quarta-feira, junho 29, 2011

Bondade monstruosa

Nosso Senhor castigou-lhe a tremenda soberba com uma sensibilidade própria de um Cristo lamechas cruzada com a raiva furiosa de um Barrabás assustador. O tipo, normalmente, mete medo mas também pode comover quem o observa na forma obsessiva como se entrega às pessoas que experimenta amar. Também aí, no amor assolapado, e exactamente por isso, o tipo mete medo.
Como se sentirá um gajo que, mesmo quando ama, repele mais do que atrai? Aquele gajo é um oásis fedorento no meio de um deserto perfumado, um desrto com o chão repleto de pétalas amarelas. Aquilo não pode ser fácil. A vida dele é uma tortura pois o bicho compreende o que se passa, não quer que as coisas assim aconteçam e, no entanto, a vida é o que é e ele o monstro mais desconcertante dez mil quilómetros em redor.
Sente bem fundo como a sua bondade é uma coisa montruosa e compreende que ser covarde é muito mais gratificante do que ter coragem.

segunda-feira, junho 27, 2011

Farto de fatos


Rebentei! Estou farto de fatos e de factos. Estou farto dos factos comentados por fatos com gravata e umas cabeças falantes a saírem pelo colarinho da camisa. Pátátá, pitititi, falam, falam, falam. Todos eles sabem tudo, têm perspectivas inteligentíssimas sobre todo e qualquer tema, não lhes escapa nada. Ocupam milhentos espaços informativos em vários canais televisivos. Podem ser vistos a toda a hora, debitando toneladas de ideias magníficas. Saturam o imaginário colectivo, inundam o espaço público com palavras. Comentam tudo, sabem tudo e, no entanto, não resolvem nada. Como é possível haver tantos homens (e algumas mulheres, pouquinhas) tão sábios e não se encontrar uma solução credível nem para o problema do cócó de cão nos passeios públicos? Estou farto destes gajos, dos seus fatos e dos factos que continuamente comentam, analisam, dissecam e... e nada! Caraças, que raio de coisa é esta?

sexta-feira, junho 24, 2011

O regresso do Carapau (Staline)

Foi de repente. Uma coisa passou-me pela cabeça e, tungas, reanimei o velho Carapau Staline que já estava farto de não fazer nada e de nada por lá passar. Para quem não está ao corrente, o Carapau Staline é um blogue onde coloco os meus trabalhos de artes plásticas. Desenhos, pinturas, colagens, colagens desenhadas e desenhos colados, e depois pintados e voltados a desenhar e a pintar. O contrário também acontece.

Estava parado desde Outubro passado. Mais por preguiça que por outra coisa qualquer. Também porque, durante algum tempo, andei a namorar o Facebook mas cansei-me daquilo. Cansei-me dos "likes" e dos toques e dos convites e dos encontros ocasionais e dos reencontros nem tanto assim. A reabertura do Carapau Staline é um regresso ao passado, naquele preciso momento em que ele se cruza com o futuro.

Para já publiquei uma coisa que acabei de fazer hoje de manhã, a "Olímpia Gaga". Não ponho aqui imagem nenhuma porque as imagens estão todas lá, no Carapau Staline. Desfrutem.

Weiwei na gaiola grande


O caso da detenção de Ai Weiwei deu que falar em todo o mundo lá para o início do passado mês de Abril. As autoridades chinesas eclipsaram o artista sem qualquer justificação. Depois veio a suspeitar-se que o problema era relacionado com pornografia, finalmente estabeleceu-se que Weiwei tinha problemas graves com o fisco e, por isso, havia argumentos suficientes para o engavetar em parte incerta e deixá-lo sem contacto com o mundo exterior.

O regime chinês é uma coisa estranha. Nem comunista, nem capitalista, talvez uma miscelânea de ambas as coisas, cozinhada em lume pouco brando. O poder central põe e dispõe das vidas dos cidadãos, das leis, das regras, enfim, mete o nariz em todo o lado e tenta controlar tudo o que pode em proveito próprio.

Weiwei foi libertado. Finalmente! Mas, tal como em tantas outras situações, também aqui o governo chinês inovou. Ao que consta o artista foi libertado com a condição de se manter caladinho durante um ano (ver aqui) e não pode ausentar-se da sua residência. Abriram-lhe a porta da gaiolinha onde o mantinham sem contacto com o mundo exterior, para o colocarem numa outra gaiola.

O que pensará agora Weiwei sobre a liberdade? O que é ser livre na China? Um tipo fechado à chave está preso, sem dúvida. E um tipo impedido de falar abertamente mas que pode passear o cú pelas ruas? Estará livre? Imagino que sempre seja melhor poder passear mas duma coisa tenho a certeza: não é suficiente!

sábado, junho 18, 2011

Examinações


Na minha qualidade de professor numa escola pública onde se realizam exames, a nível de escola e a nível nacional, tenho como uma das minhas tarefas obrigatórias a vigilância. Todos os anos reunimos os professores numa sala e assistimos a uma longa e monótona exposição dos passos a seguir para que tudo se processe conforme a regras determinadas pelos serviços do ministério. São regras apertadas, dignas dos guerreiros de Esparta. Afinal de contas trata-se de impedir situações fraudulentas que os alunos examinados são adolescentes ardilosos, capazes dos  mais inimagináveis expedientes para aldrabar o sistema.
É assim todos os anos.

Só que este ano a coisa ganha contornos especiais. Ficamos com o olhar mais focado no nosso desempenho como vigilantes uma vez que os acontecimentos recentes num exame do Curso Normal de Magistrados Judiciais e do Ministério Público colocaram a aldrabice num novo patamar de realização (ver aqui). Os aspirantes a juízes da nação portuguesa copiaram forte e feio, mostrando a todo o povo português a dimensão ética que os enforma.

A situação é patética mas, mais patética ainda, foi a primeira decisão dos responsáveis pelo dito exame. Os pequenos projectos de magistrado copiaram? Ok, a coisa resolve-se; passam todos com 10 valores. O caso transpirou para os jornais e o escândalo obrigou a revisão desta decisão aviltante. Resta-nos aguardar o desenlace desta palhaçada.

Ficamos a conhecer melhor aqueles que nos julgam  e compreendemos um pouco de certas situações incompreensíveis que acontecem nos tribunais.

quarta-feira, junho 15, 2011

Civilidade formal


Somos tãããããão civilizados quando respondemos a um inquérito telefónico a propósito (neste caso) de um serviço de revisão do automóvel numa oficina da marca do dito cujo.

Do outro lado, uma voz feminina muito pouco melodiosa, com aquele timbre vagamente metálico e nasalado que costumam ter as pessoas que preenchem formulários e lêm as perguntas a que teremos de responder seca e objectivamente. Sem agressividade nem ponta de familiariedade. Uma espécie de máquina de colocar questões e registar opiniões. Sei que está uma mulher, do outro lado, mas sou absolutamente incapaz de criar a mais ténue imagem da sua figura.

As minhas respostas soam-me distantes. Nesta conversa sou identificado pelo nome e por uma matrícula. Surpreendo-me com o tom de voz que coloco no telefone e, imagino, soo igualmente maquinal e destituído de paixão. Uma cordialidade fria, quase gelada, domina a troca de palavras. Estou satisfeito.

Noto que havia um outro patamar de satisfação, o "muito satisfeito", mas esse estado de graça reservo-o para outras situações que não o serviço de revisão automóvel. Dificilmente poderia declara-me "muito satisfeito" com uma coisa dessa natureza. Que satisfação extrema poderemos encontrar numa ida a uma oficina automóvel?

A despedida é tão cortês quanto impessoal. A senhora metálica garante-me que as minhas opiniões são muito valiosas para ela e para a empresa que representa. Eu agradeço e desligo. Não se passou nada e, no entanto, alguma coisa se terá passado.

terça-feira, junho 14, 2011

???


Deus é omnipresente; vê tudo, sabe tudo, nada lhe escapa (a menos que durma).
Deus é omnipotente; pode tudo, tudo depende Dele (excepto quando dorme).
Resumindo; Deus é... um dorminhoco? Um burocrata? Não é nada? Deus é a crueldade absoluta? Um velho impotente? Uma coisa incompreensível? Uma folha de cálculo perfeita?

domingo, junho 12, 2011

Música portuguesa que ouço com prazer (desmedido)-3



Ontem assisti ao concerto do Jorge Palma no Teatro Municipal de Almada. É sempre um prazer.

sábado, junho 11, 2011

O peso da leveza



Rezam as crónicas que ontem, nas celebrações do Dia de Portugal em Castelo Branco, os nossos dois primeiro-ministros deixavam transparecer disitntos estados de espírito. Grave e um tanto abstracto, Passos Coelho, o primeiro-ministro que se segue, leve e quase descontraído, Sócrates, o que vai embora.

Sempre me intrigou o apetite de certos gabirus por cargos dirigentes. O que leva homens e mulheres aparentemente normais a procurar, com todas as suas forças, chegar aos mais altos cargos da nação?

Até aqui há uns anos atrás acreditava que seria por motivos ideológicos. Os candidatos a chefe teriam razões políticas, sonhos utópicos haveriam de os mover em direcção à fogueira do poder. Mas, nos últimos tempos, as ideologias foram desaparecendo, a economia engoliu-as. As utopias foram substituídas por folhas de cálculo, o pensamento político esmagado pela inevitabilidade contabilística... o que poderá então mover os sapatinhos desta gente?

Olhando Sócrates e Passos Coelho compreendo que as suas principais qualidades, eles nisto equivalem-se, é ficarem bem nas fotografias. São dois gajos que proporcionam bons bonecos para as páginas dos jornais e animam as novelas dos noticiários. As velhotas suspiram por uma beijoca durante as campanhas eleitorais e nas cerimónias oficiais. Note-se que o próximo primeiro-ministro é muito mais beijoqueiro que Sócrates, um tanto distante, por vezes próximo do esfíngico. Em termos de qualidades de estadista já é outra conversa.

Pelo que acima fica exposto e por muito mais que aqui não cabe, convenço-me que a motivação principal destes dois impagáveis parlapatões será uma vaidade sem limites que faria a Rainha Má da Branca de Neve parecer uma rapariga simples quando comparada com eles.

Ontem percebeu-se que quem sai vai aliviado e quem entra começa a sentir a canga da função a pesar-lhe no cachaço. Sõcrates, o Odioso, dentro de dias parecerá um simpático intelectual ignorante e Passos Coelho, o Bonitinho, definhará em rugas impensáveis e discursos cada vez mais crispados. É o preço do poder.

sexta-feira, junho 10, 2011

Dia de Portugal


Hoje é dia de comemorações. Celebra-se não sei bem o quê. Ao que parece celebra-se Portugal e as suas comunidades, espalhadas pelo mundo em dia de vendaval e celebra-se a genialidade de Camões, esse princípe dos poetas de Espanha, conforme reza numa edição dos Lusíadas feita sob domínio dos Filipes, esse curto intervalo na imensidão dos séculos que leva de duração a portugalidade.

É dia de entregar condecorações e fazer discursos solenes sobre o estado miserando em que se encontra a pátria. É dia de declarar fé no futuro tendo como pano de fundo um passado que entendemos como tendo sido glorioso. O tempo e a distância desfocam a perspectiva e o poema épico de Camões ajuda à festa.

Acima de tudo é dia feriado e o povo aproveita para desfrutar do sol, essa riqueza branca e luminosa que ninguém nos tira. O povo costuma estar sereno neste dia. Talvez possamos dizer que o 10 de Junho é, além do dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, o Dia da Serenidade Nacional.

Desfrutemos.

quarta-feira, junho 08, 2011

Momento de glória


A rapariga era demasiado bonita. O rapaz imaginava. Sentia o mundo todo atirado para dentro do seu coração. Os olhos dela podiam passar por ele apenas como um pano de pó que limpa com desinteresse o tampo de uma mesa de café. Mas, na imaginação do rapaz, aqueles olhos enfiavam-lhe o mundo todo dentro do coração que mais parecia o tambor dos Cramps. E ele a fazer de herói, a exagerar na bravura.

O rapaz era um matulão pleno de coragem infantil a fintar os adversários. Um, dois, com menos dois palmos que ele e, ainda, a fintar um terceiro, apenas imaginário. Finalmente lá estava ele defronte à baliza, a desferir um remate potentíssimo perante um guarda-redes pequenino, como um passarito caído do ninho. O remate estoirou e o guarda-redes de boca aberta, olhos fechados, cabeça encolhida, esticou os braços com timidez, sentindo apenas o silvo abrasador da bola que passou por ele e entrou baliza dentro a voar como um míssil Tomahawk.

E o rapagão sempre a imaginar que os olhos da menina, bonita como o sol, a imaginar que os olhos dela vêem o mesmo que os dele, agora fechados, saboreando a glória, a imaginar que os olhos dela vêem o mesmo que os dele imaginam.

O rapagão convicto que ela sente o mesmo que o seu cérebro em brasa vai cravando, a fogo apaixonado, no seu próprio imaginário: um herói completo! Parte Hellboy, parte Batman, parte Wolverine, com um toque bem visível de Spongebob Squarepants, que a maturidade não dá para aguentar tanto músculo nem tanto potencial de malvadez.

O rapaz festeja o golo. Braços erguidos em "V", uma corrida sinuosa, os gritos da multidão atroam-lhe os ouvidos. Quando regressar verá que a menina já se foi embora e que os outros jogadores estão, apenas, profundamente irritados e desgostosos de tão evidente supremacia. Mas ele não vai compreender nada por tudo ser tão real!

segunda-feira, junho 06, 2011

O que podemos desejar?


Este é um tema algo polémico. Tem a ver com as expectativas de cada um de nós perante um objecto estético de contornos desconhecidos, a forma como estabelecemos relação directa com ele, como se materializa no nosso espírito o resultado de uma revelação.

Ah, pois, esqueci-me de dizer que tema estou a tentar trazer para a conversa. A coisa tem a ver com o comentário do Jorge Pinheiro, do Expresso da Linha, ao meu post anterior. O tema é a velhíssima questão das diferentes opiniões que construímos perante o mesmo objecto plástico. A forma como os nossos olhos e a nossa mente estabelecem contacto e criam uma sensação particular, quando estimulados pela energia que emana de determinada obra de arte.

A questão tem (pelo menos) duas situações diferentes: ou temos um qualquer tipo de informação prévia sobre o objecto que iremos fruir, informação essa que nos cria expectativas específicas e nos ajuda a construir uma sensação por antecipação a que poderíamos chamar "pré-conceito"; ou então vamos para defronte do objecto sem qualquer tipo de informação e total ausência de expectativas. Nesta situação de virgindade absoluta, geradora da maior das ingenuidades, a surpresa é o maior dos riscos que corremos.

Esta introdução vem a propósito de "A Árvore da Vida" o mais recente filme de Terrence Malick . Trata-se de um objecto fílmico algo desconcertante por não obedecer àquilo que, normalmente, estamos habituados a receber quando nos sentamos numa sala de cinema depois de termos pago o nosso bilhete.

Penso que a nossa reacção pode ser determinada por factores muito variados e manifestar-se de diferentes formas que aqui vou tentar sintetizar em, apenas, duas: ou se ama ou se odeia. Não me parece que seja coisa para deixar nenhum espectador indiferente, situação muito comum nas salas de cinema quando vemos um daqueles filmes que é, apenas, "mais do mesmo".

Sendo a indignação uma das consequências possíveis (penso que foi, mais ou menos, o que aconteceu ao Jorge Pinheiro) é extraordinário, ou talvez não, que o espectador possa ficar deslumbrado, que foi o que me aconteceu a mim.

Talvez estas situações extremas possam mostrar até que ponto "A Árvore da Vida" é um filme interessante, deixando o potencial espectador em suspenso até entrar em contacto com o filme. Irás tu amá-lo ou odiá-lo, carissimo leitor? Não posso responder-te. Nem eu nem ninguém... apenas tu poderás encontrar a resposta.

quinta-feira, junho 02, 2011

Contemplação


"A Árvore da Vida" é um filme que me deixa a pensar que o cinema podia ser assim, como o faz Terrence Malick. Este trailer não dá uma imagem muito fiel daquilo que nos é oferecido. Fico com a sensação que os publicitários pretendem induzir o espectador em erro.

O ritmo do filme é outro (ou são outros, é um filme com ritmos diferentes ao longo das cenas), é uma coisa fora do comum. É como se Malick nos abrisse uma janela sobre um tempo e um espaço que a vida quotidiana nos esconde. Somos convidados a contemplar, a respirar as imagens.

O trabalho da câmara de filmar é extraordinário e a narrativa é um longo momento de reflexão que se estende em várias direcções e nos deixa a flutuar nas ideias e nas imagens, como se fossem uma coisa apenas. Ideia e imagem.

Não há palavras suficientemente eloquentes ou justas para descrever o que se passa em "A Árvore da Vida". Talvez uma palavra, apenas... contemplação. Sinto que, por uma vez na vida, me contemplei a mim próprio e, estranhamente, contemplei o mundo todo.

O cinema podia ser todo assim...