Tenho passado os últimos dias como se estivesse fechado no fundo de um barril cheio de água, a ouvir o mundo borbulhar ao longe com menos graça ainda do que é seu costume e apanágio. Se não tivesse de dar aulas até que nem seria mau de todo. É uma sensação meio estranha, esta, de estar quase desligado dos sons que me rodeiam. Obriga-me a dar muito mais atenção às pessoas que querem comunicar comigo, olho-as mais fixamente, coisa decerto algo intimidatória para quem não está ao corrente do meu entupimento geral. "Porque está este gabirú a entrar-me com os olhos na cara?", devem pensar, mas não é por nada mais que não seja esta estúpida surdez passageira.
O mais aborrecido é não conseguir ouvir o noticiário na TV sem incomodar as outras pessoas. Então prefiro desistir. Leio o jornal. O menos aborrecido é poder concentrar-me melhor e não precisar de fingir que não ouço aquilo que na verdade não posso ouvir. Ainda por cima posso imaginar um pouco mais ou menos que sou o imortal Goya (mal perca a surdez lá se vai a ilusão!)
Amanhã vou ao posto médico propor que me limpem os ouvidos. Vai ser o bom e o bonito. Estou curioso para ver o que vai sair dali. Se cêra, apenas, se algum monstro langonhento e meio adormecido a espernear por ser desalojado do conforto da caverna que por ora habita.
Se for monstro juro que o mato!
1 comentário:
Ainda bem que não era!
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