segunda-feira, dezembro 30, 2019

Voto de Ano Novo

O ano velho arde de mansinho, apaga-se amanhã. Há quem acredite que a simples queda da última folha do calendário trará consigo algum estranho sortilégio, capaz de transformar a banalidade em algo novo, um tempo revigorado. Pessoalmente não vejo onde possa estar essa capacidade transformadora... a não ser que esteja dentro de nós, à espera.

Precisamos assim tanto de um pretexto que nos encoraje a mudar as coisas que desejamos mudar? Pelos vistos sim, precisamos. Poderíamos tomar decisões importantes no dia 14 de Março ou a 27 de Agosto, mas não, esperamos pelo finzinho do ano, acreditamos na magia regeneradora do relógio aliado ao calendário.

Assim sendo, que o novo ano traga consigo toda a magia do mundo!

domingo, dezembro 29, 2019

A tragédia do saco de plástico


A preocupação com as alterações climáticas que incomoda as instituições democráticas leva à tomada de medidas que defendam o ambiente. Neste sentido foi criado uma espécie de imposto, o imposto do saco de plástico; as superfícies comerciais foram obrigadas por lei a deixar de fornecer sacos de plástico gratuitos aos consumidores. Agora, quem quiser um saco de plástico paga 10 cêntimos por unidade.

No entanto, quando o consumidor se dirige à caixa para pagar as suas compras munido de um saco de pano ou de papel ou mesmo de plástico reciclado, quando coloca as suas compras no tapete rolante raros são os produtos que não estão embalados em… plástico! A carne, o peixe, as bolachas, a fruta e os legumes biológicos, até mesmo o Público, tudo está protegido por invólucros de plástico.
 
Esta incongruência é uma metáfora certeira do cinismo que caracteriza a nossa sociedade de consumo capitalista e neoliberal.

quinta-feira, dezembro 26, 2019

2020

Após uns dias a comer como se não houvesse amanhã (e, no entanto, há sempre um outro dia) sinto-me um pouco menos activo, mais passivo, embrutecido, em suma. Quando se come demasiado, a digestão concentra grandes esforços que, em condições normais, poderiam ser distribuídos por outras funções vitais; pensar, por exemplo.

Ando um bocado disperso, hesito em imaginar o ano de 2020. Se o calendário se confirmar irei participar em, pelo menos, 4 exposições de artes plásticas. É bom; não me lembro de participar em tantas exposições no espaço de um ano, muito menos de as ter agendadas com tal antecipação. Sinal de maturidade?

Se tudo se concretizar conforme os indícios, será também publicado um romance do meu amigo José Xavier Ezequiel que ilustrei. É um projecto que está concluído há bastante tempo mas que, por uma razão ou por outra, tem visto a sua edição adiada. Parece que é desta!

Outro amigo do peito, o André Louro, prepara a edição de um CD com músicas da sua autoria no projecto que dá pelo nome de Duas Chamadas Não Atendidas e que terá na capa um desenho meu. É um prazer.

Com o Teatro Ubu ando e congeminar a produção de O Último Burro, nova peça produzida pela Arte 33 e que promete momentos de grande divertimento. Em Maio (se não estou em erro) iremos repor A Inauguração com 4 espectáculos no Teatro-Estúdio António Assunção em Almada. Haverá, portanto, teatro, além das artes plásticas. Deliro!

Tudo isto em paralelo com a minha actividade docente que, a cada ano que passa, se torna menos entusiasmante mas que tento cumprir com o máximo de profissionalismo que sou capaz de investir. 2020 promete não ser monótono. Cá estarei para ver, se Deus quiser, como diz o outro.

domingo, dezembro 22, 2019

Náusea

Se há coisa que me mete nojo é a exploração da miséria alheia. Os designados "canais informativos" que enlameiam o panorama televisivo são exemplos acabados dessa nojice. De entre todos destaca-se a CMTV que leva, em glória, a coroa de Rei Vampiro.

Repetem até à exaustão as imagens mais escabrosas que conseguem filmar, os mesmos "directos", a mesma "informação" que mete o dedo na ferida alheia até esguichar sangue e pus por todos os lados. Sei bem que o mundo não é cor-de-rosa mas também me custa a admitir que seja exclusivamente cor-de-merda.

terça-feira, dezembro 17, 2019

Las brujas

Acreditar numa vida eterna prescrita aos seres humanos por uma divindade absolutamente poderosa, acreditar nisso porque não se consegue conceber que a vida acabe e que, quando acaba, pronto: é o fim - é um reflexo mental de grande soberba, configura até uma certa mania. Imaginar que o Ser Humano vai além daquilo que conseguimos perceber é pouco mais que um desejo, um anseio quase medíocre, atrevo-me a dizer. Ser incapaz de aceitar a finitude da vida não configura grande grandeza de espírito.

Falam do Tempo-tempo, não do meteorológico, falam daquele Tempo-tempo que é a matéria dos sonhos dos filósofos e dos físicos e que põe os escritores verdadeiros a escrever coisas deveras magníficas. Falam e falam muito bem. É agradável ouvi-los, cá em cima, no sótão.

Vem-me à cabeça aquela frase em espanhol: "no creo en brujas pero que las hay las hay".

segunda-feira, dezembro 16, 2019

Espírito Natalício

Oh, quanta compaixão humana é destilada pelas boas almas nesta época natalícia. O amor é tanto que quase o podemos morder caso batamos a dentuça. Os sorrisos, tantos dentes, tantas palavras bonitas. Os olhinhos das crianças brilham sob as luzes que enfeitam as árvores e as ruas. O mundo rejubila, as aves parecem voar com maior graciosidade, até os tubos de escape dos automóveis ganham contornos quase benevolentes, soltando fumozinho, puf, puf, puf... pópó, faz a buzina.

O Pai Natal lá está, no Pólo Norte, a explorar os duendes que, nos tempos que correm, são chineses, são vietnamitas, paquistaneses, são nativos do Bangladesh, gentinha diligente que trabalha, incansável, por quase nada. E o nosso Natal está garantido, todos podemos comprar presentes a baixo custo. A miséria alheia tem a sua beleza.

sexta-feira, dezembro 13, 2019

O que é a vida?

Vinha eu a pensar na vida quando vejo dois homens transportando uma peça de mobiliário à força de braços. Pareceu-me perceber qualquer coisa; pareceu-me perceber que é conveniente termos objectivos específicos e compreensíveis, de preferência objectivos alcançáveis, coisas que orientem a nossa existência. Para aqueles homens transportar a mobília, para mim entrar na tabacaria e comprar o jornal. Depois de cumpridas estas tarefas a vida exige que se descubra qual a tarefa seguinte, como num jogo infantil de caça ao tesouro. Uma pista leva a outra e assim sucessivamente.

Nunca deixamos de ser crianças a brincar à vida e a jogar todos os dias com o tempo e, no caso dos mais imaginativos, a brincar também com o espaço.

Será a morte o final da infância humana? Será o último suspiro um primeiro reflexo de saudade pelo que fomos e nunca mais voltaremos a ser?

segunda-feira, dezembro 09, 2019

Zombies sociais

Não tenhamos dúvidas: o inimigo da Humanidade é a estupidez! A estupidez é a irmã mais velha da ignorância, uma e outra alimentam-se mutuamente e crescem e ganham influência e tornam-se importantes ao ponto de infectarem a sociedade humana de forma irreversível. Bem podemos tentar debilitar a praga mas é como tentar apagar um incêndio mijando-lhe em cima.

Decerto já escrevi algo sobre isto num post anterior mas nunca é demais repetir o alarme.

Aqueles que estão infectados pela estupidez apresentam diferentes sintomas; há-os dóceis, há-os agressivos, passivos, activos ou assim-assim, é como na série Walking Dead, onde um zombie morde uma pessoa normal transformando-a também em morto-vivo. Os estúpidos são zombies sociais. Os que ainda não foram conspurcados pela estupidez bem podem defender-se tentando espetar algum juízo na cabeça de um estúpido mas não é fácil lutar.

As redes sociais são perigosos canais desta patologia estupidificante. Estupidez, maldade, ignorância agressiva, a informação é replicada sem qualquer verificação de validade. Uma mentira é repetida ad nauseam e nem assim se transforma em verdade. Quando alguém prova a um estúpido que a mentira que ele ajudou a propagar não passa disso mesmo, uma refinada calúnia, ele encolhe os ombros e procura uma nova patranha que substitua a anterior. Para um estúpido a verdade e a mentira equivalem-se em validade. Os estúpidos maldosos e os estúpidos ambiciosos são do piorio e são muito numerosos.

Eu sei que não é fácil nem é coisa que se peça assim, sem aviso, mas imploro-te, garboso leitor, benevolente leitora, luta contra a estupidez com quanta força tiveres. Não é uma questão ideológica, é uma questão cultural. Trata-se de lutar a favor de uma sociedade mais humana, ser humano.

sexta-feira, dezembro 06, 2019

Tempo e espaço

Esta manhã apercebi-me que quando estou a ler desapareço no tempo (embora permaneça no espaço). O mesmo acontece quando desenho e pinto, o tempo perde o significado pretensamente exacto que lhe é conferido pelos relógios. Flutuo algures. O meu corpo permanece no espaço (da cozinha, da sala, do sótão) mas eu flutuo algures, flutuo em lugares (poderei designar esses espaços por "lugares"?) aparentemente exteriores.

É como um transe, imagino.

Ler, escrever, pintar, são actividades que normalmente envolvem um mínimo de movimentos. O corpo permanece num espaço muito limitado, não se desloca de forma significativa e o cérebro fervilha processando informação quebrando a película rígida que separa diferentes dimensões e eu sou levado.

Leio as frases escritas acima e nada daquilo merece rótulo de "realidade". Embora constituam uma sequência de ideias e conjecturas a carecer de confirmação, tudo aquilo me faz sentido e quase sou capaz de acreditar que o meu Ser não é uno, que há partes de mim que se separam em determinadas ocasiões e existem momentaneamente em diferentes estratos espaciotemporais.

Há coisas em que acreditamos mas não somos capazes de provar.

quinta-feira, dezembro 05, 2019

Deus-coisa

Somos tantos! Diz o povo que "cada cabeça sua sentença" e nós somos tantos!!! É milagroso que consigamos conviver e perdurar em sociedade. Quem busca provas da existência de alguma coisa que possamos designar como "Deus" não precisará de procurar muito para as encontrar; basta que olhe em volta e veja.

Deus, a existir, será aquilo que nos une, a coisa inominável de que todos comungamos e faz de nós seres humanos capazes de amar e de conviver de forma pacífica. Esse Deus não tem qualquer possibilidade de se aperceber daquilo que somos ou o que fazemos. É um Deus-coisa, não um velhote com dotes escultóricos, capaz de moldar o barro enquanto se vê ao espelho para depois lhe insuflar uma alma vá-se lá saber como.

Os que acreditam na versão do velhote imaginam-no uma espécie de Voz, do Big Brother televisivo, uma personagem metediça e policial que escrutina cada peido que damos. Omnipresente.

Atribuem-lhe também o dom da omnipotência, a capacidade de nos julgar e enviar com despacho para o Inferno ou, então, recolher-nos junto a Si no Paraíso. E somos tantos! Deus não terá mãos a medir embora me pareça que os que não acreditam Nele lhe poupam trabalho e levam logo todos com o selo do fogo eterno independentemente do que tenham feito com a sua vida e com a vida dos outros. Este Deus-burocrata não tem tempo a perder com infiéis, balde com eles! E são tantos!!!

O Deus-coisa tanto existe como não. Está ligado a nós todos e liga-nos uns aos outros mas não tem consciência própria, não tem corpo nem se parece com um imperador, muito menos se assemelha a um juíz. O Deus-coisa está tão longe de tudo isto!

segunda-feira, dezembro 02, 2019

Esboço de manifesto

Ver crianças e adolescentes nas manifestações pelo clima com os seus cartazes, o seu entusiasmo, a sua capacidade de acreditar, dá um aperto no coração. Mas, por outro lado, faz despontar uma sementinha de orgulho. A luta é ainda mais desigual do que a luta que David travou contra Golias.

Acreditar em causas é próprio da juventude. Ter fé desmesurada numa ideia que sentimos ser justa está-nos na massa do sangue. Quem nunca teve uma fúria destas dentro de si deve consultar um psicólogo ou dirigir-se ao padre da paróquia para tentar perceber o que está errado.

Talvez devido à queda de cabelo e à profusão de rugas na face, sinto uma pequena angústia quando observo a juventude em delírio sonhador. Isto porque a vida teima em deixar-me um tanto desanimado, céptico, vai-me fazendo venenoso. Cada dia que passa mais tenho dificuldade em acreditar numa mudança positiva.

No entanto, apesar de não conseguir acreditar, estou longe do ponto em que irei desistir de fazer a vida negra aos que considero como filhos-da-puta e à sua voragem animalesca. Posso estar desanimado mas não estou morto. 

domingo, dezembro 01, 2019

Sonho de Natal

A cada dia que passa mais se aproxima o Natal. Época de concórdia e aconchegozinho familiar, o Natal presta-se às mais tépidas ternurices e propicia juras de amor ao Próximo dignas de figurarem no livrinho de deve-e-haver de Deus, Nosso Senhor. Muitos católicos aproveitam para marcar pontos positivos no lento e tortuoso caminho em direcção ao Paraíso.

Será de esperar que, nos próximos tempos, abrande a maledicência, diminua a agressividade e aumente a reflexão meditativa, capaz de nos pôr a pensar na vida como se fôssemos pálidos unicórnios ou inocentes passarinhos. Só faltará a neve a tombar lentamente sobre a paisagem, a oferecer longos momentos de bucólica contemplação em louvor ao Criador.

O mundo fica até mais redondinho.