domingo, outubro 29, 2006

4 Notas

Nota 1- Como é possível dar-se tempo de antena a gajos como Filipe Vieira, José Veiga ou Pinto da Costa? Ainda por cima deixam-nos ouvir frases inteiras saídas das beiças destes seres vivos, repletas de erros a todos os níveis, desde os mais implacáveis pontapés na gramática até às "inverdades" mais descaradas ditas umas a seguir às outras. E ali estão eles, alimentando polémicas ridículas, de uma baixeza invulgar.

Nota 2- Os gajos do Gato Fedorento cada bez estão mais espectaculares! As rábulas da nova camapanha mediática daquela cena dos telfones ultrapassa tudo o que pudessemos estar à espera. Mais que muito bom! Chega quase a ser inteligente.
A boa notícia é que está prestes a começar o novo porgama destes admiráveis saloios disfarçados de "vá-se lá saber". Gravado ao vivo e transmitido em horário fidalgo aos domingos na RTP1, com o Professor Martelo a aquecer os espíritos mais santos... estará algo a mudar no panorama cerebral dos pertugueses? COMEÇA HOJE!!!

Nota 3- Dada 2.0 o robot iconoclasta
ver video no Youtube DADA 2.0 é o mais recente robot de Leonel Moura. Tem a forma de um enorme pingo preto, com cerca de 4 metros de altura, na base do qual se encontra um braço robótico armado com um martelo e que se dedica a destruir tudo o que seja posto ao seu alcance.
Site:
http://www.leonelmoura.com

Leonel Moura continua a tentar fazer com que os robots se pareçam mais com seres humanos. Depois de mostrar como um ser artificial pode criar obras de arte experimenta aqui as suas capacidades destrutivas. O resultado não é brilhante, a destruição é causada mais pela força da gravidade que pela capacidade demolidora do Dada 2.0 (apesar da imponência da sua envergadura invulgar). Fica a intenção mas, convenhamos, os militares por esse mundo fora dispõem de robots bem mais destrutivos que este simpático Dada.

Nota 4- A equipa do Ministério da Educação entrou em parafuso total. O que tem vindo a público a propósito da negociação do Estatuto da Carreira Docente entre aquela verdadeira associação de malfeitores e a plataforma dos sindicatos de professores é matéria para argumento de filme tipo American Pie, para adolescentes alarves.
Eles andam para a frente, para trás, para os lados, andam em todos os sentidos, mas o que fica é uma imagem de total falta de conhecimento deste bazarocos relativamente a matérias básicas que deveriam dominar. Uma lástima.

sexta-feira, outubro 27, 2006

E depois?


Se este país não vive uma luta de classes então que raio de merda é esta?
Quem é que se vê nas ruas a manifestar-se? Não me parece que sejam os industriais ou os empresários, esses reunem-se em hotéis ou em salas todas catitas para dizerem de sua justiça. Outro estilo, outros lugares.
Quem é que é espremido pela cobrança de impostos? Cá pra mim são os trabalhadores por conta de outrém.
Quando é preciso resolver as coisas na justiça safa-se quem paga os melhores advogados. A mesma luta noutro recinto, as mesmas hipóteses desiquilibradas de vitória.
E por aí fora.
No dia das eleições todos votamos mas nem todos contribuímos para as campanhas eleitorais dos partidos políticos. Por isso, mesmo aí, entre os que ganham há sempre uns que ganham mais que os outros.
Eu sei que a Democracia, mesmo sendo a choldra que é, é o melhor dos sistemas políticos. Mas não nos venham com a treta de que somos todos iguais perante o Estado e perante a Lei porque isso é mentira.
A verdade é que temos esse direito mas não conseguimos usufruir dele com um mínimo de qualidade. É lixado. No entanto, se não nos metermos em merdas, podemos viver bem sossegados. É uma via, uma possibilidade de existência.
Mesmo assim espero que a Democracia consiga vingar durante mais umas décadas, um século mais, qualquer coisa do género.
Mas não sei se isso vai ser possível nem tenho paciência para ficar à espera de ver!

quarta-feira, outubro 25, 2006

Tanga da grossa


Na quarta e última versão da proposta de revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD), apresentada hoje aos sindicatos, a tutela prevê a alteração dos critérios propostos para a avaliação de desempenho, considerando que a apreciação dos pais só será tida em conta com a concordância do professor.

Desde o primeiro dia em que ouvi falar desta ideia peregrina de pôr os pais a avaliar o desempenho dos professores que me pareceu tratar-se de tanga da grossa. Sempre fui de opinião que se tratava de uma falsa proposta, lançada para a mesa apenas para gerar confusão e, na devida altura, ser deixada caír. Assim o Ministério dá a sensação de estar a ceder, os sindicatos dão a imagem de estarem a ganhar qualquer coisa. Táctica velha de inventar um acessório farfalhudo para esconder o essencial. No essencial não haverá cedências.

Como o objectivo desta proposta de alteração ao estatuto da carreira docente é exclusivamente economicista, o Ministério está-se bem a borrifar para a avaliação dos pais ou das mães ou de quem quer que seja. Esse foi o acessório imbecil inventado para fazer cortina de fumo. Nas quotas para professores titulares ninguém toca já que esse é o aspecto essencial, aquilo que fica quando o fumo se dissipar.

"Se as organizações sindicais persistirem em manter um clima de conflitualidade e continuarem a programar acções de luta como as das últimas semanas, não haverá possibilidade de desenvolver esse trabalho", afirmou o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, em conferência de imprensa.

Aqui fica bem expressa a mentalidade democrática deste cromo e o seu talento negocial. O conhecimento que revela sobre as questões relacionadas com o funcionamento das escolas e respectiva organização permitem-lhe apenas balbuciar banalidades e meter os pés pelas mãos de forma confrangedora. Não admira que, dada a ignorância que normalmente exibe nos debates em que participa, o Senhor Pedreira anseie evitar a discussão. O perfil que apresenta está mais de acordo com uma atitude absolutista semi-iluminada do que com um governante de um executivo democrático.

Quando vejo este retrato animado a aparecer na TV penso de imediato "Lá vem tanga!"... da grossa.

terça-feira, outubro 24, 2006

Reflexo

Como que para provar que há sempre um outro lado, O Inimigo Público resolveu promover, em parceria com O Eixo do Mal, a eleição do Pior Português de Sempre. A coisa teria mais piada se não respondesse à alarvidade da RTP ao pretender eleger "democráticamente" o Maior Português de Sempre, como se um povo que não foi capaz de tomar uma posição que se visse num referendo sobre o aborto pudesse eleger o que que que fosse com um mínimo de credibilidade.

Para quem não passou os olhos no Inimigo do passado Sábado um saltinho a http://piorportugues.blogspot.com/ permite tomar contacto com as personalidades propostas para as listas de candidatos.

Há duas modalidades: "Que político mais contribuiu para a ruína do nosso País?" e "Quem melhor encarna as piores qualidades do povo português?". Os visitantes deste sítio podem ainda propor nomes que venham a engrossar as listas justificando com brevidade as razões da sua opção.

Na 1ª modalidade ficamos a saber que D. João V é candidato nomeado para a secção dos políticos por ter sido "O Rei Sol de pacotilha que estoirou todo o ouro do Brasil em talhas douradas e querubins de mármore." e que Egas Moniz "Representa a capacidade tão nacional de realizar feitos absolutamente inúteis. No seu caso, inventou a lobotomia, ajudando a reverter milhares de cidadãos estrangeiros ao estado mental dos portugueses. Como no caso de José Saramago, a recompensa por uma vida de asneiras foi o prémio Nobel." estando, na minha opinião, bem colocado à partida para vir a conquistar o título de retrato mais fiel das piores qualidades do povo português. Estou a pensar votar nele mas confesso que ainda não consultei exaustivamente a lista de candidatos pelo que será prematuro fazer uma declaração de voto.

Já na votação da RTP não vejo interesse em participar uma vez que, ao que parece, a coisa é levada meio a sério.

segunda-feira, outubro 23, 2006

O punho e a rosa

Ainda me lembro quando o símbolo do Partido Socialista era um punho. Só um punho esquerdo em fundo vermelho. Digamos que, em termos simbólicos, a coisa não poderia ser mais evidente! O Partido era vermelho, cor primária e bem definida, nada de misturas ou ambiguidades.
Mas um dia chegou a rosa.

Tanto quanto me lembro ainda houve campanhas em que o símbolo do PS português copiou o do espanhol, com o punho caído a segurar a flor, como se fosse uma jarrinha de louça. Foi Guterres quem trouxe essa simbologia? Não me recordo. O que fica na retina é a tentativa de adocicar a coisa. Mesmo a cor de fundo passou a rosa, mistura de vermelho e branco, a confundir os espíritos pela indefinição.

O PS passou a fazer papel de cordeirinho que rosna (ou de lobinho que bale, depende da facção) e, nos tempos que correm, é o que se vê. O símbolo que ilustra este post mostra como andam as modas. O Partido Socialista é o do punho. O da rosa é o PS. Os dois juntos são a coisa que nos governa. Nem merda nem penico, nem cú nem peido, antes o que vai sendo necessário para manter as rédeas do poder apertadas e o freio nos dentes em correria louca em direcção a... não se sabe onde nem o quê.

As medidas mais recentes em nome do Orçamento de Estado para 2007 vêm mostrar que o Partido Socialista/PS se dedica a apertar os tomates às classes menos favorecidas. Nos noticiários da SIC já começam a comparar as afirmações de Sócrates quando era líder da oposição com as de Sócrates 1º ministro evidenciando as reviravoltas no discurso.

Foram até desenterrar Santana Lopes e mostram como o homem era, afinal, bem intencionado e que Sócrates está agora a copiar ideias que anteriormente declarava serem hediondas, revelando uma falta de integridade digna de um banqueiro.

Tempos difíceis para o Partido Socialista/PS. O PPD/PSD e o CDS/PP (repare-se como estes partidos têm todos nome próprio e apelido) contra atacam alegremente e com fé na Nossa Senhora de Fátima. Pinto Balsemão parece ter decidido iniciar a Contra Reforma já hoje. Terá isto algo a ver com o referendo do aborto que se avizinha? Quererão os inimigos do ministro com nome de filósofo grego aproveitar a campanha desse referendo para tentarem agitar a podridão de consciência de largas franjas do bom povo português?

Aguardam-se os próximos episódios.

domingo, outubro 22, 2006

Little Miss Sunshine

Não interessa de onde vens nem para onde vais, o que interessa é o que te acontece no caminho.

Mais um caso de título impossível. Little Miss Sunshine no original dá, em português, "Uma família à beira de um ataque de nervos". Admito que não desse para fazer uma tradução literal. Miss Little Sunshine é, tanto quanto percebi, a designação de um concurso de beleza infantil, daqueles que são promovidos nos States o que por aquelas bandas terá outro impacto nos espectadores. Mas colar o título deste filme a uma expressão que se vulgarizou entre nós graças a um outro, de Pedro Almodóvar, é, no mínimo, lamentável até porque os filmes não têm nada comum.

Este Miss Little Sunshine vê-se com interesse do primeiro ao último plano. É um daqueles filmes americanos que nem parecem sê-lo (estou a lembrar-me do recente "A lula e a baleia", um título decente e literal). Poucos meios de produção, um conjunto de actores perfeito para os papéis, um argumento bem recortado e uma realização esmerada, onde mesmo os planos mais inocentes parecem ter sido estudados com a minúcia de uma pintura neoclássica. A montagem refina a qualidade potencial das filmagens e o resultado, apesar de um ou outro momento mais redundante, acaba por ser mais do que satisfatório.

O tema da viagem, tão recorrente desde, pelo menos,a Odisseia(:-), é mais uma vez revisitado. Não será aquilo que se chama ou road-movie (tanto quanto me parece) mas a ideia de que as viagens nos modificam, que interessa mais aquilo que nos acontece entre o ponto de partida e o de chegada mais do que outra coisa qualquer, fica claramente expressa na redenção final das personagens sobreviventes.

Para o espectador europeu fica também aquele travozinho adocicado de compreender que uma certa visão dos EUA e dos seus habitantes não é sinónimo de anti-americanismo primário mas apenas uma visão possível, colocando o cérebro numa determinada perspectiva. As cenas finais, rodadas durante o tal concurso, são bem significativas.

Um filme a ver sem sombra para qualquer dúvida.

sábado, outubro 21, 2006

É a pintura artesanato?

http://www.sfmoma.org/images/ma/exhib_detail/bill_viola3.jpg

Estará a pintura a reduzir-se? A princesinha das belas-artes (não há que temer o kitsch, já não faz sentido, ahahahah) estará a ser traída pelos seus próprios guardiões? Nos dias que correm o vídeo tem vindo a chegar o rabiosque ao trono e já há quem lhe preste vassalagem com maior devoção que à pintura. Ai, ai, atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir. Então que venham!

Lá vai o tempo da escultura. Os grandes escultores clássicos, gregos, renascentistas, o imortal Bernini (http://www.artchive.com/artchive/B/bernini.html) talvez o maior de todos os tempos, foram postos a um canto pela versatilidade dos pintores do século XIX/XX que puseram a sua arte no centro da reflexão estética. Pensar a arte era fazer pintura. A escultura parecia coisa demasiado pesada, demasiado objectual para poder ilustrar conceitos puros acerca da arte. Bons tempos para os artistas pintores. Mesmo o grande Duchamp se dividiu entre pensar, pintar, fazer, inventar um novo sentido para a criação artística. Ah, o Grande Vidro (http://www.beatmuseum.org/duchamp/bride.html)! O espaço envolvente sugado pelo objecto plástico, a revolução total no ser artista, fazer arte a partir do nada. Caramba, deve ter sido demais!

Reinventar uma linguagem milenar, criar novas fronteiras no espaço sideral do pensamento humano, os pintores incharam como o sapo que fuma, convencidos que na pintura estava tudo o que poderia interessar ao discurso estético, como se a pintura fosse "a" arte (a tal princesinha). E, tal como o sapo, PUM! Rebentaram (rebentámos) deixando um jacto de fumo que estabiliza em nuvem passageira e começa já a sturar-se na paisagem.

Depois da composição "Branco sobre Branco" de Malevitch (http://www.a-r-t-asso.org/ully/malevitch_blanc/presentation.htm) não restou mais nada para inventar. A pintura tornou-se um infindável processo de citação. As pinturas mais agressivas que já vi em dias de vida foram deste russo maluco numa exposição intitulada Malevitch e o Cinema, no CCB, que visitei com o Fernando Ribeiro já nem sei quando.

É estranho como a pintura à medida que vai anulando o objecto da sua superfície gera mais e mais ideias, palavras, textos e reflexão. Quanto menos referências ao mundo circundante mais falatório, maior necessidade de dizer aquilo que não está lá e que, em boa verdade, a maioria dos mortais não vê se ninguém lhe contar a história daquilo que vê e deve pensar. A pintura é então substituída pela crítica e morre um pouco. Deixa de ser o que é suposto ser para se transformar em reflexão pura, conceito.

Já Cézanne (http://www.expo-cezanne.com/2.cfm) advogava a ideia de que o pintor deveria evitar a literatura no seu trabalho para se dedicar a uma arte baseada nos elementos básicos da linguagem visual. Sinceramente, as pinturas deste mestre parecem-me sempre demasiado presas e pouco estimulantes. O seu valor é, a meu ver e tal como Malevitch, mais conceptual do que objectual. Qualquer obra de Ingres é bem mais espectacular!

Resumindo: de tanto reflectir sobre si própria, a pintura acabou por sugerir um certo esgotamento vendo-se, nos dias que correm, ultrapassada pelo vídeo nas preferências dos novos artistas. Pintar é quase como fazer artesanato. É um trabalho sujo, difícil, um trabalho que exige demasiado do artista. Num tempo em que tudo tende a ser normalizado, embalado e pronto a consumir, o tempo de aprendizagem e de realização exigido pelas técnicas pictóricas parece, cada vez mais, um arcaísmo. O tempo, agora, é muito mais rápido.

A vida não está fácil para a pintura que se chega ao campo do artesanato por oposição às novas tecnologias da imagem luminosa e em movimento.
Será tanto assim, ou estarei a exagerar?

quinta-feira, outubro 19, 2006

Tomar partido

O referendo sobre o aborto está decidido. Agora não há que ficar à espera, há que tomar partido. O referendo anterior foi uma autêntica vergonha pelo número inacreditável de eleitores que enfiaram a cabeça num balde de merda e preferiram fingir que o dia da votação não era mais que um carnaval de avestruzes. Desta vez será o dia da grande decisão. Todos os votos contam, não podemos voltar a ficar reféns de uma minoria transformada em maioria pela abstenção.
Os fingidos que militam nos movimentos "pró-vida" sabem bem que as suas mulheres não têm problemas e dispensam a despenalização já que, quem tem dinheiro, vai a uma clínica espanhola e pronto. Eles que continuem com a cabeça enfiada na merda. Nós temos necessidade de respirar outra vez ou então é como se estivessemos a forrar o interior do balde.
Que nenhum voto se perca!

http://www.kameraphoto.com/ um salto a este lugar para ver uma reportagem fotográfica a propósito de João Carvalho Pina em "Últimas" e, já agora, ver outros trabalhos de fotografia. Destaco as de Céu Guarda por uma questão de amizade longínqua.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Tempos difíceis


A ocupação do Rivoli e a análise da fatiazinha do Orçamento de Estado para 2007 destinada ao Ministério da Cultura mostram como o problema já não se reduz à proverbial saloiice dos dirigentes do PSD no que diz respeito à política cultural. A coisa propaga-se como nódoa de azeite em camisinha de veludo.

O ex-vereador da cultura da CM do Porto disse, após se ter afastado do cargo, que Rui Rio confunde cultura com lazer. Se fosse só ele estaríamos nós menos mal mas o problema vai mais fundo, até às entranhas da geração que actualmente desempenha os cargos de poder no nosso país.
Educados na penumbra fedorenta do salazarismo, os nossos governantes continuam a emprenhar pelos olhos com uma facilidade apenas comparável à alegria que os inunda sempre que inauguram um novo centro comercial, maior que o anterior e normalmente o maior da Europa. Aos fins de semana as famílias vão passear-se nesses edifícios grandiosos admirando as montras e os bens de consumo, como se estivessem num museu, numa qualquer catedral de cultura, enriquecendo deste modo o seu espírito, moldando assim a sua visão do mundo circundante.
Muito se tem falado nos últimos tempos do endividamento das famílias portuguesas. Com os seus hábitos "culturais" não é de admirar que isso aconteça. Tantos fins de semana a cobiçar as obras de arte expostas nas montras da Zara e da Singer enquanto ruminam um Big Mac e respectiva Coca-Cola só pode dar exactamente naquilo que dá.
Outro problema é que, além da atávica falta de hábitos culturais, somos um povo falido. Quem não tem dinheiro não tem vícios, não há papel, não há palhaços e por aí fora. Se a maioria dos portuugeses mal tem dinheiro para comer como haverá de comprar livros, assitir a espectáculos de teatro, concertos, etc. Como irá pagar a entrada nos museus (sim, porque museus à borla só aos Domingos e até às 2 da tarde que depois do cozido já não há mais pão pra malucos!) ou, muito simplesmente, comprar um jornal diário?
Sobra a TV e pouco mais. O êxito das novelas é tal que, penso, revela bem a avidez cultural de um povo semi analfabeto. O povo gosta de rir e de grandes estrondos que lhe façam saltar a tampa de espanto. Gosta de festa e de excesso não está cá para se perder em discussões bizantinas sobre a questão da luz na pintura impressionista ou a representação do poder na arquitectura do Estado Novo.
A arte é e sempre foi elitista porque os pobres não têm nem tempo nem dinheiro para investir nela. São os ricos quem investe nas formas artísticas logo é natural que elas representem preferencialmente um universo de elites. Sejam essas elites culturais ou financeiras, a história da arte revela-nos a realidade com uma nitidez impressionante. Entramos num ciclo vicioso ao qual não se adivinha porta de saída.
Os ocupantes do Rivoli são uma face emotiva da sensação de que as coisas estão a piorar no campo da cultura. São a expressão de um sintoma que se acentua com um governo socialista ao contrário do que foi prometido e do que seria de esperar. Mas a Economia é a nova expressão artística dominante e o seu discurso não se compadece com sensibilidade estética e, muito menos, com ética.

terça-feira, outubro 17, 2006

(...)


Saio de casa à hora do lobisomem. Agradeço à lua não estar ainda cheia. No carro evito o espelho por receio. Até as caixas de cartão me parecem cadáveres de objectos consumidos.
Dou por mim a imaginar o futuro tal como me lembro de tê-lo imaginado para a data presente e é tudo tão parecido!
Espero estar acordado amanhã.

domingo, outubro 15, 2006

Degradação da espécie


Para quem pensasse que programas como Big Brother ou A Quinta das Celebridades tinham mostrado até que ponto a televisão pode ser um veículo para as manifestações mais degradantes do significado de "ser humano" existe um novo programa que vem provar que o fundo do poço ainda não foi atingido e podemos esperar cada vez pior sempre que for necessário aumentar as audiências.
Eu sei que há coisas como Fiel ou Infiel, as Escolhas do Professor Marcelo, Dança Comigo ou o Telejornal da TVI, mas este Canta Por Mim bate tudo aos pontos. A exploração da miséria alheia com fins comerciais é descarada, as vedetas convidadas fazem um papel miserável (até que ponto não serão obrigadas a alinhar, mesmo a contragosto, por exigências contratuais?). Em comum com os programas citados em 1º lugar neste post, Canta Por Mim tem a apresentadora, essa espécie de cromo impossível na colecção dos tipos humanos que dá pelo nome de Júlia Pinheiro.
Além de feia (facto de que não pode ser responsabilizada) esta coisa com pernas tem um mau gosto aflitivo (culpa da produção?) e denota uma falta de escrúpulos ao nível de um Al Capone (isso já é culpa dela ou de quem a tenha educado). É incoveniente, malcriada e, acima de tudo, tem uma inesgotável capacidade de explorar a miséria alheia que deveria valer internamento compulsivo numa instituição de requalificação social.
Palavras que escreva nunca poderão fazer justiça à baixeza do Canta por Mim. Acima fica o link para que os mais corajosos se atrevam a espreitar o nível da coisa. Fica, no entanto, u aviso: tenham medo... tenham muito medo!

sábado, outubro 14, 2006

Desenhar


Desenhos em progresso. Canto superior esquerdo Afastar a Morte; ao centro Hapyness; à direita uma coisa qualquer que, apesar de ser algo ainda não é nada!

Gostava de recuperar o power que tive em tempos e desenhar outra vez como se respirasse ou falasse com a vizinha do lado sobre o estado do tempo. Mas essas maravilhas criativas guarda-as a juventude e a alegria da ignorância.
Recordo com dificuldade noites inteiras a exercitar o pincel e a tinta-da-China, horas e horas a fio, dezenas de desenhos a sairem, sabe deus de onde, como uma manifestação de protesto a subir as avenidas, gritando palavras de ordem que eram manchas e conversas inflamadas que eram linhas ou coisa que o valha.
Nos dias que correm o processo é bem mais complicado e já não me basta o pincel e a tinta. Preciso de cola e recortes e guache e acrílico e esferográfica e uma espécie de esforço para deixar de ser quem sou e voltar a ser quem fui o que significa que quem desenha, cola e suspira é uma coisa meio estranha perdida algures no tempo e no espaço que, no entanto, continuo a ser eu, só que não sou bem eu.
A vantagem actual é continuar a desenhar pelo absoluto prazer de o fazer tal qual o fazia no passado.
A coisa complicou-se muito por culpa da História da Arte e dos macaquinhos que me vão alugando o sótão. Uma vez a inocência perdida não há forma de a recuperar e, em matéria de criação, não há nada que chegue ao mais puro instinto de uma adolescência tardia vivida na pasmaceira de uma cidade de província de súbito assassinada pela capital do Império e mais a sua excelentíssima Escola de Belas -Artes. Foi aí que aprendi a fingir que sou modesto e onde conheci algumas das melhores pessoas que até hoje me foi permitido conhecer.
A maturidade traz consigo a consciência do Ser o que complica (e de que maneira!) o processo criativo.
É então tempo de compensar o instinto que adormece com a técnica que se desenvolve e cresce como um polvo vivo. O resultado... bom, isso na verdade interessa muito pouco. O mais significativo é continuar a desenhar.
Para afastar a Morte.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Negócios

a sigla desta associação americana acaba por ser eloquente...


Pretender uma actividade de criação artística totalmente independente do investimento do dinheiro público e, em simultâneo, esperar que se reconheça vontade de "proteger" as artes não passa pela cabeça do palhaço mais pintado.

Por partes:
O Estado cada vez mais se retira da cena de apoio à criação artística. Os célebres e controversos subsídios para criação e montagem de espectáculos teatrais são mais uma miragem que uma recordação, as bolsas para escritores volatilizaram-se, as aquisições de obras de arte contemporânea pelo Estado... não me parece que isso exista.

Ora bem, o que queriam os artistas? Batatinhas, não? Os artistas, se querem sê-lo, devem conseguir garantir a sua independência através do comércio dos resultados do seu trabalho. Não podem esperar que instituições do Estado estejam disponíveis para investir neles!

Este é um princípio agora sagrado. O neoconservadorismo (e não só) tem da arte uma perspectiva pouco empolgante. Como são conservadores não vêem razão nenhuma para que se façam investimentos na criação de objectos de arte inovadores. Ainda por cima a maior parte dos artistas não é lá muito conservador (ossos do ofício) daí que sejam uma espécie a extinguir suavemente, sem dar muito nas vistas. Alguns artistas têm o hábito incómodo de morder a mão que os alimenta, tal qual alguns cães raivosos e pouco dados a que lhes passem a mão pelo pêlo.

Restam então os mecenas e investidores privados, raríssimos coleccionadores, enfim, aves demasiado raras para que se possa imaginar um mercado ou uma rede de criadores minimamente funcional.

O caso do teatro é paradigmático. Os apoios do Ministério da Cultura seriam miseráveis e pouco claros na forma como eram apreciados pelo júri e distribuídos pelos candidatos mas permitiam um teatro menos convencional e mais variado na suas opções, estéticas ou
outras. O panorama teatral era bem mais variado do que o actual, apesar dos esforços notáveis de alguns criadores independentes para manterem o Teatro a um nível diferente de Morangos com Açúcar ou longe de uma Conversa da Treta.
Enfim... não me consta que Miguel Ângelo tenha pintado a Capela Sistina porque lhe deu na bolha e sei que Daumier ia morrendo de fome. A Arte não é um negócio como os outros, muitas vezes não chega sequer a ser um negócio mas os conservadores que ocupam o poder com o seu olhar economicista não vêem muito mais que um palmo à frente do nariz noutras matérias que exijam mais que uma máquina de calcular.
Se calhar até têm razão nos cortes orçamentais e a arte não serve para nada que (lhes) interesse. Mas ao menos podiam poupar-nos a personagens como Isabel Pires de Lima e outras tristezas.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Brincadeira?

criancinhas norte coreanas em brincadeira tradicional

"O Governo da Coreia do Norte afirma que a continuação da pressão por parte dos Estados Unidos será interpretada como uma declaração de guerra, que levará o país a tomar "uma série de contra-medidas" não especificadas. "

Retirado de Público on line

Nem sei se dá para levar a sério uma conversa deste género!
Este mundo está definitivamente entregue a palhaços maus e demasiado perigosos.

terça-feira, outubro 10, 2006

Futebol, cultura Pop


Cristiano Ronaldo como Super-Homem


Se há tema de conversa universal, do Iraque ao México, da China à Austrália, no campo, na cidade, na fábrica, na escola, na cama e na sanita, onde e quando quer que seja, tema ao alcance de milhões de cidadãos por esse mundo fora, é o futebol.

Toda a gente pode opinar sem precisar de fazer grandes investimentos nem estudos. O jogo, em si, é suficientemente simples. Toda a gente pode jogá-lo desde que tenha uma bola. Com a globalização o futebol tornou-se um verdadeiro fenómeno.

A mediatização trouxe também uma nova exposição dos jogadores mais habilidosos ao ponto de os transformar em verdadeiros ícones populares. As revistas de mexericos interessam-se por pormenores até aqui impensáveis relacionados com os hábitos e a vida quotidiana das personagens principais e a sobre-exposição do jogo, omnipresente nos écrãs de televisão, fazem da mais pequena banalidade motivo de notícia e de momentos fugazes acontecimentos históricos.

Uma coisa verdadeiramente estranha pela sua dimensão.
As telenovelas são fenómenos localizados, as fronteiras oferecem-lhes alguma resistência. Entre Hollywood e Bollywood há uma inultrapassável barreira cultural, as vedetas de uma não se misturam com as de outra. No campo das artes plásticas nem vale a pena falar. Mas o futebol... senhores!

Os ídolos do pontapé na chincha são pessoas comuns que saem do anonimato graças a uma espécie de dom maravilhoso e ascendem ao estrelato como que por magia. São fenómenos de uma cultura popular a nível planetário gerados de forma espontânea, reconhecidos em todo o mundo por ser tão fácil de compreender o que fazem e por despertar tantas paixões impossíveis.

O futebol é a materialização actual de uma verdadeira cultura Pop.

Estranha coisa, esta conversa.

domingo, outubro 08, 2006

Sem comentários

Young God, RSXX, acrílico sobre papel 2004

Jornal Público, hoje mesmo:

"Se só Deus é Deus, se não há nada no mundo que seja divino, parece que ficaria o campo liberto para as mil iniciativas e realizações da criatividade humana." (...) "Acontece que a tendência à sacralização de palavras, textos, gestos, leis, ritos e pessoas levou os próprios monoteístas pelos caminhos das religiões pagãs que pretendiam superar. Mas o pior de tudo foi a sacralização da violência, isto é, a violência exercida em nome de Deus. Chegou-se mesmo a fazer de Deus o "Senhor dos exércitos" e o patrocinador das guerras mais cruéis, presentes em algumas narrativas e orações bíblicas."

Frei Bento Domingues, Religião e violência, página 8

"Bispo de Leiria-Fátima vai convidar Papa a visitar o santuário
(...) O papa inauguraria desse modo, a nova Igreja da Santíssima Trindade, que se encontra em fase final de construção. Já quanto à canonização dos dois videntes, o bispo não tem certezas: "O processo de canonização ainda não está definido: a equipa médica da Congregação da Causa dos Santos [do Vaticano] está a analisar a solidez do milagre exigido para ver se tem condições de poder ser declarado milagre ou não.
(...) Mesmo se o milagre em que se baseou a beatificação da Jacinta e Francisco Marto (...) foi considerado pouco sério por algumas pessoas, o bispo diz confiar nas equipas médicas e teológicas da Congregação (...) actualmente presidida pelo cardeal português José Saraiva Martins.
(...) Quanto à nova igreja (...) o custo está, actualmente, em cerca de 45 milhões de euros (...)."
(...) O caos urbano de Fátima leva o bispo a lamentar a ausência de um plano director no crescimento da localidade. O Estado, diz [o bispo], deve agora "apoiar tudo o que possa tornar a cidade mais bela, acolhedora e funcional". E justifica: Fátima "é um centro de atracção de turismo como não há outro em Portugal, com 4 a 5 milhões de turistas por ano", com o que isso significa de "desenvolvimento social, económico, cultural do país".

António Marujo, página 24

Sem comentários.

sábado, outubro 07, 2006

Televisão

"Quem vê TV
Sofre mais que no WC"

Estes versos maravilhosos eram cantados por João Grande, vocalista dos Táxi (quem se recorda?) e estão bem como ilustração para o que se segue.

A SIC celebra 14 anos de existência com um desfile grotesco Avenida da Liberdade abaixo. Auto-intitulando-se como "a televisão do povo " e tendo em conta as personagens que ornamentam o desfile muito está dito mas pretendo apenas acrescentar qualquer coisinha.

Quando, há 14 anos atrás, surgiram as televisões privadas, um dos argumentos que mais entusiasmavam o pessoalinho era a miragem da diversidade. Habituados a uma RTP refém dos poderes políticos e outros de natureza menos evidente, os portugas viam com alguma ansiedade a possibilidade de terem ao seu dispor algo completamente diferente.

A coisa começou logo inquinada com a atribuição de um canal à igreja católica, mas o povão virava-se, principalmente, para a SIC já que da igreja não esperava nada que não tivesse já comido até ao vómito.

Passados 14 anos constatamos que não podia ter havido maior ilusão! Afinal a diversidade era um engano grosseiro já que as diferentes televisões adoptam uma estratégia de marcação cerrada. Se um canal transmite novelas ás 7 horas o outro responde com o mesmo tipo de produto e por aí fora até termos clones horrendos em constante actividade nos écrãs, 24 horas por dia.

Basta dar uma olhadela às programações no jornal. O chamado horário nobre, a parte do dia em que a população portuguesa pasta e rumina programas de televisão, os canais abertos passam mais ou menos o mesmo tipo de produtos. Concursos, novelas, telejornais, uns por cima dos outros, tudo a mesmíssima merda. A diversidade era uma mentira calculada.

Doses cavalares de publicidade, uma imbecilização despudorada, o elogio da boçalidade são aspectos característicos da oferta televisiva. Para um povo de brutos programas feitos à medida. À brutidão oferece-se embrutecimento e assim, num crescendo vulcânico, teremos um dia uma explosão tal de rasqueirice humana que o país ficará submerso em merda por séculos e séculos fazendo jus ao destino que traçou para si próprio desde o 1ª dia. É a felicidade prometida.

Poderia estar para aqui a bater no ceguinho o dia todo mas, como eu próprio faço parte do ceguinho fico-me por aqui. Estou a precisar de ir ali, ao quarto de banho.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Haja Fé!

Finalmente a confirmação: o muro vai ser levantado.
Apesar das dúvidas e dos problemas técnicos previsíveis, o muro na fronteira dos EUA com o México tem ordem para se erguer do nada.

Se juntarmos as novas regras aprovadas entre os EUA e a União Europeia relativas aos passageiros de futuros vôos daqui para lá, começamos a perceber que os americanos do norte se estão a fechar lá dentro. Cada vez é mais complicado entrar na terra da liberdade.
Por enquanto ainda é fácil sair.

O que poderá isto significar num futuro próximo?
Os pássaros são livres de se movimentar no interior da gaiola. Só que acabam por desaprender de voar e os saltitos que conseguem dar parecem-lhes o suficiente.

Haja Fé, Deus é grande.
Pelo menos parece.

quinta-feira, outubro 05, 2006

O muro


Escrevo esta carta por estranhar que a notícia do possível muro, na América, tenha caído em saco tão roto. Aqui há dias foi uma bomba! O senado norte-americano aprovara a construção de um muro na fronteira dos states com o México. No noticiário televisivo apareceu até um ministro mexicano a tentar mostrar toda a indignação que a tal proposta lhe causava, com cara de quem vê um pato-bravo a querer tapar-lhe o sol com um prédio clandestino. Tentava mas, pela expressão do seu rosto, não o conseguia por não haver palavras nem expressão facial suficientemente eloquentes numa situação como esta. “Grande bronca!”, pensei eu. Mas, afinal, desde esse dia… silêncio.
Talvez o muro não venha a existir. Espero bem. Talvez não passe de mais uma ideia neoconservadora sem pés nem cabeça como tantas outras que se vêm revelando à luz dos dias quando vão passando. Tudo isto parece tão ridículo! Mas já parecera ridícula a ideia de que alguém com dois dedos de testa pudesse imaginar os cidadãos de Bagdad aclamando o exército americano, sedentos de democracia e hambúrgueres, mas houve quem o imaginasse.
A hipótese de construir o tal muro diz muito do espírito global que anima o nosso mundo. Este mundo do “lado de cá” que também ganha expressão em Israel. Levámos uns anitos para nos decidirmos a derrubar o muro de Berlim. Ainda me lembro da festa que foi, caramba! Afinal passou tão pouco tempo e já voltamos a imitar os antigos imperadores chineses. Ou aprendemos pouca coisa ou, afinal, estávamos enganados e os muros são uma boa solução para certos problemas.
Como disse um dia Vítor Pereira, saudoso ex-árbitro do nosso futebol, muito antes de os apitos serem dourados, “Desde que vi um porco a andar de bicicleta já nada me espanta.” Será que ainda haveremos de dizer, “Desde que vi construir um muro na fronteira dos states com o México já nada me espanta.”?
Enquanto não chega a nova temporada circense podemos sempre imaginar qual o novo número que vão inventar para nos deixarem de queixo caído.


Carta ao Director do Público. Os dois últimos parágrafos foram, compreensivelmente, "cortados" na página do jornal. Continuo a não acertar o tom do meu sentido de humor.

terça-feira, outubro 03, 2006

Rau


Honoré Fragonard
Portrait of François-Henri, Duke of Harcourt, c. 1769

Finalmente fui ver a exposição da colecção de pintura do Dr. Rau, no Museu Nacional de Arte Antiga. Vale a pena, quanto mais não seja, ver Cranach, Reni, Gainsborough, Corot, e outros que tais, em Lisboa. Mas este Fragonard é, talvez, o quadro que mais me impressiona de todos os que lá dormem mais esta noite, aconchegados nas suas almofadinhas da História.

Este matreco era um pintor que não me fazia bulir nem um pouco o coração. Ele era Rocócó, ele aparecia sempre associado a uma pintura que mostra uma menina (ou senhora) a andar de baloiço no meio de um jardim, enfim, tudo coisas que, vistas assim nos livros de pintura ou de história da arte, fazem bocejar o mais desperto dos mortais cafeínados.

Ainda por cima, do alto da minha juventude, olhava estas reproduções com o desdém próprio de quem está habituado, sem o saber ainda, a emprenhar pelos olhos com a facilidade de uma galinha poedeira. Os temas de Fragonard dificilmente impressionariam um adolescente mais interessado em Philip K. Dick e nos Clash que na leitura das Viagens na Minha Terra ou de Folhas Caídas, conforme me obrigavam nos bons velhos tempos da escola secundária.

Tudo mudou quando vi, pela primeira vez na vida, no Louvre, uma pintura deste gajo. Não recordo exactamente qual, nem isso é relevante para o caso. Fiquei siderado perante o vigor incrível do trabalho de Fragonard, isso sim. Uma pincelada a rasgar o espaço da tela, uma agitação tal, uma energia tão extraordinária que percebi (mais uma vez) como o preconceito juvenil nos pode fazer corar de vergonha uns anitos mais tarde. Em silêncio e em segredo, evidentemente. Fragonard foi um dos grandes mestres do século XVIII, sem a menor sombra para dúvidas. Um moderno antes de tempo ou no tempo certo, por ter sido o dele, está bom de ver.

Este Retrato do Duque de Harcourt tem tudo "aquilo". Nada se encontra em repouso. Tudo se agita num turbilhão arrebatador de emoção e energia, caraças! Muito mais do que o tema somos levados pela emoção da Pintura.

Noutra sala há uma paisagem de Cézanne, O Mar em L'Estaque e outra de Vlaminck, Paisagem Fauve Perto de Chatou. Cézanne afirmaria que a pintura, para o ser, se devia libertar da literatura e o pintor deveria concentrar-se nos elementos fundamentais da linguagem visual. Vlaminck, na sua qualidade de fauvista, enalteceu de forma arrebatada as qualidades da cor furiosa e emotiva. Perante esta pintura de Fragonard o que eles disseram (mais ainda o que fizeram) perde sentido, esvazia-se de significado e parece mais convencimento juvenil que verdadeira teoria ou prática estética.

Vai na volta nunca tiveram a felicidade de ver obras de Fragonard. O que me parece pouco provável mas perfeitamente plausível.

domingo, outubro 01, 2006

De corpo e alma

A existência de Deus manifesta-se das mais variadas formas. A construção de uma imagem laboriosamente conseguida ao longo de séculos e séculos, desde as profundezas escuras dos úteros cavernosos da terra pré-histórica à luz brilhante do génio escultórico do pensamento grego, a energia indizível da divindade tomou as mais diversas formas, de acordo com visões, revelações e premonições mais ou menos inspiradas de artistas e poetas.

Entre nós, herdeiros da tradição greco-latina, o cristianismo foi gerando um rosto para Cristo adaptado ao sabor das circunstâncias. Muito por acção dessa campanha mediática cristã, vivemos actualmente uma civilização da imagem onde tudo o que é verdade tem um rosto e o que o não tem, ou custa a crer que existe, prefere manobrar na sombra do anonimato.
Esse imenso trabalho de revelar a face de Deus fez com que entrássemos no domínio do ícone e, tal como temiam algumas facções entre os primeiros cristãos, esquecemos frequentemente o Homem, o Profeta, e ficamos ofuscados pela imponência espectacular da imagem que Dele foi criada. Ignoramos a transcendência maravilhosa da Sua poética existência e não nos damos ao trabalho de tentar compreender a profundidade espiritual da Sua mensagem. Só temos olhos para o brilho dourado das obras imponentes que Lhe foram oferecidas por homens pouco modestos. Papas, Imperadores ou Faraós.

A Igreja católica apostólica romana exige fé. Para ela basta uma fé simples para entrar no caminho da salvação da alma. Basta ser crédulo. Aos católicos não é exigida a utilização da razão para ser aceite na igreja, antes pelo contrário. Daí que a lição do Professor Ratzinger tenha sido tão mal compreendida (ou terá sido simplesmente mal preparada pelo Mestre?), a audiência, fora da sala onde proferiu o seu discurso em Ratisbona, está longe de poder compreender na totalidade as tortuosas razões teológicas por ele equacionadas. Á igreja católica interessa manter o status quo, conservar a tradição. A igreja é conservadora, não se reforma nunca por vontade própria, apenas se reforma quando acossada por alguma ímpia e insuportável pressão.

Por outro lado, uma vez que o Papa é infalível, não adianta ao Professor Ratzinger vir agora pedir desculpas na pele de Bento XVI. Cada palavra foi decerto cuidadosamente ponderada antes de ser proferida. Não é credível que o Papa tenha sido vítima de si próprio pois poucos como ele saberão tão bem o que dizem, quando o dizem e onde o dizem.

O problema é que Cristo foi um Profeta que acabou usurpado e abusado por igrejas camaleónicas que o utilizam sempre conforme as circunstâncias. Tal como fazem actualmente os fanáticos do Islão, também os cristãos das mais variadas igrejas utilizaram em vão o nome do seu Deus para justificarem crimes hediondos nas mais variadas situações.

A utilização abusiva da Sua mensagem continua não tanto para matar mas mais para roubar os pobres de espírito. Os exemplos abundam e proliferam principalmente nos subúrbios das grandes cidades entre uma população maioritariamente ignorante e completamente alheia às subtilezas teológicas necessárias para encetar com um mínimo de credibilidade o diálogo inter religioso que se afigura imprescindível aos olhos de todos os que não são fundamentalistas.
Deus poderá existir mas não tem decerto a forma que os poetas lhe deram nem os desígnios que as igrejas Lhe atribuem. Deus não pode proteger uns e amaldiçoar outros porque isso, simplesmente, não faz qualquer sentido. Acreditar nisso é reduzi-Lo à nossa insignificância e implicá-Lo nas guerras que travamos uns contra os outros, vestindo-Lhe uma farda de general de mil estrelas. A Razão impede a possibilidade de existência a uma divindade tão prosaica e tão reles que fosse capaz de condenar a vida que ela própria cria.

Como escreve Frei Bento Domingues no fecho da sua crónica de 1 de Outubro no Público, “Deus não é propriedade privada”, (texto extraordinário que mereceria maior divulgação) “Não adianta dizer que há um só Deus se esquecemos, cristãos e muçulmanos, que há uma só humanidade a respeitar e a servir por todos.”

Não adianta cuidar da alma se pretendermos ignorar o corpo que ela habita.

In God we trust

Construção do muro de Berlim

"Depois de a Câmara dos Representantes ter dado o seu aval, o Senado norte-americano aprovou sexta-feira a construção de um muro duplo com uma extensão superior a 1100 quilómetros na fronteira com o México, de forma a evitar a entrada de imigrantes ilegais no país. A decisão final está agora nas mãos do Presidente George W. Bush."

Entre Agosto de 1961 e Novembro de 1989, o muro de Berlim foi um símbolo terrível na velha Europa. Os Estados Unidos preparam-se para construir outro muro. Tal como em Israel.

A terra da Liberdade fecha-se à imigração clandestina da pior forma. Fecha-se da forma mais estúpida e, decerto, ineficaz, construindo um símbolo da sua incapacidade de confrontar a questão da pobreza com medidas mais humanas que possam, eventualmente, constituir resposta à altura do problema e da própria imagem que os EUA (ainda) reflectem no imaginário de tantos milhões de cidadãos do mundo por esse mundo fora.
Um novo muro da Vergonha.

Que fazer no Sul da Europa? Na impossibilidade de erguermos um muro no Mar e outro no Oceano como iremos tentar dar uma resposta à altura da situação criada pelas vagas de imigrantes que nos chegam vindos de África?

A estátua da Liberdade vai continuar tal como está? Não é ela um sinal de boas-vindas a todos os que procuram a terra prometida do norte da América? Pois, os mexicanos entram por outra porta. A maior parte deles nem nunca chega a pôr os olhos nessa estátua. Dá-se por feliz em ter um postal à cabeceira da cama. Se tiver a sorte de ter uma.

Pelos vistos já nem em Deus os americanos confiam. Já não confiam em nada nem em ninguém.