sexta-feira, junho 29, 2007

Pessoas

Honoré Daumier, Third Class Carriage 1862

As pessoas têm uma necessidade de comunicação impossível de explicar. Sentadas em volta de uma mesa jogam palavras, olhares, gestos, sempre à procura de reconhecimento, esperando um pouco de amor. Mesmo quando não há laços particularmente fortes e a situação que as reune é algo formal, a conversa deambula em busca de pequenas portas, frestas de entendimento mútuo, possibilidades de comunhão. Se, por acaso, a oportunidade se oferece e as coisas ganham uma limpidez inesperada é ver as barreiras ruirem, os preconceitos a derreter no calor das palavras, o mundo a reogarnizar-se num sentido completo, como as raízes de uma árvore que encontram o lugar exacto que garante a vida e o crescimento do tronco, dos ramos, a encontrar a forma de dar vida às folhas e às flores da próxima Primavera.
Estou a falar de pessoas simples, como é a maioria das pessoas, sem falsidades escondidas no fundo dos bolsos nem espertezas saloias no risco do penteado. Hoje estou em maré de acreditar que é possível ser-se humano sem mais nada, só assim, coração nas mãos e vontade de gritar uma canção no final de cada frase. Gostava mesmo de saber cantar.

quarta-feira, junho 27, 2007

Educando os animais


Li algures que não se deve deixar a uma criança a responsabilidade de educar um cão. O desconhecimento das crianças sobre os mecanismos educativos seria nocivo para o animal, deixando-o confuso. Uma festa na cabeça depois de um chichi no canto da sala ou uma sapatada após uma boa acção canina iria contribuir apenas para confundir o pobre animal e desregulhar-lhe os desejados bons costumes. A educação do animal é responsabilidade demasiada para ser entregue a quem não tem ainda bem definida uma conduta de vida pautada pelo rigor ético que caracteriza um adulto.

Olhando para os acontecimentos recentes no nosso país sou levado a concluir que a educação cívica e politica do nosso povo está a ser descurada por termos um 1º ministro que se comporta de forma infantil e um presidente da república que já nasceu velho. Os sinais enviados pelos nossos dirigentes supremos são frequentemente contraditórios. Premeia-se a mediocridade, aplaude-se a mesquinhez e ignora-se a falta de ética, como se a ética fosse um mal que tem de ser suportado apenas quando não há outra hipótese, mas o discurso oficial é de sentido contrário. Quem andar distraído ficará confuso com certas aventuras ideológicas e trapacices processuais que se vão tornando o pão-nosso de cada dia.

Se não nos organizarmos, se não estivermos atentos nem protestarmos quando há razões para isso, vão fazer-nos a folha e nem migalhas havemos de aproveitar. A Democracia não nos é oferecida pelos que estão no poder. Bem antes pelo contrário. Temos de conquistá-la CONTRA eles. É triste mas quer-me parecer que é a realidade.

Robotarium X

O Robotarium X instalado no Jardim Central, Alverca (Vila Franca de Xira), é o primeiro do género no mundo.Trata-se de uma estrutura em vidro e aço no interior da qual vive um conjunto de 45 robots, distintos na sua morfologia, comportamento e forma de conseguir energia.
O Robotarium é um projecto de arte e ciência do artista plástico Leonel Moura, com implementação de robótica da IdMind e apoio da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Pode ser visitado em qualquer momento mas aconselha-se naturalmente os dias com bastante sol e em que a agitação destas pequenas criaturas é mais acentuada.
Leonel Moura prossegue o seu trabalho de investigação em torno da "vida" dos robôs. Depois dos robôs pintores propõe , desta feita, uma espécie de habitat para seres mecânicos. Clicando aqui http://www.lxxl.pt/rxpt.html pode o leitor familiarizar-se um pouco mais com esta estranha "quinta" artificial e com os seus habitantes.

segunda-feira, junho 25, 2007

O astronauta Farmer

Ora aqui está um filme para ver com toda a família (cão, gato e periquito podem assistir sem problemas). No meu caso acabei por ir sozinho ao cinema já que a restante família foi ver um concerto dos My Chemical Romance ao Coliseu. Mas não faz mal. Aliás, por pouco não fui mesmo sozinho já que assisti aos anúncios sem mais ninguém na sala. Depois lá chegaram mais 3 espectadores e, com o filme a decorrer, outros 4. Poucos espectadores não fazem nem desfazem o filme a partir do momento em que o écrã se ilumina com a história que ali nos leva. No caso deste O Astronauta (título da versão legendada em Português) somos convidados a entrar na narrativa de forma bastante educada e correcta. Imagens plasticamente cuidadas e um ritmo suave mas seguro, marcam os primeiros minutos do filme. Entra-se com agrado e é com agrado que se assiste a esta espécie de fábula sobre um homem, Farmer de seu nome, que tem o sonho de ser astronauta e constrói uma nave espacial no celeiro.
Como já referi é um filme com imagens por vezes muito belas e uma narrativa límpida e escorreita. Vê-se com agrado do princípio ao fim. As personagens são bem definidas e há momentos dramáticos que equilibram outros mais dados à comédia. Enfim, um filme que não sendo uma obra-prima não deixará de constituir uma agradável surpresa com um falso final e outro, mais à frente, com aspecto de ser o verdadeiro.
Gostei.

domingo, junho 24, 2007

Uma lufada de... fumo fresco!?


Diploma deverá consagrar a livre opção nos estabelecimentos mais pequenos
Lei do tabaco mais restritiva entra em vigor a 1 de Janeiro de 2008

As negociações ainda não estão terminadas, mas o essencial, a face mais visível do novo regime, está definido: em matéria de estabelecimentos de restauração e hotelaria, o PS passou de uma proibição total de fumo nos espaços mais pequenos para a livre opção por parte dos proprietários. Estes vão poder escolher se querem um estabelecimento livre de fumo, só para fumadores ou misto, desde que consigam garantir a qualidade do ar no espaço para não fumadores. Era o sistema defendido por PSD e CDS/PP e por isso, na última reunião do grupo de trabalho, as posições aproximaram-se. http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1297599

Finalmente uma decisão correcta por parte de quem manda nesta coisa à beira-mar plantada. O volte-face registado nas intenções legislativas em relação ao tabaco em locais públicos como cafés, restaurantes ou discotecas, mostra um pouco usual bom senso vindo dos lados do poder. Como se impunha a decisão de permitir ou não o fumo nesse tipo de estabelecimentos caberá a quem os gere e a quem os frequenta, numa rara afirmação de confiança na liberdade de opção de cada um de nós, cidadãos da República Portuguesa.
Na minha qualidade de fumador aplaudo a decisão. Garanto que, no entanto, continuarei a não fumar em restaurantes por considerar que, ao fazê-lo, posso estar a interferir de forma intolerável no bem-estar de outras pessoas. Mas essa decisão é minha, não aceito que me seja imposta. Deixa de haver ameaças de multa e proibições totais, cada um poderá optar de acordo com os seus interesses e perspectivas de vida, por assim dizer.
Só espero que esta atitude alastre a outros campos da vida em comum. Estamos perante uma saudável lufada de... fumo fresco em questões de liberdade individual!

sábado, junho 23, 2007

Agitação de Verão


Paula Rego,"The Barn"

Não, não tem a ver com a corrida às areias da Caparica em busca de um espacinho para estender a toalha e gozar a força do Sol a tostar-nos a pele em fogo lento.
Não, não tem a ver com o Festival de Teatro de Almada a encher-se de espectadores ávidos de uma brisasinha nocturna que lhes alivie a pele tostada nas areias da Caparica enquanto assistem a um espectáculo.
Não, não é nenhuma promoção de artigos para férias ao preço da uva mijona.
A agitação deste início de Verão tem mais a ver com a abertura ao público da Colecção Berardo na sua nova casa, o Centro Cultural de Belém. Finalmente iremos ter oportunidade de ver como é que o Comendador Joe nos vai brindar com uma parte da(s) sua(s) extensíssima(s) colecção (ões) tendo por "palco" todo o excelente espaço de exposição do CCB.
Os semanários e revistas de fim-de-semana dos jornais diários que saíram hoje dão justa relevância ao acontecimento, agendado para a próxima 2ª feira, com entrevistas ao empresário e reproduções fotográficas de algumas das peças mais emblemáticas a serem expostas.
(em http://www.berardomodern.com/ pode-se ter um vislumbre, acedendo ao site do antigo Sintra Museu de Arte Moderna, assim mesmo, com sonoridade vagamente anglófona. De notar que alguns dos artistas mais "apetitosos", Picasso ou Warhol, para citar 2 exemplos, têm os seus trabalhos sem imagens neste site por respeito de direitos de copyright)

A lista de ilustres autores e suas ilustríssimas obras-primas é de estarrecer os mais corajosos consumidores de arte. Decerto que esta colecção irá servir de pretexto para trazer muito boa gente a Lisboa (não a Portugal) vinda dos 4 cantos deste mundo e dos 9 cantos do outro, numa onda de turismo cultural sem precedentes no nosso país. Ou melhor, sem precedentes na capital do nosso país.
O Porto já tinha a espectacular Fundação de Serralves (http://www.serralves.pt/) que nos vai proporcionando acontecimentos do mais fino bom gosto cultural e o CCB também não terá sido menos generoso nos últimos anos. Mas agora, com o gesto amigo do filantrópico Berardo, haverá uma colecção permanente com algumas obras do mais significativo que podemos encontrar nos percursos artísticos contemporâneos.
Ultrapassada a polémica que ensombrou a negociações entre o Comendador e o actual governo relativas aos contornos do negócio que agora se concretiza na sua parte visível, podemos estar satisfeitos por ficarmos com tão mediática colecção aqui à porta de casa, plantada no coração da Capital. Estou curioso e, em data oportuna, irei ver com estes olhos que a terra há-de comer os Picassos, os Warhol, Paula Rego, etc., etc., etc., que a carteira cornucópica do Amigo Joe nos vai proporcionar.
É já a partir da próxima 2ª feira e é, sem sombra para qualquer dúvida, um dos grandes acontecimentos deste Verão.




Entre as obras que estarão expostas no CCB escolhi "The Barn" para ilustrar este post, pode o leitor deliciar-se com mais trabalhos da magnífica Paula Rego em http://library.thinkquest.org/17016/

quinta-feira, junho 21, 2007

Tic-tac


Uma vigilância de exame pela manhã. Matemática do 9º ano. Boring.
Uma ida ao dentista pela tarde. Brrrr.
Um jogo de futebol da selecção de sub-21 ao cair da noite (derrota com os fatelas dos italianos nos penaltis :-().
Digamos que o dia não teve grandes motivos de regozijo.
Para dizer a verdade até que nem se passou mal de todo apesar de não ter havido divertimento extra. Isto faz-me pensar que a diversão está longe de ser a coisa mais importante na vida. O simples passar dos minutos e das horas cumprindo tarefas planeadas ou improvisando a vida com simplicidade pode muito bem ser altamente compensador.
E é.
Às vezes.

quarta-feira, junho 20, 2007

Fé no manualzinho

O mundo parece-me mais ordenado quando o olho através de um manual escolar.
As coisas todas tão arrumadinhas nas páginas que se enfiam na lombada como prateleiras infalíveis e poderosas. A história contada em perfeita sequência cronológica, os acontecimentos enfiados como missangas num inquebrável fio narrativo.
O mundo assim mostrado não só faz todo o sentido como se apresenta capaz de resistir às tentações malignas que o fazem oscilar no eixo de rotação, ameaçando a próxima translacção com os horrores de tempestades impossíveis e divindades balofas, ainda por inventar.
Dêem-me um manual escolar, um ideal pintadinho com as cores primárias, ofereçam-me um herói de fato-e-gravata que me ajude a acreditar na bondade dos bonecos que ilustram as notícias que me chegam nos mass media.
Eu quero ser capaz de ter fé em alguma coisa que permita à esperança ser a última coisa a morrer. Eu quero ter fé em alguma coisa que torne a esperança esperança imortal!
Eu quero ter fé no Ser Humano... mas está difícil, caraças, está mesmo complicado!
Vou folhear outra vez o meu manualzinho. Lá está tudo tão arrumadinho!

terça-feira, junho 19, 2007

Surfista Prateado

Hoje fui ao cinema com a minha filha Eva e o meu sobrinho Eduardo ver o novo filme do Quarteto Fantástico. Neste 2º filme os 4 Fantásticos encontram uma das personagens mais "estilosas" dos comics, o Surfista Prateado. Só por isso valeria a pena arriscar uma ida ao cinema, ver a forma como seria o Surfista no écran era suficientemente aliciante para mim. Confesso que o filme me desilidiu bastante. A história arrasta-se um pouco (ou muito, depende da perspectiva) mas a personagem do Surfista acaba por atenuar um pouco (ou muito, depende da perspectiva) um certo aborrecimento. As histórias na Banda Desenhada são mais interessantes do que esta adaptação para cinema. O 1º filme pareceu-me mais conseguido... mas pronto, é puro entretenimento, sem muito mais para oferecer que excelentes efeitos especiais e uma ou duas cenas de acção espectaculares (a perseguição do Tocha Humana ao Surfista, por exemplo). De resto é bastante banal, como costumam ser banais estes produtos industriais que se consomem como chiclete; mastiga-se e deita-se fora depois de perder o sabor.
Os miúdos gostaram. Eu... gostei de ir com eles ao cinema.


domingo, junho 17, 2007

Aut(oritar)ismo

Ouço muitas vezes dizer que, para se governar convenientemente, é necessária uma maioria absoluta. Seja nas autarquias ou na Assembleia da República, entranha-se nas mentes do povão a ideia de que governar é uma actividade que só pode exercer-se com total liberdade de opção dos detentores do poder. A oposição serve apenas para atrapalhar e, caso não exista maioria absoluta, serve para paralisar o governo, empatando e provocando problemas incontornáveis enquanto se espera por novas eleições. Resumindo, não acreditamos verdadeiramente nas virtudes do sistema democrático que deveria assentar na troca de opiniões diferentes para encontrar soluções adequadas para os problemas comuns. Para se governar "como deve ser" ou se tem poder total ou não se pode fazê-lo.
Esta distorção da Democracia leva-nos a criar maiorias absolutas e, apesar de tudo o que aconteceu quando Cavaco foi dono e senhor do país, insistimos e agora temos Sócrates no papel de tiranete democraticamente eleito. As maiorias absolutas em Portugal têm sido desgraçadas mas continuamos a preferi-las e, de certo modo, a acarinhá-las. São monstruosidades mas são nossas e, como tal, amamo-las como se ama um filho que tem duas cabeças e nos morde sempre que tentamos ensinar-lhe a comer com as bocas fechadas.
Com maioria absoluta na Assembleia temos tido primeiros ministros que se tornam em caricaturas de monarcas absolutistas. Eles têm uma visão para o país e estão determinados a torná-la realidade, dê lá por onde der, contra e tudo e contra todos, se necessário fôr, mesmo contra aqueles que votaram e lhes deram o poder.
Basta passarmos os olhos pelo programa eleitoral que levou Sócrates a este poder (quase) absoluto para percebermos como ser eleito é uma espécie de atestado de ininputabilidade, de tal forma esse programa e as promessas nele contidas são imediatamente esquecidas e distorcidas.
Governar deveria ser um acto praticado com senso e não uma folia libertina de medidas quase pornográficas e desatinadas como as que vemos serem tomadas com demasiada frequência pelos nossos governantes.
Qual a lição que poderemos estudar? Talvez devamos reflectir sobre a bondade destas maiorias absolutas. Talvez devamos pensar que é melhor repartir o poder do que concentrá-lo nas mãos de uma única força partidária. Talvez... uma democracia não pode ser governada por déspotas (mal) iluminados sob o risco de se tornar uma ditadura de merda.
Esta afirmação leva-me a concluir que, no caso do Portugal actual, ou não estamos a viver uma democracia ou estamos a viver uma merda de ditadura, o que acaba por ser a mesma coisa e o seu contrário. Isto não faz qualquer sentido mas não importa, Portugal também não é nenhum modelo de objectividade e, no entanto, aí está em grande estilo, preparando-se para assumir a presidência rotativa da União Europeia.
Caramba, gostava mesmo de viver num país democrático. Há por aí algum? Aceito opiniões e agradeço pistas que me permitam encontrar um país verdadeiramente democrático. Quem sabe poderei emigrar!


sábado, junho 16, 2007

Adeus, ó vai-t'embora!

Não era necessáro saber a decisão do Tribunal Constitucional sobre a trapalhada abjecta dos exames de Física e Química do ano passado. Qualquer cidadão com um mínimo de cultura democrática percebeu, desde o 1º minuto, que a medida imposta pelo secretário de estado fedia, de tão ilegal. Só mesmo o governo e a ministra são capazes de continur a defender a bondade da situação que provocaram. Mas já nada é de admirar, vindo dos cadeirões do poder em Portugal. O comportamento da maioria dos membros do governo é lamentável, diria mesmo, salazarista!
Querem, podem e mandam e, mesmo quando chamados à atenção pelos tribunais, não desistem e insistem em fazer de nós parvos de forma tão descarada que sou levado a concluir que parvos são eles. E dos grandes! Se não percebem a enormidade de certas medidas que nos impingem então é porque são mais que parvos. Ou são estúpidos inocentes ou malvados sem escrúpulos.
É inconcebível que a equipa do ministério da educação se mantenha intocável. Se tivessem a mínima noção do que andam a fazer já se tinham enfiado num buraco. Bem fundo.

Globalização


15-06-2007 - 17:53
Violência em Gaza Um jovem palestiniano vestido com uma camisola da selecção portuguesa de futebol com o nome de Cristiano Ronaldo tira uma fotografia com o seu telemóvel a um veículo da polícia incendiado, em Gaza. Dois civis morreram e pelo menos dez ficaram feridos nos combates travados hoje entre o Hamas e a Fatah. Foto: Ahmed Jadallah/Reuters
Texto e imagem "roubados" ao Público online.

sexta-feira, junho 15, 2007

A grande tanga da cultura


1. Um compromisso pela cultura

A política cultural para o período 2005-2009 orientar-se-á por três finalidades essenciais. A primeira é retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram. A segunda é retomar o impulso político para o desenvolvimento do tecido cultural português. A terceira é conseguir um equilíbrio dinâmico entre a defesa e valorização do património cultural, o apoio à criação artística, a estruturação do território com equipamentos e redes culturais, a aposta na educação artística e na formação dos públicos e a promoção internacional da cultura portuguesa. A opção política fundamental do Partido Socialista não é colocar bens e objectivos culturais uns contra os outros, como fazem todos quantos gostam de opor património, formação e criação, mas sim de qualificar o conjunto do tecido cultural, na diversidade de formas e correntes que fazem a sua riqueza.


O texto acima transcrito foi retirado do programa eleitoral do Partido Socialista nas últimas eleições legislativas que pode ser consultado na íntegra visitando o site http://www.ps.pt/main.php.

Não precisamos de ser especialistas na matéria para constatarmos a enormidade das promessas quando comparadas com a dura realidade. Basta atentar na passagem que garante "o apoio à criação artística" e pensarmos que, estando já adiantado o mês de Junho, ainda não foram publicados os resultados dos apoios à produção pontual de projectos de teatro. Os criadores que tenham programado as suas actividades na expectativa de acederem a este tipo de apoio já devem ter mudado de ideias e improvisado outras orientações para o corrente ano.

Actores, encenadores e demais elementos das estruturas candidatas continuam pacientemente a aguardar os resultados. Mas também os projectos na área das artes plásticas, do design e da música têm de encontrar uma cadeira para esperar. Apenas os projectos na área da dança já conhecem os resultados. Os felizardos.

Se a esta extraordinária demora (ou será sempre assim?) acrescentarmos o pormenor de que os apoios recebidos deverão ser aplicados no corrente ano ficamos com uma ideia mais aproximada da capacidade dos "socialistas" para cumprirem as promessas feitas nesta área.

Outra passagem caricata é a que afirma a intenção de "retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram". O ministério da cultura praticamente desapareceu do mapa e a ministra parece já se ter esquecido do cargo que ocupa mantendo-se, simplesmente, ausente da vida pública. A cultura portuguesa sobrevive ligada à máquina, em coma profundo, graças ás individualidades que ainda se fazem ouvir e ver por aí. Aliás, olhando bem para a actuação do governo apoiado pelo PS, não se vislumbra o que seja governar "à esquerda" seja qual for a perspectiva que utilizemos. Entre o PSD e o PS actuais não se encontram diferenças substanciais a não ser nas clientelas que servem os interesses particulares das respectivas estruturas.
Assim, no caso dos apoios à cultura, em geral, e no do teatro, em particular, a "esquerda" socialista revela-se tão "asfixiante" como a "direita"... social-democrata? Na verdade uns e outros revelam a mesma pasmaceira burocrática (o simplex é uma anedota de mau gosto) e a mesmíssima incapacidade para dinamizarem a paisagem cultural de um país atavicamente indiferente às questões do espírito e da inteligência. A mediocridade dos poderosos infecta, por esta via, a sociedade civil.
O período de algum vigor que a cultura conheceu nos tempos do Manuel Maria Carrilho Ministro, esvai-se definitivamente e podemos já encomendar-lhe o caixão. Em pinho novo e para enterrar em campa rasa que não há verba para mais.

É revoltante

Sindicato processa Estado por obrigar professora com leucemia a voltar ao trabalho
14.06.2007 - 15h57 Lusa
O Sindicato de Professores da Zona Centro (SPZCentro) anunciou hoje que vai processar o Estado "por atentado à dignidade humana", por ter obrigado a voltar ao serviço uma professora com leucemia, que veio depois a morrer.

etc., etc., etc...

Este episódio lamentável mostra com crueldade a forma como somos olhados pelo Estado. Somos números, peças da máquina, equipamento, somos tudo excepto, ao que parece, seres humanos.
É assustador que um governo apoiado numa maioria absoluta de deputados eleitos nas listas de um partido que se diz socialista permita que acontecimentos desta natureza sejam parte da realidade.
É triste constatar que, cada vez mais, precisamos de olhar o Estado como uma espécie de inimigo a combater por todos os meios ao nosso alcance uma vez que ele (o Estado) não hesita em atentar contra a vida dos mais fragilizados dos nossos.
É aviltante que um serviço estatal obrigue uma pessoa como Manuela Estanqueiro a regressar ao trabalho quando se encontrava num estado de saúde extremamente debilitado para que não perdesse direito ao ordenado. Pensava eu que a nossa sociedade se rege por princípios de solidariedade indiscutíveis. Vejo agora que estava enganado.
É justo que o Estado seja condenado por este atentado aos mais fundamentais direitos de uma cidadã que deveria proteger mas acabou por privar de sossego nos últimos dias de vida. Estou para ver qual será o desfecho desta horrenda situação.
É estranha a pouca visibilidade mediática de tão gritante injustiça.
É revoltante que o Ministério da Educação, sempre tão lesto quando se trata de armar em justiceiro solitário nos ataques continuados e persistentes contra a classe docente, se cale e não comente esta vergonha desastrosa. Compreendo que não saibam o que dizer mas, ao menos, poderiam lamentar o sucedido e enviar condolências à família enlutada. Se o fizerem amanhã já não irão a tempo. Nada apagará mais esta nódoa nojenta vinda de um conjunto de políticos sem carácter nem um pingo de coragem.
Que vergonha.
Que raiva!

quarta-feira, junho 13, 2007

Irmãos


A Faixa de Gaza é um território impossível de compreender. O mapa acima é de 2005, talvez não corresponda à actual distribuição das forças no terreno, mas dá para ter uma ideia. A zona que aparece a azul clarinho é Israel. No território os palestinianos estão como sardinha em lata. A situação política é explosiva! (ver notícias de última hora em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1296638).
As facções rivais do Hamas e da Fatah envolvem-se em combates terríveis de uma barbaridade difícil de alcançar para quem, como nós, se encontra a milhares de quilómetros de distância. Não há dó nem piedade nesta luta fraticida. O que pode conduzir seres humanos a tão grande desespero e crueldade? Depois destas batalhas o que irá restar de um território já de si exíguo e miserável?
Os actuais combates dão-se numa fase em que se eperava uma trégua para que os alunos dos liceus pudessem fazer os seus exames, tal como os alunos dos nossos liceus os vão fazer, dentro de dias. Aqui é que me ponho a pensar e não passo do ponto de partida. Como será a vida de um "aluno de liceu" em Gaza? E o que estudarão? Como serão as suas escolas, as relações com os colegas, os manuais e o material didáctico? O progresso de um estudante neste ambiente é algo que não consigo imaginar. Estudar com explosões na rua e balas a matraquear a parede do quarto não deve permitir grande concentração. Num território miserável a miséria não pára de aumentar e, imagino, a esperança é substituída pela angústia mais completa.
Decerto haverá "explicações" para a situação. A política é uma arte complexa mas tem as suas regras (para que as entende). Mas, por razoáveis que sejam as explicações, neste caso não vislumbro grandes possibilidades de se vir a encontrar a pedra de toque da resolução dos problemas daquilo a que chamamos Médio Oriente. Se o problema palestiniano é a principal causa de instabilidade na região então a coisa está mesmo preta! Os israelitas observam (apenas?), os americanos não interferem (será?) e a violência espalha-se com uma rapidez assustadora. Não sei o que pensam os países árabes, os irmãos destes irmãos desavindos. Mas, neste contexto, um estado Palestiniano em Gaza parece coisa impossível.

terça-feira, junho 12, 2007

Adeptos

Notícia retirada da edição de O Jogo de 11 de Junho de 2007:

ASIAN CUP

Catar contrata 10 mil adeptos

A federação de futebol do Catar vai contratar 10 mil estudantes vietnamitas para apoiar a selecção que vai participar na Asian Cup (Hanói, 7-29 de Julho). Os adversários do Catar são o Japão, os Emirados Árabes e a equipa da casa, o Vietname. (...) Apesar da sua popularidade no Catar, as partidas de futebol no país têm assistências muito reduzidas. O Catar tem uma população de 744 mil habitantes, incluindo milhares de imigrante asiáticos.

O dinheiro compra tudo? É o que parece! Um país com uma população tão reduzida como o Catar tem necessidade de contratar apoiantes para a sua equipa de futebol. Para os portugueses esta é uma situação deveras estranha. Espalhados como estão por todo o planeta, sempre que a selecção nacional disputa um jogo, lá aparece, pelo menos, uma bandeirinha verde e vermelha na bancada e um grupo de portugueses aos pinotes. Em casos extremos, como aconteceu recentemente na Bélgica, pode mesmo haver tantos adeptos portugas como da selecção do país estrangeiro onde actuam os nossos magos do futebol. E são adeptos que pagam para assistir ao jogo, como seria natural. A situação narrada na notícia acima transcrita configura um novo paradigma pós-moderno: o espectador contratado.
Como será no jogo entre o Catar e o Vietname? Os adeptos contratados irão injuriar os jogadores da equipa "adversária"? Gritarão mais alto que os (outros) vietnamitas? Quando for ocasião de cantar o hino... será que a federação de futebol do Catar está a pagar aulas para que os seus indefectíveis adeptos vietnamitas aprendam o hino nacional? Convenhamos que esta é uma situação abstrusa!
Se dúvidas houvesse do alcance que tem no mundo globalizado a cultura do faz-de-conta esta história exemplar decerto nos permite confirmar algumas suspeitas. A aparência tem um valor extraordinário na sociedade da imagem (óbvio, não?) ao ponto de inventarmos pessoas, multidões mesmo, que não existem embora respirem e transpirem agitando a bandeirinha branca e grená daquele país meio inventado que dá pelo nome de Catar. Gostaria de ver até que ponto estes adeptos feitos à pressão serão capazes de torcer pelo patrão que lhes paga o ordenado. Tínhamos o exemplo dos mercenários nos conflitos armados, assistimos ao nascimento dos adeptos contratados. Se a moda pega vai ser interessante...




segunda-feira, junho 11, 2007

À procura da beleza (11)











15 minutos (no mínimo)


Ser ou não ser relevante, eis a questão. Não passar despercebido, ter imagem que se imponha, opinião que conte ao ser ouvida, voz para falar e olhos bem abertos. Ter capacidade para ultrapassar as limitações impostas pelo mundo circundante, ser humano e activo, ser relevante.
Este parece ser o motor de muitos de nós, aquilo que nos põe em movimento, o que nos leva a evitar a paragem cerebral ou a física, ter relevância é uma boa motivação para o cidadão das modernas democracias mediático-capitalistas (ena, que termo!).
Andy Warhol profetizou sobre os 15 minutos de fama de que todos gozaríamos no futuro. No futuro dele (que está morto e enterrado), o nosso presente. 15 minutos de relevância. 15 minutos de exposição pública. 15 minutos a ter a sensação de que somos alguém, que preenchemos um espaço único, que é só nosso, que somos nós e mais ninguém a poder estar ali, naqueles 15 minutos de exclusividade e relevância. Relevância efémera e sem consistência, está bem, mas relevância, de qualquer dos modos. Esses 15 minutos devem ser vividos, de preferência e para cumprir correctamente a profecia, num canal de TV (idealmente um canal nacional e de sinal aberto).
Existem outros níveis de relevância menos amplos mas não menos importantes para a sobrevivência do ego e, por via dele, para a sobrevivência do próprio indivíduo. Relevância familiar, relevância profissional, enfim, relevância animal, poderia dizê-lo. Aqui a fama dura mais que 15 minutos, pode durar uma vida inteira ou, mais simplesmente, pode nem sequer existir. Depende da capacidade individual para conquistar relevância.
Nos dias de hoje todos parecemos fadados para sermos figuras relevantes. Agimos como se fôssemos personagens centrais de um filme de Holywood.
O penteado, a cor das calças, a imagem estampada no peito da t-shirt, os ténis com "aquele" look... o i-pod, o telemóvel, o relógio, etc., etc., etc., tal como as personagens dos catálogos da La Redoute ou dos anúncios comerciais da TV, tal como as personagens dos filmes ou os figurantes do telediscos (videoclips, para ser mais preciso) construímos uma imagem que imaginamos relevante. Tentamos estar de acordo com o modelo, entrar em conformidade eufórica com o Cosmos, queremos ganhar direito a sonhar com os 15 minutos de fama prometidos. Queremos tudo! Não podemos perder nada daquilo a que temos direito mesmo que passemos bem sem isso ou, na realidade, usufruir desse direito não nos sirva para nada.
Ter relevância é a aspiração de todo o homem pós-moderno. Relevância social, relevância política (de preferência), relevância económica, qualquer tipo de relevância que lhe (nos) permita ascender ao topo da nossa antropo e autofágica cadeia alimentar. Temos de "lá" chegar, nem que para isso seja necessário comer um filho nosso (coisa própria de divindade alucinada) ou mesmo devorar o pé esquerdo (sempre ficamos com o direito).
Há que optar: ter ou não ter relevância é a questão. Temos de saber se nos preocupamos com isso, a que nível e quais as atitudes que estamos dispostos a tomar para alcançarmos os nossos objectivos. Ou a falta deles.
Aspirações são próprias dos seres humanos mas também dos aspiradores... de pó!

sábado, junho 09, 2007

Um rio entre 2 planetas

Uma das coisas mais interessantes que se podem fazer em Lisboa é um gajo encostar-se a uma parede na Rua do Carmo ou por ali perto e ficar a olhar as personagens que sobem e descem, entram e saiem, páram e olham, ficar ali a ver pessoas. Simplesmente.
A extraordinária variedade dos tipos humanos a desfilar ali, na passerelle, até apetece ter uns cartazes com números e dar pontuações. 5, 8, 10!!! Se um gajo estiver suficientemente descontraído pode gozar o espectáculo sem dar conta da passagem do tempo.
Depois, fazer a viagem de regresso para a Margem Sul (de regresso ao deserto:-) e ir até ao centro comercial do Almada Fórum, repetir o exercício de observação. É impressionante a diferença. As diferenças. As pessoas vestem-se de outro modo, penteiam-se de outra maneira, caminham de forma diversa, parece que mudámos de planeta! Há toda uma outra forma de estar e de parecer, eventualmente outra forma de ser. A separar estes dois planetas apenas um rio e uma ponte. Redescobre-se a maravilhosa variedade da animalidade humana. Um estrondo!

Campeões


Não há memória de tantos heróis destruídos num tão curto espaço de tempo. Cada dia que passa surge mais um ciclista a confessar o seu crime: sim, consumi substâncias proibidas! Meu Deus, não escapa um? Sem as "tais" substâncias poderão estes atletas aguentar as circunstâncias tenebrosas em que disputam certas etapas?

Aqui há uns anos atrás fui à Serra da Estrela assistir à célebre subida da Torre, a mais desumana das etapas da Volta a Portugal em bicicleta. É o ponto mais alto de Portugal e, até de carro, cansa lá chegar, quanto mais montado numa bicicleta, a tentar pedalar mais, com mais força e mais depressa que todos os outros!

Os espectadores alinhavam-se nas bermas por ali acima, procurando sombras onde as houvesse, beberricando aguinhas ou belas cervejolas refrescantes, mantidas no frio de características geleiras de plástico azul. O calor apertava e o sol rebentava num céu tão brilhante que nenhuma nuvem se aventurava a incomodá-lo. Lá estavamos nós, os espectadores, à espera que surgissem os heróis das bicicletas.

Quando surgiu o primeiro foi uma festa. O povo enlouqueceu batendo palmas e gritando. Uns atiravam água, outros, vermelhos de excitação, faziam caretas horrendas de incentivo, grunhindo palavras indecifráveis. O ciclista puxava a sua máquina numa imagem de esforço como nunca antes tinha visto. Era todo músculos, esforço e potência. Quanta força! Devagar, que a subida é ali muitíssimo íngreme, passou por mim e quase lhe senti o bater do coração, um bombo a troar-lhe no peito, a fazer tremer o solo de emoção. Impressionante.

Mais atrás outro, mais outro e por ali fora, espaçados, sós ou em pequenos grupos, os gloriosos corredores sucediam-se. Máscaras inacreditáveis, esgares impossíveis, pareciam retratos de Bacon com vida, sobre corpos sem limite. As veias, grossas como amarras de navio, saltavam dos braços, dos pescoços, das pernas, nunca vira nada assim na minha vida e não me lembro de ter voltado a ver nada semelhante. Havia quem implorasse um empurrãozinho, outros agarravam-se discretamente nas janelas dos carros de apoio. Os últimos eram os mais extraordinários, à beira da explosão, literalmente, pareciam desejar que o mundo se evaporasse de súbito, que aquele ar quente e denso como uma tigela de sopa se abatesse sobre a Serra e a fizesse desaparecer para sempre.

Depois daquela exibição de inumanidade, descemos uns quilómetros para assistirmos à descida dos corredores. Se tudo o que sobe desce pode dizer-se que uma bicicleta desce ainda mais depressa. A descida era simplesmente alucinante. Os corredores vinham numa velocidade perigosa por ali a baixo, gritando a plenos pulmões para as pessoas que assistiam nas curvas da estrada. Vuuuum, passavam como bólides animais numa gritaria insana, o povo excitado saltava e gritava também, batendo palmas, esperneando e esbracejando, como se executasse uma estranha dança ritual, como se tudo aquilo fizesse parte de uma celebração pagã cujos contornos mais particulares me escapavam completamente. Fiquei exausto só de assistir. Não repeti a experiência mas nunca mais esqueci as caras daqueles homens ao chegarem ao topo da Torre.

Nos dias que correm estes heróis confessam que tiveram de consumir drogas maradas para conseguirem realizar aqueles feitos extraordinários. Do primeiro ao último classificado imagino que todos eles tivessem necessidade de tomar algo que os levasse até ao fim. Um simples ser humano não tem capacidade de fazer aquilo. O ciclismo, em si, não me parece possível sem o recurso a drogas. Drogas potentes, ainda por cima.
Os maiores campeões eram, afinal, trapaceiros que consumiam substâncias proibidas para poderem ser assim, campeões. Uns após outros vêem os títulos serem-lhes retirados. Os que antes os aplaudiam olham-nos agora de soslaio. Apeados dos seus pedestais tornaram-se mortais comuns, perderam a aura divina. Será isto justo? Afinal de contas pedia-se-lhes que fossem sobrehumanos e eles foram-no. Sabe Deus a que preço.
A pressão para serem melhores, para baterem recordes, para brilharem nas televisões e nas revistas com fotos coloridas do seu esforço, levou-os a cometer actos meio loucos. Mas, a maior loucura, foi sempre a de se sentarem naquelas maquinetas e lançarem-se para a frente, numa corrida para super-homens.

quinta-feira, junho 07, 2007

Nostalgia

E pronto. Hoje estou submerso numa onda de nostalgia. Nem sei bem como vim aqui parar mas um hit como este é e será sempre um clássico, nada a fazer. As obras imortais imortais são.

Animatrix

Quem viu os 3 filmes de The Matrix terá decerto algum interesse nesta colectânea de 9 curtas metragens de animação. Estar agora a falar de Animatrix, tanto tempo depois de esgotada a emoção mediática do 3º filme da série The Matrix, pode parecer estranho. E é, certamente, mas a verdade é que só agora me lembrei de alugar o DVD (editado em 2003) no Clube de Vídeo (quando mudam o nome desses clubes para Clube de DVD?).
Ao procurar informação adicional sobre este objecto na NET encontrei a crítica que a seguir indico e que faz uma apreciação exaustiva do conteúdo de Animatrix, fruto do trabalho de uma verdadeira fã da série e profunda conhecedora da matéria em análise http://www.agalaxia.com.br/dvd/resenhas/animatrix.htm.
Resumindo: considero o 1º filme da série The Matrix um excelente filme. O 2º parece-me mediano a atirar para o fracote e o 3º é aquilo que normalmente se designa por um "pastelão". Seria complicado aos realizadores/produtores manterem o nível alcançado no 1º "episódio". A necessidade de desenrolar a acção numa história coerente criou "obrigações" narrativas complexas e nem sempre bem "desatadas". No entanto, a excelência dos efeitos especiais aliada a um tema interessante, fizeram da triologia The Matrix um dos chamados "filmes de culto" das novas gerações, com justiça. A ver e recordar com o complemento deste Animatrix. Uma forma interessante de "matar" algum tempo que por aí ande moribundo.

Trailer de Animatrix em http://www.youtube.com/watch?v=LPlHQTgh09Q.
No Youtube encontram-se todos os episódios deste DVD.

quarta-feira, junho 06, 2007

Homo Economicus


Que raio de coisa andamos nós a fazer quando permitimos que as disciplinas das chamadas “humanidades” sejam cada vez menos importantes na definição dos currículos escolares dos nossos filhos, sobrinhos, primos e netos? A Filosofia, a Literatura, a História, começam a ser olhadas como empecilhos ao bom desempenho dos alunos noutras áreas consideradas mais de acordo com as exigências da contemporaneidade. As Ciências, com a Matemática à cabeça, sim, são aprendizagens essenciais. O resto é poesia, futilidades desnecessárias que não geram riqueza palpável nem põem comida na mesa das famílias. Quantos analfabetos self-made-men estão aí, aos olhos de todos, para provarem a desnecessidade de conhecimento se o objectivo for enriquecer? Não aprenderam a ler mas foram suficientemente espertos para hoje andarem a passear de Ferrari. Nunca entraram num museu mas isso não lhes fez falta para hoje morarem numa mansão com piscina, 23 quartos-de-banho e dois courts de ténis. Sem contar as criadas com farda, como aquelas dos filmes e das novelas, nem os guarda-costas de óculos escuros e fato-de-treino a fazerem jogging nas traseiras do patrão.
Para um mundo onde a Economia é Deus são necessários sacerdotes que conheçam a linguagem fria dos números, peritos na teologia do Orçamento Geral do Estado, respeitadores dos mandamentos do Banco Central Europeu. Ética e Estética não interessam nem ao Menino Jesus. Pronto, talvez interessem ao Menino Jesus, mas a mais ninguém! Pelo menos não interessam, decerto, às pessoas que realmente contam, as pessoas que mandam mais as que tomam decisões importantes como por exemplo: a qual das facções envolvidas num conflito armado devemos nós vender armas se não conseguirmos vendê-las a ambas? Ou: se despedir 500 trabalhadores for o suficiente para aumentar os lucros da empresa em 0,001% não há que hesitar, os interesses dos accionistas estão sempre em primeiro lugar. Os trabalhadores não sendo accionistas… estas coisas não se aprendem a estudar Literatura e, muito menos, a esfregar o cérebro com problemas típicos da Filosofia!!! Seres humanos hesitariam demasiado na tomada destas e outras decisões absolutamente necessárias para um saudável crescimento e desenvolvimento da Economia de Mercado. Precisamos de desumanizar o ensino de forma a criarmos os líderes de amanhã bem como os respectivos escravos, todos eles necessários ao sucesso da Nação e à sobrevivência da raça.
De tanto olharmos o Sol acabamos cegos. De tanto valorizarmos o dinheiro e as formas mais canhestras de o procurar, acabamos tesos como carapaus. Mas se é esta a vontade de Deus quem somos nós para a pôr em causa?Amen.

Sfar


Há coisas assim. Coisas quase inexplicavelmente fascinantes. Joann Sfar é um autor de BD absolutamente desconcertante. Em português li uma história numa revista qualquer, não me lembro bem em qual. A curiosidade levou-me a procurar mais histórias deste autor e fui adquirindo álbuns do "Petit Vampire". Espectacular!
Agora tenho algumas edições francesas de Sfar e, recentemente, comprei Vampire Loves, em inglês. O traço inventivo, os argumentos desarmantes, os climas misteriosamente belos das histórias de Sfar são viciantes. Um autor a descobrir constantemente. Para quem conhece tanto como para quem vai conhecer ainda.

O site "Le Petit Monde de Joann Sfar" http://www.pastis.org/joann/ é também um mundo repleto de recantos inquietantes, o deslumbramento em cada esquina. Aí pode-se ter uma ideia da extraordinária capacidade produtiva de Sfar. Não sou propriamente um fã. Não sei nada de relevante sobre a vida ou a obra de Sfar. Sou apenas um admirador ocasional do seu trabalho.

Absolutamente recomendável. Banda desenhada da melhor qualidade.

segunda-feira, junho 04, 2007

Aprendizes de feiticeiro

Vladimir Putin anda com cara de poucos amigos. Na verdade, pensando bem, essa é a sua cara habitual se calhar porque tem mesmo poucos amigos. Nos últimos dias retomou um discurso velho que esteve enterrado durante alguns, tenros, anos mas que agora ressuscita com inesperado vigor. Um discurso agressivo e belicista, ameaçador e dirigido aos vizinhos europeus.
É certo que o regime russo pós-soviético nunca se caracterizou por respeitar os direitos humanos ou mesmo o regime democrático, tal como é promovido no espaço da União Europeia. A guerra permanente na Tchetchénia ou as pressões contínuas sobre os países que formaram o antigo império comunista, a violência exercida pelo estado russo sobre os opositores políticos, a forma como a Rússia encara o seu próprio papel no mundo actual, são sinais contínuos que provocam inquietação do "lado de cá".
Quando Putin vem agora ameaçar a Europa com a possibilidade de voltar a apontar mísseis a alvos no espaço da União como resposta à intenção dos Estados Unidos virem a montar o seu célebre escudo anti-míssil em solo "aliado" marca o regresso da velhota Guerra Fria, uma senhora que já estava esquecida e regressa do túmulo, qual múmia animada por artes de magia negra. Ou Putin está a fazer bluff ou a brincar com o fogo, fiando-se na nossa tradicional moleza e incapacidade para tomar decisões militares de força. Do mesmo modo, os americanos que afirmam pretender defender a Europa de possíveis ataques lançados a partir dos "estados párias", Coreia do Sul e Irão que constituem o celebérrimo "Eixo do Mal", ignorando as dores de cabeça que tal intenção provoca no actual Czar, estão também a atirar umas quantas achas prá fogueira. O urso rosna e afia as garras.
Será necessário colocar o discurso a este nível? É de todo inevitável voltar a agitar estes fantasmas sobre as cabeças das democracias capitalistas da União? Não haverá um espaço de debate e diálogo onde as coisas possam passar-se de um modo um pouco mais... civilizado?
Talvez fosse hora de organizar um novo encontro entre Bush e Putin em que vestissem outra vez os fatinhos de feiticeiro e assistissem lado a lado à projecção do filme de Walt Disney, Fantasia. Podiam vê-lo todo, se tivessem tempo e capacidade de concentração suficiente, mas, muito particularmente, deveriam ver com atenção aquela parte em que o Rato Mickey (um dos heróis de Bush, só pode!) se arma em feiticeiro e a coisa acaba a dar para o torto quando as vassouras lhe fogem do controlo e quase destroem o castelo onde ele se encontra. Dramático!
No escurinho do cinema, Putin e Bush, pipocas, coca-cola e vodka e talvez a paz pudesse ganhar alguns pontos ao desvario militarista destes gajos.
Mostrem-lhes uns bons filmes infantis, caraças, é o que lhes está a faltar; uma infância mais ou menos feliz e informada. Talvez ainda vá a tempo.

Imagem alucinante

Neste sítio http://haltadefinizione.deagostini.it/ pode-se encontrar uma alucinante visão de um fresco da Renascença italiana. A possibilidade de ampliação da imagem permite ao observador compreender melhor alguns "truques" da pintura mostrando até que ponto a reprodução fotográfica através da qual contactamos as obras pode induzir-nos em certos e determinados erros de apreciação.

domingo, junho 03, 2007

Alternativas?

Quem não leu a edição de hoje do Público está a perder dois artigos bem interessantes, impressos na mesma página que pode encontrar aqui: http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=%2Fmain%2Easp%3Fdt%3D20070603%26page%3D20%26c%3DA
São dois artigos sobre temas diferentes mas que abrem perspectivas sobre a possibilidade não estarmos todos a olhar no mesmo sentido, só porque temos nos olhos as palas que nos são impostas pelo nosso modo de vida.
O artigo sobre Kristin Halvorsen (na imagem) mostra que a Economia não precisa de ser sempre encarada como uma enorme e impiedosa piranha insaciável. Há alternativas.
Na recensão de Diana Soller sobre o livro "The Shia Revival..." de um tal Vali Nasr reflectindo a realidade religiosa do Islão podemos perceber um pouco melhor as diferenças entre Xiitas e Sunitas e como estamos profundamente equivocados quando imaginamos que são uma só e a mesma coisa. Se começarmos por distinguir aquilo que é possível distinguir talvez possamos ver melhor quando olharmos para lá de um palmo à frente do nosso belo nariz.

O Grande Não-Há-de-Ser-Nada


Afinal era tudo uma espécie de mentira! O Grande Dador não passava de uma estranha e pouco usual manobra mediática para atrair as atenções na direcção dos problemas provocados pela escassez de doações de órgãos para transplante que afligem doentes e médicos, por essa Europa fora e, imagino, no resto do mundo onde se tentam resolver certos problemas recorrendo mais à medicina do que à magia tradicional.

Pessoalmente confesso-me surpreendido. Acreditei que tudo aquilo era verdade e que havia produtores de TV suficientemente macacos para apostarem num programa tão selvagem. Mas não. É tudo boa gente e a Holanda recupera um pouco do brilho que esmorecia nos nossos imaginários.

Pelos vistos não fui só eu a acreditar nesta "brincadeira" (a doente terminal era uma actriz contratada mas os doentes a precisarem do rim continuam a sê-lo, mesmo) e há por aí muito boa gente visivelmente irritada. Não sei se por se ter deixado enganar se por encontrar em tão esquisito método promocional traços de ilegalidade ou contorcionismo das boas normas de funcionamento da sociedade de consumo capitalista. Seja como for, toda a situação se enquadra num inopinado quadro legal. A ver vamos qual o desenlace de toda esta história que, apesar de tudo, me continua a parecer de bastante mau gosto. Mas, enfim, o mau gosto tornou-se um modo de vida e é produzido em quantidades industriais, todos os dias e nas mais variadas formas.

Não há-de ser nada.

sexta-feira, junho 01, 2007

Eco de Guerra (Junqueiro)

Recebi este texto em mensagem de e-mail enviada pela Guilhermina Silva que trasncrevo na íntegra. Simplesmente brilhante sob todos os aspectos. A elegância rude do estilo e o eco intemporal do raciocínio de Guerra Junqueiro chegam até nós com uma limpidez inquietante.
Simplesmente brilhante!

Apesar de escrito em 1896 este texto de Guerra Junqueiro não perde actualidade ao caracterizar a sociedade portuguesa.

Leiam e vejam se não é verdade:


"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis.

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este,finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. [.] A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos [.] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, [.] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

Guerra Junqueiro, "Pátria", 1896.

Breve Biografia de Guerra Junqueiro

Abílio Manuel de Guerra Junqueiro nasceu em 1850 em Freixo-de-Espada-à-Cinta (Trás-os-Montes), frequentou a faculdade de Teologia entre 1866 e 1868, que abandonou para se formar em Direito, em Coimbra (1868-1873). Foi Secretário-Geral dos Governos-Úteis de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo. Mais tarde, foi deputado do partido progressista, aderindo ao partido republicano após o ultimato Inglês (1890). Depois da implementação da República, foi ministro de Portugal em Berna (Suiça), entre 1911 e 1924.

Como escritor, estreou-se com duas páginas numa série de poemas ainda influenciados pelo Ultra-Romantismo. Posteriormente, veio a ser o “poeta panfletário” mais popular da sua época, visto estar ligado ao grupo dos "Vencidos da Vida" (formado por Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Antero de Quental, entre outros). Guerra Junqueiro é caracterizado pelas sátiras violentas, quer ao clero (A Velhice do Padre Eterno), quer à dinastia de Bragança (Finis Patrea). É ainda conhecido pelo seu extraordinário sentido de caricatura. A vida rural inspirou-lhe Os Simples (obra que lhe deu maior sucesso), uma poesia que invoca a sua infância com recordações calmas e consoladoras.