terça-feira, janeiro 31, 2006

Fundamentalites



Aqui há dias foi notícia a pretensão da Opus Dei em pressionar quem de direito no sentido de classificar para maiores de 16 anos a versão cinematográfica do Código da Vinci.

Na sua qualidade de guardiões da pureza da fé católica, estes fundamentalistas religiosos argumentam que a obra de Dan Brown (que não li ainda nem sei se algum dia vou ler) distorce a verdade dos evangelhos criando confusão nas mentes mais imberbes. Acham eles que as crianças não estão preparadas para distinguir a verdade da mentira, a realidade da ficção. Partem do princípio que os evangelhos adoptados pela igreja católica são intocáveis e inquestionáveis.

Num regime de liberdade religiosa estão no seu pleno direito ao emitirem uma opinião. O que transparece desta pretensão é a sanha fundamentalista que anima estas personagens ao ponto de proporem a censura de opiniões contrárias à fé que os anima. O rótulo de "maiores de 16" parece-lhes, decerto, castigo pouco severo, mas a sociedade democrática não lhes permite mais do que isto.

Uma outra notícia sobre as reacções descabeladas de alguns países islâmicos em relação à publicação de alguns cartoons num jornal dinamarquês e, posteriormente, num outro, norueguês, merece também alguma reflexão.

Os cartoons em questão (dois deles na imagem) representam Maomé em cenas consideradas mais do que sacrílegas. A coisa bateu mesmo mal nas cabeças mais afundadas nos turbantes bafientos do fundamentalismo.

A Arábia Saudita foi ao extremo de retirar o seu embaixador de Copenhaga e a Líbia encerrou a sua missão diplomática naquela cidade. O Egipto poderá tomar atitude do género.
Na Faixa de Gaza houve mesmo quem se desse ao trabalho de cercar a representação local da União Europeia, exigindo desculpas da Dinamarca e da Noruega, como se os governos tivessem alguma responsabilidade editorial num país democrático. Queimaram bandeiras na rua e tudo, como de costume.

Este episódio mostra como estamos longe uns dos outros e somos incapazes de nos entendermos em aspectos básicos. No islão as imagens são olhadas com uma desconfiança doentia e a religião é mais que o ópio do povo, é autêntica poluição intoxicante. No ocidente temos direito a máscaras anti-gás mas não estamos livres de algumas tentativas de impor a crendice à razão.

O poder das imagens ultrapassa o valor banal que lhes atribuimos. Estamos de tal modo familiarizados com elas que nos esquecemos da sua função primordial: a magia.

Quando riscamos uns cornitos na fotografia de uma pessoa de quem não gostamos ou lhe pintamos uma barba comprida, estamos a praticar uma pequena magia, à maneira do que, julgamos, os caçadores paleolíticos faziam aos bisontes representados nos tectos das cavernas.

Vivemos numa civilização de imagens. Esquecemos que há quem as proíba ou impeça a sua livre produção. Isso é, simplesmente, inconcebível nos dias que correm a ocidente.

O mistério da arte persiste.

domingo, janeiro 29, 2006

Uma questão diabólica!

Um ex-seminarista italiano pôs um padre em tribunal alegando que este tem andado a abusar da confiança do povo por afirmar que Jesus Cristo é uma personagem histórica.

Segundo o antigo seminarista, ateu convicto nos tempos que correm, não há provas que sustentem a tese do padre. O juíz encarregue de ditar sentença neste caso, na cidade de Viterbo, a norte de Roma, pede tempo para matutar na questão.

A lei italiana condena os que explorem a credulidade alheia usando subterfúgios fraudolentos. Estaremos perante uma situação desse género?

Quem pode, com toda a certeza, garantir a veracidade dos textos evangélicos adoptados pela Igreja Católica? A verdade, verdadinha, é que nenhum dos evangelistas pôs sequer as vistas em cima de Jesus, tendo os textos sido escritos, supostamente, por inspiração divina muitos anos após a morte daquele que muitos consideram o Filho de Deus.

Essa crença é sustentada pela Fé e pela tradição religiosa. Além do mais, os Evangelhos, tal como os conhecemos nos tempos que correm, estão completamente adulterados por séculos de traduções manhosas, sujeitas a todo o tipo de erros e interpretações abusivas, como é do domínio público.

Aguardemos serenamente a sentença do Doutor Juíz. Talvez declare a inexistência de Deus e aplique multa ao Papa por andar a abusar da confiança e credulidade de milhões de católicos por esse mundo fora.

sábado, janeiro 28, 2006

Portugal Pós-Moderno

No Editorial de O Público de 31 de Maio de 2005, Corpos Especiais, assinado por Eduardo Dâmaso podemos ler, a abrir, que “é essencial a modernização do aparelho produtivo”.
Fico a pensar que “o” Modernismo não chegou a passar por aqui. As utopias modernistas, que estiveram na base da Europa da União, foram fundadas na crença da possibilidade da melhoria das condições de vida das populações, cada vez mais urbanas, através do desenvolvimento do tecido produtivo apoiado num racionalismo funcionalista. A organização da sociedade tendo por modelo os princípios estéticos do Modernismo (“ornamento é crime” de Adolf Loos, ou “a forma segue a função” de Louis Sullivan, para dar dois exemplos paradigmáticos) transformados em princípios éticos das instituições democráticas, nunca foram, sequer, ponderados entre nós. O Estado Novo e Salazar encarregaram-se de fazer do nosso país um imenso pardieiro, habitado por saloios mais ou menos ricos com uma maioria decididamente miserável. A democracia foi adiada até a um ponto insuportável que viria a rebentar em Abril de 1974. Ou seja, Portugal falhou o Modernismo, reentrando na história da Europa após o período revolucionário que este jornal nos tem recordado diariamente na coluna “Memória, 30 anos de PREC”.
Dâmaso continua, mais à frente, “o mundo é reformado todos os dias pela acção avassaladora do capitalismo e não das velhas categorias ideológicas(...)”. As velhas categorias ideológicas que serviram de motor ao modernismo, as utopias socialistas, nunca conseguiram vingar na realidade, e começam a dar nítidos sinais de falência, inevitáveis nas promessas sempre adiadas. Vivemos uma era Pós-Moderna e Portugal veio cair, direitinho, dentro dela. De país atrasado, analfabeto, de matriz rural dominante, Portugal passou a uma sociedade consumista, sem fase de adaptação nem aprendizagem criando alegremente “(...) uma sociedade de mercado rendida ao valor implacável do dinheiro onde tudo se compra e vende, destituída de valores sociais e de uma solidariedade básica entre gerações” parafraseando o citado editorial.
Temo que seja esse o retrato apropriado, não só do nosso país, mas da actual União Europeia. A vitória do “Não” no referendo Francês vem pôr a descoberto a ausência de ideais, a impossibilidade de uma Internacional dos Cidadãos à maneira das vanguardas do século XX. A História não tem retorno. Assistimos estupefactos a uma transformação implacável dos princípios básicos da nossa sociedade. Não há Cristianismo que nos valha nem utopias sociais que resistam à voragem consumista em que nos deixámos enredar. Não há tradição cultural Greco-Latina que nos una num mundo globalizado, onde predominam confrontos ditados pelos mais atávicos dos ódios.
Penso que seja isto o Pós-Modernismo de que “(...) o possibilismo reformista de Blair(...)” será mais um sintoma de maleita que medida profilática.
Sem uma verdadeira tradição democrática, diariamente traída por uma classe política e dirigente que aprendeu a ler, a escrever e a contar nos bancos da mais cinzenta das escolas salazaristas, Portugal afoga-se num mar de incongruências formais e éticas, completamente desnorteado e sôfrego, sem nada que possa satisfazer esta ânsia de justiça e bem-estar que todos sentimos. E, no entanto, a classe dirigente não é mais que um reflexo de nós próprios, os eleitores.
Será isto o Pós-Modernismo? O triunfo da imagem sobre o conteúdo, a lei da selva embrulhada em papel de veludo? Cordeiros que ladram e lobos que miam? O Modernismo agoniza lentamente e, das suas cinzas, emergirá algo novo. Mas o Novo não será, necessariamente, mais brilhante, justo ou agradável. Será apenas outra coisa. Talvez seja já isto!

Texto escrito em Junho de 2005

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Mistério de peso

Andam a gamar esculturas enormes em Londres e arredores.
Sejam elas em bronze e não há tonelada que lhes valha.
Há quem as leve como se fossem bibelots na estante da vizinha.

Os jardins e parques da capital inglesa têm sido aliviados das peças com alguma regularidade.
Segundo a bófia lá do sítio, as esculturas são levadas para desmantelamento e fundição com a finalidade de retirar do bronze o cobre usado na produção das obras de arte.

O preço do cobre disparou nos mercados internacionais já que a indústria chinesa de componentes electrónicos está a absorver grandes quantidades deste material.

Prefiro imaginar que há um mostronço qualquer a plantar esculturas no quintal como se fossem beterrabas. É mais poético.

Na verdade, a redução de esculturas aos seus componentes essenciais não é uma novidade. Ao longo da História, em épocas de crise e grande necessidade, a coisa foi praticada em obras interessantíssimas (pensa-se).
Um bom canhão e respectivas munições sempre deram mais jeito que um deus grego em pose complicada.

Não há-de ser nada!

terça-feira, janeiro 24, 2006

O dia depois


Democracia é isto mesmo.
O povo vota e depois vai à sua vidinha, tratar da fome e do descanso, enquanto os poderosos se entretêm a governar os destinos.

A partir de agora temos, em Portugal, novos tratadores de destinos. Cavaco na cadeira dos leões será uma experiência bizarra. Lado a lado com o ministro que de filósofo só tem o nome, formará uma estranha parelha para puxar a carroça da nação.

Se fizerem ambos força na mesma direcção talvez a carroça se mova. Resta saber qual o sentido do movimento da parelha. Pelas provas anteriormente dadas não sou capaz de me entusiasmar nem um bocadinho.
Problema meu?
Decerto e sem dúvida. Mas problema de tantos outros e, nem todos, como eu.

Há quem pense que estes dois são faces distintas de uma mesma moeda. A "boa moeda" da política, na singular terminologia cavaquista. Quanto à "má moeda" estará esquecida lá no fundo da algibeira, à espera de melhores dias para voltar à circulação.

É nisto que o meu povo crê.
É disto que desconfio com quantos dentes tenho ainda na boca.

Afinal, a eleição do presidente não me tirou o sono. Antes pelo contrário. Fico satisfeito.
Ao que parece dormirei descansado até ao fim dos dias que me restam.
Até ao derradeiro sono.

Baril.

domingo, janeiro 22, 2006

O ano do Burro


Não há espaço para o burro no calendário chinês. Ao que tudo indica este será um exclusivo do povo português.

As projecções para resultados das eleições presidenciais que começam a chegar apontam a forte probabilidade de termos Cavaco como supremo magistrado da nação.

Fica provado que um povo se vê reflectido no espelho eleitoral de forma implacável. Perguntava a Bruxa Má se haveria alguém mais bela do que ela. O povo português perguntará se há algum povo mais burro do que ele. Vale-nos o espelho ser mudo.

Cavaco será eleito, ao que tudo indica, por ser capaz de não ter uma ideia que seja ou, admitindo que há mais do que um Tico e um Teco entre a sua população de neurónios, ser capaz de evitar mostrá-las a quem tenha a infinita paciência de o ouvir.

A repetição até à náusea de lugares-comuns e frases balofas deu frutos. Cavaco é incapaz de articular um discurso coerente de forma livre e espontânea. O povo adora-o. Cavaco não lê um livro, não vê um filme, não vai ao teatro, o povo está ao lado dele. O povo revê-se nele!

É triste fazer parte deste povo e, em dias como este, é mesmo embaraçoso. Como poderei amanhã olhar para o espelho sem pensar na tal pergunta? Espelho, fica calado e evitas-me 7 anos de azar (bem bastam os próximos 5).

Ao que tudo indica começa hoje o Ano do Burro.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Limpeza

"Empresa de limpeza que destruiu escultura chegou a acordo com artista"!!!
Este título, de uma notícia do Público de 5ª feira, 19 de Novembro, não passava despercebido.
A coisa acontecera em Dezembro de 2004 durante uma exposição de arte contemporânea no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz.

Uma peça da autoria de um tal Jimmie Durham intitulada As Frases foi então terrívelmente mutilada por uma... empregada de limpeza! A dita peça consistia num lavatório artísticamente partido com os fragmentos do estilhaço cuidadosamente espalhados pelo chão. A senhora da vassoura cumpriu a sua função e levou os pedaços quebrados para o lugar que lhe pareceu mais apropriado. Caixote do lixo com eles!

Nada de mais, bem vistas as coisas! O caso foi notícia em vários media já que se tratava de uma boa anedota, colocando a arte contemporânea no devido lugar. O senso comum triunfava sobre o dragão da "intelectualite". Sorriso largo na cara da populaça.

A coisa ficaria assim mesmo se não houvesse um seguro, como é normal nestas situações. O mais curioso é que a empresa de seguros (a notícia não diz qual) considerou que a responsabilidade não poderia ser atribuída à sua cliente, a FigueiraLimpe, apesar desta assumir que tinha sido culpada.

Aqui reside o principal motivo de reflexão nesta historieta.
Quem será então o culpado, no entender da seguradora? Talvez o artista, por se atrever a apresentar tão estapafúrdia obra de arte! Não é espantoso?

Valeu à Estética a administração da FigueiraLimpe que, a despeito da atitude da seguradora, resolveu proporcionar a Jimmie Durham a possibilidade de reconstruir As Frases financiando o artista nessa acção.

Já estou a ver um lavatório novo a chegar a casa do artista, prontinho a ser martelado.

Quanto à seguradora, só espero que não seja a minha.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Tolera...



... se fores capaz.
Tolera o monga que está a fazer-te perder a paciência.
Tolera a chuva.
Tolera a comichão enquanto aquela tal pessoa fala contigo. Coçar as partes nesta ocasião não seria o gesto mais elegante.
Tolera a fome, tolera a gula, tolera os chapéus foleiros e os elefante fedorentos.
Tolera a jaula onde se escondem os grilos e a gritaria dos vizinhos.
Tolera o roxo e as mãos encarquilhadas pelo banho.
Tolera tudo o que fores capaz de tolerar já que, não tarda nada, vais rebentar como uma bomba e, o mais incómodo, é que a coisa vai saber-te bem!

O mais complicado de tudo é saberes que não poderás nunca perceber o mundo como o monga (o gajo está mesmo a fazer-te perder a puta da paciência!) porque não estás dentro dele. Os olhos dele verão o mesmo que os teus vêem? O roxo que te irrita será assim tão roxo para ele? E a gritaria? Talvez a ouça com tonalidades musicais ou nem sequer se aperceba já que está entretido a foder-te o juízo.

Tolera o que fores capaz de tolerar mas não te deixes enganar.
Talvez seja a única coisa que não valha a pena... tolerar.

Thomas Hirschhorn

Tem um nome impossível, com dois "HH" consecutivos.
É um artista de ascendência suiça com trabalho à vista no Museu de Serralves.

Aquilo é uma coisa difícil de tragar. Trata-se de uma exposição antológica.
Salas e salas repletas de lixo e frases escritas à mão em folhas de papel ou tarjas de pano, tudo com muita fita cola castanha, com um aspecto miserando.

Não é nada bonito, não senhora, é horrível!
No entanto...

O espectador é colocado perante o grande dilema de ver ou olhar. É ele (somos nós) quem tem de decidir sobre a validade da coisa. Não há escapatória possível.

É uma arte... punk?
Talvez, talvez.

A ver.

Suspeita

Portugal tem um grave problema de desenvolvimento.

Fala-se por aí que devíamos pôr os olhos na Finlândia, aprender com a Irlanda ou copiar o modelo Chinamarquês mas, qual quê! Nada parece valer-nos, nem a Virgem Maria, outrora uma poderosa aliada que parece andar arredia de tal modo nos temos visto privados de milagres.

Onde estará a raíz do problema?

Estou em crer que, lá no fundo, o nosso maior problema são os portugueses.

Oxalá esteja enganado.
Dia 22 de Janeiro vou poder confirmar (ou não) esta dolorosa suspeita.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Elites

Andamos a abusar da palavra.
Elite significa o que há de melhor numa sociedade ou num grupo.

Quando falamos nas elites que nos governam das duas uma: ou são os gajos mais capazes que estão à frente dos destinos da nação ou, dos que estão dispostos a cumprir essa função, estes são a fina flor. Mauzito, não?

Se, por exemplo, o Jardim representa a elite governativa tamos conversados. Mais, se o Cavaco for eleito estaremos perante o vértice do ângulo mais agudo da pirâmide das elites portuguesas?

Convenhamos que o nosso país não fica grande coisa na fotografia.
Diz-me quem te governa, dir-te-ei que Democracia é a tua.

Ao leitor fica a responsabilidade da resposta.