domingo, maio 30, 2021

Egoísta

A vulgaridade absoluta dos dias que passam é assustadora. A sujidade incomoda, a artificialidade do discurso engarrafa-me o juízo. Não posso deixar de imaginar uma vaca imensa a pastar as cabeças dos congressistas e a mastigá-las naquele movimento característico das vacas que mastigam. Entretanto um raio de sol tenta incomodar a noite que se alegra no silêncio das ruas abandonadas. Como poderia tal coisa acontecer? O sol não sai à noite. A mãe não deixa nem o pai dá permissão. 

Escrever coisas sem sentido não me parece particularmente difícil. Registar ideias concretas de forma inteligível, isso sim, parece-me coisa complicada.

Na verdade não tenho nada a dizer. Fico com a sensação de que estou a roubar o teu tempo por não saber bem o que fazer com o meu, que este é um texto egoísta.

sábado, maio 29, 2021

Milhões

O Governo verte milhões de euros sobre o buraco disto, investe outros tantos no programa daquilo, a União Europeia disponibiliza milhões de euros para apostar na recuperação económica; milhões, milhões, milhões de euros para levantar a Humanidade da cova onde se vai enterrando. 

Lemos as notícias e, sem que nos apercebamos muito bem, sentimos um pequeno alívio: com tantos milhões vai ficar tudo bem ou, pelo menos, as coisas vão melhorar. É domínio do científico, próximo do matemático.

Esquecemos que deitar milhões de euros sobre os problemas, por si só, não os resolve. Os milhões precisam de planos que os canalizem de modo a não irem para o ralo do desperdício. Aí é que a porca torce o rabo ao ponto de ficar um saca-rolhas.

Milhões, milhões, milhões... o problema não será tanto a quantidade de dinheiro a investir mas sim a qualidade do investimento a realizar.

segunda-feira, maio 24, 2021

Sorriso amarelo

As redes sociais têm muitas coisas estúpidas. Parece-me até que têm mais coisas estúpidas do que o contrário. Basta abrir as caixas de comentários a qualquer notícia de jornal por pacífica que nos possa parecer para depararmos com um relambório de insultos e afirmações malcheirosas. As nossas caixas de email são autênticos vazadouros do lixo mais variado. Isto de andar na NET está cada vez mais penoso.

Mas, no meio de toda esta porcaria, há um fenómeno que me intriga: as piadinhas. De súbito, perante um teclado e um ecrã de computador, todos nós nos tornamos potenciais criadores de conteúdos cómicos. Eu próprio já me apanhei em flagrante, muito mais que uma vez, a escrever parvoíces imensas que, depois de ler e reler, me deixam perplexo perante a minha extraordinária cabotinice. Que porra! Fui eu quem escreveu aquilo!?

Quando me apercebo a tempo de ter sido estúpido, apago a patacoada e pronto, caso resolvido. O pior será quando não me enxergo a tempo de pôr o dedo na ferida e a coisa passa, incólume e imbecil, mundo adentro com a minha assinatura a enfeitar o cócó.

Infelizmente a estupidez não é um exclusivo da minha pessoa. 

Quando vejo amigos caindo na esparrela da piadola, dizendo parvoíces do tamanho da autocarros, fico triste. Não tenho coragem de lhes dizer "essa merda não tem piada nenhuma", calo-me bem calado e finjo que acaba ali o problema. Mas não, eu sei que não. O problema não acaba nunca. Antes se eterniza na amarelice dos sorrisos.

segunda-feira, maio 10, 2021

Noite

Não sei bem a cor dos candeeiros. Parecem-me cor de luz. Que coisa mais parva de se dizer! Envoltos pela escuridão da noite sem lua e sem estrelas os candeeiros ganham aquela tonalidade triste, iluminam sem alegria o ladrar dos cães e o ruído dos carros que passam, invisíveis, na auto-estrada. Depois há estes momentos de quase silêncio. Mas não, a ausência de ruído é uma impossibilidade. Um motor que arranca lá por detrás daquele prédio, o marulhar dos carros na auto-estrada, o som da velocidade combina com a cor dos candeeiros.

A noite não descansa.

sábado, maio 01, 2021

Vago

Tenho andado meio perdido. Quero dizer, perdido... perdido, não será bem a melhor forma de me referir ao que se tem vindo a passar comigo nos tempos mais recentes. Sei bem onde estou: não estou em lugar nenhum. Portanto estou longe de estar perdido.

Mesmo o acto de escrever estas palavras me parece algo estrambótico, como se entre mim e o teclado houvesse mais do que espaço, houvesse tempo; mas um tempo estranhamente elástico, um tempo maior do que o mostrador do relógio é capaz de nos fazer compreender. Um tempo que me alonga os dedos e faz das minhas mãos aranhiços  dançantes, aranhiços bêbados, impacientes. 

Talvez isto não faça sentido. Parecem-me apenas palavras, um pouco perdidas umas das outras. Palavras que formam ideias, ideias que chovem como se chovessem sapos.

Este texto é um daqueles que não têm princípio, nem meio, nem fim, embora possa parecer que tem essas coisas todas. Não tem. Entrei nele como aqueles vagabundos dos filmes, cuja acção se desenrola numa América triste e depressiva, que saltam para vagões abertos de comboios em andamento. E seguem viagem com o sol a pôr-se e uma tristeza grande a misturar-se com a esperança em dias melhores. As coisas boas parecem estar sempre no futuro.

E é isto. Perdido na América do meu descontentamento, viajando neste comboio de palavras, imaginando ser alguém que talvez não seja eu... perdido... perdido, não será bem a melhor forma de me referir ao que tem sido a minha vida. A verdade é que o futuro é sempre um pouco mais adiante.