terça-feira, maio 22, 2007

Reprise

O texto que se segue é o de uma carta que enviei ao Director do Público em Abril de 2005. A carta foi publicada no jornal. Hoje, após o comentário do Olaio ao post anterior, recordei-me dela e resolvi editá-la aqui em reprise. Penso que mantém a actualidade.

O sonho muda
As deslocalizações de empresas, o fim anunciado do Estado Social, a extrema fraqueza da União Europeia, a agressividade americana, a ascensão chinesa... tudo isto são sinais de que algo está a mudar na geografia económica, política e social do nosso planeta. E está a mudar muito depressa.
O modelo social europeu não parece ter forças para aguentar a pressão que vem do Oriente. A maioria das empresas procuram outros locais para estabelecer os seus centros de produção. Aos direitos adquiridos pelos europeus, os asiáticos contrapõem massas operárias com ambições miseráveis, segundo os nossos padrões. Salários ridículos por mais horas de trabalho fazem as delícias de qualquer empresário que esfrega as mãos de contente na perspectiva de lucrar ainda mais com o seu negócio. Não é que tenha prejuízo com a fábrica instalada na Europa, antes pelo contrário. Mas se ganha apenas 100 e pode ganhar 1000 não há que hesitar! Os custos sociais da deslocalização de empresas não são contabilizados, não interessam nem ao Menino Jesus. Numa primeira fase os novos países da União dos 25 são o Eldorado. Mão-de-obra qualificada ao preço da chuva promete níveis de produção interessantes e margens de lucro apetecíveis. Mas a China é muito grande e cresce a um ritmo alucinante. A única hipótese de competir economicamente será “chinesizar” o modo de vida dos trabalhadores europeus. Baixar os salários, reduzir os investimentos na Segurança Social, enfim, fazer marcha-atrás no nosso modelo social, reduzindo a qualidade de vida do grosso das populações por forma a equilibrar os pesos na balança comercial planetária.
As utopias modernistas do século XX, decorrentes da industrialização e dos modelos políticos de inspiração socialista e social-democrata estão a dar as últimas. A retumbante vitória do capitalismo, louvada pelos neoliberais, associada à entrada da China neste jogo, não vai deixar pedra sobre pedra na construção europeia. O “sonho americano” também não parece resistir à pressão económica do gigante asiático e, se retirarmos aos EUA a supremacia militar, pouco resta. Começamos a assistir ao nascimento do “sonho chinês”. Ainda não compreendemos muito bem os contornos deste sonho. Por enquanto é, para nós, europeus, mais um pesadelo do que um sonho. Teremos de nos conformar com o facto de deixarmos de ditar as regras num mundo globalizado. Iremos seguir outros faróis civilizacionais, tentar a adaptação a novos modos de vida.
O fim do império americano está a chegar e a Europa vai na enxurrada. Dentro de algumas décadas Beijing será a capital cultural e Nova Iorque uma outra Paris, cheia de classe mas um tanto “démodé”. Os líderes chineses serão reconhecidos em todo o planeta e vamos aprender a pronunciar correctamente os seus nomes. Já a aprendizagem da língua e da escrita há-de trazer mais complicações mas não é nada que não se faça com dedicação e esforço.
O Mundo está a mudar. Após séculos de supremacia Ocidental parece chegada a hora da Ásia. China e Índia serão o novo espaço económico dominante, ditando regras e nós, desta vez, é que vamos ter de nos adaptar.
O Mundo não acaba para nós. É apenas o sonho que muda.

9 comentários:

Anónimo disse...

Formidavel texto. Parabéns. Nada a dizer, nada a acescentar. Muito bom!

Silvares disse...

Obrigado pelas palavras de incentivo. Este texto já tem dois anos e parece ter sido escrito ontem! Não sou um especialista em questões políticas ou económicas mas a percepção destas coisas é-nos proporcionado pela vida quotidiana. Aqui, na Europa, esta mudança de sonho começa a tirar o sono a muito boa gente!

Anónimo disse...

De repente, Domingo, estava no moderno Maria Matos a ver o Sergio Godinho. " A Democracia é o pior sistema á excepção de todos os outros" soltou algumas vozes espalhadas pela plateia, mas depois, a sala esgotada ergueu-se e entregou-se a plenos pulmões quando chegou a vez de; " A PAZ, O PÃO, A HABITAÇÃO, SAÚDE, EDUCAÇÃO Só HÁ LIBERDADE SÉRIA QUANDO HOUVER LIBERDADE DE ESCOLHER E DECIDIR, QUANDO PERTENCER AO POVO O QUE O POVO PRODUZIR". E de repente estavamos todos a rir. Em Beijing? Talvez, com tradução.

Anónimo disse...

“Qual é a coisa qual é ela que cresce a dois dígitos e não é amarela?
Dado a segunda condição excluir a China, sobra apenas uma alternativa: os lucros dos bancos portugueses”

Silvares disse...

Lol!
Essa é tão forte que não tenho a certeza de estar a perceber bem! Os lucros dos bancos portugueses são migalhitas neste mundo!

Silvares disse...

Ana, em Beijing nem com tradução que por estes lados é sempre "Domingo no Mundo" e aos chineses faz confusão só o conceito.

Anónimo disse...

Olha rui estou a viver e trabalhar em singapura a 6 meses e que te digo aqui e a serio, ganho 3 vezes mais do em ai, o iva e 5%,o imposto 9%, tenho mais qualidade de vida, geograficamente e fantastico, sai mais barato passar um fim de semana no bali do que no algarve, culturalmente esta em crescendo, os tipos todos de NY e arredores fazem coisas aqui, shangai ou tokyo estao aqui ao lado, estou descontente com a europa e decidi a minha sorte onde as coisas estao acontecendo. ou seja o teu texto match a dois anos como cada vez mais.
abraco grande
mario

Anónimo disse...

nota que nao e so uma questao economica(estava apenas a descrever uma questao pratica) obviamente, o que me interessa mesmo e a cultura onde aqui e uma esquina de muito. no gabinete falamos umas 6 ou 7 linguas, so para teres uma ideia.
outro abraco

Silvares disse...

Ah grande Marinho, deste o salto num tempo perfeito. Força aí e vai contando como se vê a globalização desse lado do mundo.
Abraço!