, novembro 11, 2007

O corpo, gaiola da alma

Com o Natal à porta (vem longe mas dirige-se á porta) os panfletos publicitários multiplicam-se nas caixas de correio. Prometem-se preços incríveis, produtos extraordinários, promoções imbatíveis. Enfim, é o paraíso na Terra, consumismo límpido como a face de um anjo.
No meio da papelada colorida encontrei esta "Família Portuguesa" número 2 de 2007. Não me tinha apercebido do número 1, nem sei se houve outras edições em anos anteriores, mas esta lá me captou a atenção. Pelo título da revista e pelas características do papel pensei que fosse mais uma daquelas publicações de seita religiosa, mas não. Havia uma pequena surpresa à minha espera.
A responsável pela edição é uma tal House of Trends Company com sede na Dinamarca. Eh lá, uma revista originária da Dinamarca intitulada "Família Portuguesa"! Olhando melhor pode ver-se que o corpo editorial trabalha algures a partir da Holanda e, por fim, a impressão é realizada na Alemanha. Caramba! As voltas que dá esta "Família Portuguesa" até chegar ás nossas caixinhas de correio.
Olhando para a capa ficamos com a sensação de que, afinal, há qualquer coisa de seita por trás da revistinha. Fala-se no salvamento de uma tal Maria Sofia, em dores que desapareceram, zumbidos nos ouvidos que foram curados e alguém que recupera energia para enfrentar a vida. Firmeza (de carnes), magreza, enfim, imagens e relatos de felicidade recuperada através de algo ou de alguma coisa. Lá dentro anúncios completam as reportagens e entrevistas que nos dão notícia de curas e recuperações quase milagrosas de uma série de personagens. Umas conhecidas dos écrãs de TV, outras anónimas mas igualmente felizes. Os anúncios são, invariavelmente, a produtos de uma tal Pharma Nord http://www.pharmanord.com/.
Enfim, a revista promete mundos e fundos para os utilizadores dos vários produtos desta empresa, tendo como matriz a recuperação da perfeição física seja qual for a idade desde que se recorra à utilização dos referidos fármacos milagrosos.
É um ataque vindo de terras do Norte da Europa tendo como objectivo tornar-nos a todos mais belos, mais perfeitos e mais felizes. A vida saudável a fazer das suas, o ideal do corpo são a tornar-se, cada vez mais, uma espécie de nova religião para a felicidade dos consumidores.
Passa-se a mensagem de que vale tudo para melhorar o nosso aspecto físico nem que, para isso, tenhamos de abdicar de pequenos (ou grandes) prazeres. É a proposta de dar a alma pelo corpo transformando-o numa gaiola dourada.
É para quem quiser.

sábado, novembro 10, 2007

Um Van Gogh, dois picassos, três mirós...

O mercado de obras de arte vive tempos agitados. As grandes leiloeiras, nomeadamente as incontornáveis Christie's http://www.christies.com/home_page/home_page.asp e Sotheby's http://www.sothebys.com/, vão oferecendo a eventuais compradores alguns trabalhos de grandes mestres. Note-se que estou a falar de trabalhos de grandes mestres e não, obrigatoriamente, grandes trabalhos. Ouvimos falar em "mirós" ou "picassos" e logo surgem, associados a estas designações generalistas, números incompreensíveis em euros ou libras ou dólares, números astronómicos seja qual for a moeda. As leiloeiras esperam sempre que haja alguém ou alguma instituição com poder económico suficiente para adquirir os produtos que comercializam.
Nos meses (anos?) mais recentes têm sido transaccionadas muitas obras deste calibre com base e ponto de partida nos preços propostos. Frequentemente atingem-se novos recordes que deixam o comum dos mortais de queixo caído perante a dimensão do fenómeno e os donos das leiloeiras a esfregarem as mãos de contentamento. A cada novo leilão é mais um record que se ultrapassa. Isto tem sido assim.
Até que, um dia destes, não sei se anteontem ou no dia anterior, a Sotheby's não conseguiu vender "um" Van Gogh. O quê? Um Van Gogh sem comprador!!?? Soaram os alarmes e de imediato surgiu a palavra "crise". O mercado terá entrado em crise?
O que eu gostaria de frisar é que existe a possibilidade de o tal Van Gogh ser uma obra pouco apelativa. Talvez o objecto em si não seja particularmente brilhante e, mesmo numa situação tão abstrusa como é esta de comercializar objectos artísticos, haverá a necessidade um mínimo de paixão entre comprador e objecto. Digo eu. Ou seja, as tabelas de preços são estabelecidas segundo parâmetros específicos, vende-se mais o nome do autor do que o objecto propriamente dito.
Pessoalmente, para dar um exemplo, considero o Miró da colecção Berardo um pequeno horror, uma obra desinteressante. O Ernst dessa mesma colecção é pouco deslumbrante e os picassos também não são nada de extraordinário. Mas sempre são "um" Miró, "um" Ernst e "dois" picassos!
Para finalizar acrescento apenas que entre a paixão e o interesse monetário há uma distância imensa, difícil de quantificar ou explicar quando falamos de objectos de arte. Não creio que haja uma crise só porque "um" Van Gogh patinou num leilão. Talvez a tal paisagem não fosse assim tão apetecível ou então o preço base de licitação poderia ser apenas assim a dar para o exageradíssimo, uma vez que exagerado já ele era de certezinha absoluta.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Timidez artística


No pretérito dia 8, abriu ao público a ArteLisboa, na FIL. Nunca lá pus os pés. Parece mentira ou que estou a gozar. Mas não, é a mais pura das verdades que tenho escondidas no meu íntimo. Tenho a impressão que, mesmo as pessoas que vivem comigo nunca se terão apercebido de semelhante enormidade. Nem eu.
Ano após ano penso exactamente aquilo que estou a pensar neste momento. Que vou lá amanhã. Mas depois de amanhã ainda não fui e, quando dou por ela, estou um ano mais velho e continuo sem visitar a maior feira de arte que se faz cá no país. O pior é que nem sequer sinto uma pontinha de remorso. Não vou e acabo por me sentir melhor do que se fosse (como posso afirmar uma coisa destas?), pelo menos é isso que o meu egozito interior vai dizendo cá para fora para me sossegar. Mas talvez seja este o ano em que dou lá um saltinho a ver o que se anda a vender (ou pelo menos a tentar vender) pelas galerias portuguesas.
Uma ida aqui http://sic.sapo.pt/online/noticias/cartaz/20071108Project+rooms+sao+novidade+na+ArteLisboa.htm fornece alguma informação e tem um vídeozinho da peça noticiosa do Telejornal da SIC sobre o acontecimento. Até aparece o Pacheco Pereira falando no seu estilo particularmente abrupto e adocicado.
Reflectindo um pouco sobre a forma como me tenho esquivado a esta feira sou levado a suspeitar que sinto um pouco de vergonha. Ir a um sítio onde todas as obras expostas, ou pelo menos a esmagadora maioria delas, foram criadas com o intuito de seduzir um coleccionador qualquer (e sabemos que os coleccionadores não são assim tantos) ou impressionar o espectador ao ponto de o levar a comprar, envergonha-me. Embaraça-me. Talvez seja isso.
Entretanto aqui fica o link directo para uma página http://www.artelisboa.fil.pt/EN/feira_PressPresente.asp que me parece ser mais ou menos uma página oficial do evento.
Resumindo e concluindo, sou tremendamente preguiçoso quando se trata de ir a feiras se souber de antemão que não vou lá comprar nada. Uma feira de bugigangas em Londres, em Lisboa ou em Berlim pode seduzir-me a passar por lá. Já uma feira de gado no Ribatejo dificilmente receberá a minha visita. Uma feira de revistas de BD exerce sobre mim uma atracção quase incontrolável. uma feira de objectos artísticos não. Prefiro museus. Eu sei que isto é mais do que discutível, que a contemporaneidade anda à frente do tempo, que é vanguarda, etc. Mas eu, no que diz respeito à arte sou bestialmente conservador e não papo qualquer merda que me ponham à frente só porque está quente, acabadinha de fazer.
É a tal timidez artística.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Caldo entornado

Já não há mais paciência para a completa incapacidade, diria mesmo, para a total incompetência da Ministra da Educação e a sua equipa de anõezinhos. São incapazes, são mal preparados e, sobretudo, mal formados. Não prestam e dão provas da sua azelhice a cada dia que passa. Não bastava a indignidade do Estatuto do Aluno, uma medida inacreditável que apenas passa na Assembleia da República graças a uma maioria parlamentar do Partido Socialista que se caracteriza pela absoluta subserviência à voz do dono.
Nas escolas somos diáriamente confrontados com novas portarias, despachos e outras imbecilidades impostas nas mais variadas formas legislativas, num festival de burrice total e desconhecimento absoluto. A Ministra tem de ser imediatamente afastada do cargo levando com ela, pela mão, os seus secretários de estado e bem podem ir para o raio que os parta.
Estou absolutamente indignado com a forma como as escolas estão a ser tratadas por estes assassinos da educação, esta espécie de corja de talibans suicidas que a cada dia enterram mais e mais um sistema educativo moribundo que assim desce à cova quando ainda respira.
Uma lástima!
Este post é um desabafo, uma manifestação de raiva profunda, provocado pela impotência que sinto perante a imposição de regras que sei (todos os professores sabem!) serem catastróficas para a nossa vida profissional e, pior, para o bom funcionamento da vida nas escolas por esse país fora.
Ministra para a rua, já!

segunda-feira, novembro 05, 2007

Mariza na terra do Tio Sam



Mariza andou em digressão por terras do Tio Sam (com uns saltinhos até ao Canadá). Rezam as crónicas que o sucesso desta tournée foi enorme. Não admira, Mariza é uma figura excepcional e canta como poucos. Cá pela santa terrinha as opiniões dividem-se. Há quem goste mais e quem goste menos desta fadista assombrosa (como se percebe pela conversa eu sou dos que gostam muito mais que menos). O costume, temos uma certa dificuldade em aceitar a grandeza dos nossos e acabamos a endeusar certos papalvos só porque que nos cantam em inglês musiquetas da moda. Nada de mais.
Neste vídeo, retirado do You Tube, Mariza canta "Ó Gente da Minha Terra" num daqueles shows de TV americanos em que se consomem banalidades e se dizem enormidades como se isso fosse a coisa mais natural da condição humana. Mariza oferece uma performance poderosa, como é seu hábito, ao ponto de David Letterman, o apresentador que começa por se referir a ela com palavras algo jocosas, acabar meio aparvalhado perante o que viu e ouviu.
A Velha Europa de visita à Jovem América (do Norte).

É Natal?

Começam a surgir os frutos da época. Um pouco por todo o lado (leia-se nas superficíes comerciais) os habituais enfeites de Natal vão ganhando espaço, sugerindo a chegada da época mais consumista no nosso calendário. As televisões animam-se com anúncios de brinquedos que vão aguçando os apetites dos mais novos mas também os instintos consumistas dos mais adultos. As revistas de fim-de-semana que acompanham os jornais dedicam páginas inteiras, com design cuidado, a ideias para prendas e ofertas variadas dirigidas a todos os tipos de bolsas e sensibilidades. A mais de um mês de distância, o Natal está aí!
Este ano, de Outono anormalmente quente, a artificialidade desta antecipação precoce soa ainda mais vazia de sentido. Não há frio nem chuva, a queda de neve parece coisa de outro planeta. O Pai Natal vermelho da Coca-cola ainda não fez a sua aparição massiva mas adivinham-se tempos difíceis para os empregados temporários que irão vestir as fatiotas e sentar criancinhas no colo. Muito suor e mau cheiro no sovaco.
Diz a canção que "Natal é em Setembro, é quando um homem quiser...", talvez fosse mais apropriado afirmar que "Natal é quando o homem de negócios chega com um sorriso do tamanho do mundo".

domingo, novembro 04, 2007

Déjà vu

Ora aqui está um daqueles filmes que se não virmos nem damos conta que o não vimos e o contrário vale exactamente o mesmo http://theinvasionmovie.warnerbros.com/. A trama é bastante simplista e linear, a realização e montagem estão benzinho e não envergonham os autores. De modo nenhum.
Nicole Kidman está mais bonita dando a impressão que o passar dos anos, para ela, funciona a contento. Cada vez mais ganha aquela expressão vagamente ameaçadora, de sobrancelha carregada, que lhe dá uma certa graça. É acompanhada por Daniel Craig, esfíngico e imperturbável, dando o corpo ao manifesto, como de costume. Como diz o povo: "Quem dá o que tem a mais não é obrigado" e Daniel Craig oferece tudo o que tem. Não parece haver muito mais, ali por aqueles lados.
Penso que já deu para perceber que considero o filme dispensável mas também não virá grande mal ao mundo se o eventual leitor destas linhas se der ao trabalho de sentar os ossos numa sala de cinema onde passe o dito cujo. O tema do filme e o seu desenlace situam-se a um nível bastante primário, perfumados por um certo moralismo que, para narizes mais sensíveis, poderá mesmo ser interpretado como um fedor incomodativo.
Resumindo e falando sinceramente, "A Invasão" é como um "Comic Book" animado (a narrativa global conjugada e completada pelos noticiários televisivos é um recurso narrativo característico dos "Comics") com cenas de grande intensidade e uma prestação global bastante razoável mas falta-lhe fôlego no argumento e imaginação que provoque surpresa no espectador quando a coisa está mesmo a pedi-la.
Numa escala de 5 estrelas poderia dar-lhe 2 se bem que, num dia de maior empatia com o mundo que nos rodeia pudesse arriscar 3 sem me sentir muito envergonhado.

sábado, novembro 03, 2007

Não me lixem!

Estas imagens ilustram uma notícia publicada hoje no Público (ver edição impressa, pág. 18, em http://www.publico.clix.pt/). Supostamente são desenhos de uma criança de 9 anos (o de cima) e de outra, com apenas 8 anos (o de baixo), que terão assistido a ataques terríveis e sanguinários dos tristemente célebres janjawid, no Darfur.
Uma análise superficial e imediata dos dois desenhos permitem afirmar, sem sombra para dúvidas, que estamos perante uma mistificação grosseira. Ou bem que, por um extraordinário acaso, se trata de dois pequenos Picassos, geniais na forma como dominam a composição visual, com um sentido de organização formal absolutamente extraordinário para crianças tão pequenas (ainda por cima vivendo algures no interior do Darfur, com uma educação visual limitada aquilo que a Natureza oferece ao olhar humano) ou então estes desenhos saíram da mão de algum adulto nascido e criado num universo mediático e não no deserto.
Se alguma dúvida pudesse existir, o pormenor da perspectiva axonométrica das cabanas, representadas no desenho de cima, eliminaria de imediato a possibilidade de esse desenho ter sido executado por uma criança de 9 anos, a menos que tivesse frequentado uma escola bem exigente em termos de desenho, o que dificilmente será o caso do seu alegado autor.
No desenho de baixo, a perspectiva escalonada das cubatas, à maneira de um Giotto nos seus melhores dias, não permite, também, ignorar o evidente logro que nos pretendem impingir com estas imagens. Note-se a curva extraordináriamente equilibrada do caminho e a forma como os soldados se organizam para fuzilarem as pobres vítimas, a fazer lembrar os fuzilamentos representados por Goya ou Cézanne em duas famosas obras primas.
Enfim, todos sabemos que a tragédia do Darfur é tremenda e não será fácil encontrar documentos visuais que sustentem com eficácia a sua denúncia no universo mediático em que vivemos e onde a imagem é caução de realidade. Daí a querer fazer de nós parvos ou, na melhor das hipóteses, "inocentes visuais" vai a distância entre a verdade e uma mentira descarada.
Estes desenhos são mentiras descaradas. Pelo menos no que toca à atribuição da sua autoria.

quinta-feira, novembro 01, 2007

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Mania da supremacia

O episódio degradante protagonizado pelos elementos da Arca de Zoe que tentavam "importar" crianças directamente do Chade para França sob o pretexto de lhes oferecerem um nível de vida muito superior ao que poderiam sequer imaginar caso continuassem em África ilustra bem o significado da palavra "chauvinista" que, normalmente, surge associada aos compatriotas de Astérix. Claro que não são apenas os franceses a estarem convencidos de que vivem numa parte do planeta que merece o lugar mais alto do pódio na competição das civilizações humanas.
Quando seremos capazes de aceitar a possibilidade de haver quem seja completamente feliz vivendo de um modo absolutamente diferente do nosso? Quando seremos capazes de deixar cada um escolher livremente o seu destino sem olharmos para os que são diferentes de nós com aquele arzinho trocista de quem se imagina o maior do mundo?
Nesta triste história há um pormenor que me deixa um tanto arrepiado. Li no jornal que os simpáticos benfeitores aliciavam as crianças com doces e promessas de as levarem à escola, argumentos de peso que garantiam a simpatia dos catraios. Talvez os mensageiros de Zoe pudessem investir algum dinheirito na criação de escolas no Chade. Assim estariam a contribuir para melhorar as condições de vida no local ao invés de pretenderem transformar os pequenos chadianos em franceses, cidadãos da União Europeia.
Se na verdade somos uns sortudos por termos um certo modo de vida, talvez fosse mais solidário criar condições para que os outros descubram o seu próprio, sem lhes pretendermos impingir o nosso, raptando-os. É que eles podem não gostar de vir para cá e depois será demasiado tarde para desfazermos a asneira.