sábado, novembro 24, 2012

Você está aqui

Para sabermos ao certo aquilo que queremos talvez tenhamos de simplificar o leque das nossas opções. Precisamos de um desenho simples, uma linha clara preenchida com cores planas, sem sombreados ou modelações complexas. Mais De Stijl e menos Dada.

Será que apenas após compreendermos a clareza essencial da estrutura das formas (e do raciocínio) podemos aventurar-nos em loucuras visionárias sem corrermos o risco de perder o tino?

Toda a simplificação resulta de um afastamento. Um olhar afastado permite desenhar um mapa. A nossa capacidade de abstracção faz o resto, confere-lhe sentido. Consultando a linha que representa a rua onde caminhamos deslocamo-nos no sentido pretendido. Fazemos isso dentro da nossa cabeça e, em simultâneo, caminhando sobre os nossos pés. É um exercício de abstracção absoluto e, no entanto, intimamente relacionado com o mundo real.

Também para compreendermos o que se passa com a nossa sociedade necessitamos de afastamento. Analisar o tempo presente é demasiado confuso, estamos dentro dele e ainda ninguém conseguiu desenhar um mapa conceptual que o possa resumir. Estamos demasiado envolvidos.

A História é um exercício de análise do passado que permite delinear formas simples e mais ou menos lineares. O historiador concentra-se na representação de determinados aspectos e passa-nos uma imagem que somos capazes de compreender (ou pelo menos imaginamos que somos capazes de compreender).

Traçar o mapa dos acontecimentos recentes mostrando a cada um de nós em que ponto da nossa História individual nos encontramos e para onde podemos dirigir-nos sem que percamos o fio à meada é algo do domínio da utopia mais absoluta. Caminhamos às cegas, avançamos por instinto e ninguém pode garantir que não estamos a recuar ou a deslocar-nos em círculos.

Imagino que seria interessante poder olhar um mapa do tempo presente (com indicações seguras em relação ao tempo futuro e mostrando com correcção o caminho até aqui percorrido) e ter aquela indicação que é habitual nos mapas turísticos, com um círculo vermelho bem destacado e a frase mágica "você está aqui".

sexta-feira, novembro 23, 2012

Sonhar não é igual a dormir!

Pergunto a mim próprio porque insistem certos pensadores, alguns intelectuais e muitos bestuntos pretensiosos em afirmar que o mundo resvala para o abismo, que perde qualidades éticas e estéticas, que, em suma, se vai desvanecendo a idade do vinho e das rosas que teremos em mãos e deixamos escorrer entre os dedos como areia fina a procurar solo horizontal defronte ao mar?

Para que esta imagem pudesse materializar uma vaga realidade que fosse, necessário seria que o nosso mundo alguma vez houvesse tido como principais qualidades a ética ou a estética. Isto alguma vez terá acontecido?

O mundo não está menos ético ou menos estético pela simples razão de estes valores nunca foram características dominantes. A mistura ponderada de ética e estética, essa eterna utopia da "Beleza", demanda mais nebulosa ainda do que a do Santo Graal, é uma espécie de mito democrático nascido no horizonte longínquo da mais antiga das grécias que somos capazes de convocar na nossa desorganizada memória colectiva.

O mundo não está mais nem menos, está exactamente na mesma, como a lesma. Talvez o problema não seja a realidade mas sim as expectativas que construímos na tentativa de conseguir um objectivo comum. Imaginámos que poderia haver uma mais equitativa distribuição da riqueza? Está bem abelha.

"O sonho" soa quase igual a "o sono" que, como bem entendemos, estão longe de ser uma e a mesma coisa embora soem de forma perigosamente idêntica aos nossos ouvidos. Quantas vezes sonhamos acordados e dormimos sem sonhar?

sexta-feira, novembro 16, 2012

Pornografia



Macacos Sábios

Ver os mais altos responsáveis pela governação deste país aplaudir a actuação da polícia nas cenas de porrada a que todos assistimos em directo nos canais de televisão é algo pornográfico. Cavaco e Passos primeiro não tinham visto nada, não se podiam pronunciar sobre os acontecimentos.

Mais tarde, imagino que após terem visionado aquele espectáculo edificante, só puderam aplaudir o ataque indiscriminado das forças policiais sobre as pessoas que se encontravam defronte às escadarias da Assembleia, cada vez mais símbolo da vergonha do nosso regime político.

Tudo aquilo foi estranho.

Foi estranho ver meia dúzia de energúmenos a desfazer a calçada e a atirar pedrada após pedrada, horas a fio, sobre uma fila de polícias de choque em postura cristã, como se oferecessem a outra face. Coitadinhos. 

Foi estranho ver os bandidos a rir, a fazer pontaria, impunemente, alguns de cara bem destapada, sem que houvesse a mínima reacção das forças que, por comodidade, continuamos a chamar de “forças de segurança” mas que, quando se atiram à populaça, se transformam em forças de agressão.

Foi estranho ver os manifestantes que se colocaram em frente aos polícias apedrejados, quais escudos humanos, pondo em risco a sua integridade física (ó Cavaco, ó Passos, e uma palavrinha de apreço para com estes cidadãos?).

Os polícias foram atiçados, quais mastins sem açaimo, sobre os populares. Agrediram muitos que, é evidente para qualquer pessoa que tenha assistido aos desacatos, mesmo que pela televisão, não tinham atirado pedras, nem garrafas, nem petardos. Prenderam uns quantos, acusados de resistência e ofensa à autoridade. 

Há tantas imagens filmadas, tantas fotografias, tantas testemunhas oculares que decerto não será difícil provar se os que agora foram presos participaram, de facto, naquele triste espectáculo.

Tudo isto foi demasiado estranho. 

Habitual foi, apenas, a forma histérica e desproporcionada como os polícias agrediram a torto e a direito quem lhes apareceu pela frente. Os responsáveis pelas calhoadas não só as praticaram como lhes deu na real gana como ainda se pisgaram dali para fora na maior das impunidades.

O que já não foi tão estranho foi que, após um dia de greve geral em vários países da Europa, num dia em que a CGTP apresentou uma série de medidas de combate à crise que até Bagão Félix considerou dignas de atenção nas páginas deste jornal, se tenham focado os holofotes nos pobres polícias, vítimas de um bando de arruaceiros, como se mais nada tivesse acontecido. 

A quem aproveita toda esta ópera bufa? Com governantes deste calibre, assistir ao “espectáculo da democracia” é como ver um filme de “bunga bunga”. Ou pior ainda. 

Carta enviada à Directora do jornal Público (sem as imagens)

quarta-feira, novembro 14, 2012

Olha aí!

O Eduardo tinha prometido e cumpriu! Do mundo virtual para o mundo que imaginamos como sendo o real aí está O ÚLTIMO BLOG e outras blogagens. Há quem ainda não tenha lido e tenha gostado. É a literatura da Zumbisfera a invadir o espaço habitado pelos seres humanos (e restantes animais domésticos). Para quem tenha dúvidas: a blogosfera existe MESMO!
Vou querer ler.

sábado, novembro 10, 2012

China

Tenho seguido com interesse e avidez as reportagens de Paulo Moura que vêm sendo publicadas no jornal Público ao longo dos últimos dias com reflexos no blogue Repórter à Solta. (também aqui)

É um relato de viagem com contornos épicos. A escrita de Moura tem uma limpidez rara e a forma como organiza descrições de acontecimentos e informação recolhida junto das pessoas que foi contactando, fazem destas reportagens peças muito interessantes para tentarmos um rabisco que nos permita vislumbrar uma migalha da imensidão que é a China.

No jornal de hoje a peça de Moura termina de forma elucidativa.
Tao Feiya, professor de História Cultural na Universidade de Xangai, quando questionado sobre o que considera que a China tem para oferecer ao mundo, remata uma série de considerações afirmando que "Os chineses sempre foram pobres ao longo de milénios. Essa é uma das suas características mais marcantes. Por isso desenvolveram valores de trabalho, de honradez. Nenhuma família gosta de ter um filho ou um marido preguiçoso. É uma vergonha. Esses valores, de simplicidade e trabalho, talvez sejam o que a China tem para ensinar ao mundo".

Olá China.

domingo, novembro 04, 2012

Manhã cinzenta



Eu acho que ando triste mas tenho a impressão que não sou só eu quem está triste, parece-me que o país inteiro exala tristeza em suspiros profundos que depois se espraiam por aí como vento morno soprado do norte de África.

Dizer que Portugal, um país, está triste, pode parecer metáfora barata mas, a bem dizer, é o mesmo que dizer que os mercados, que são mercados, estão nervosos.

Já não bastava a Portugal a crise, agora também o céu insiste em manter-se cinzento e a chorar com frequência. Quanto aos mercados basta olhar para aqueles gajos que trabalham nas bolsas, a gesticular como se estivessem a ser electrocutados, a esbracejar como se estivessem a ser atacados por um enxame de vespas furiosas.

Este país está a precisar de consulta psiquiátrica mas não tem dinheiro para pagar a factura nem há psiquiatra à altura dos nossos problemas colectivos. Já os mercados parecem ter acalmado. Ao que se diz por aí eles acreditam que vamos pagar a nossa dívida. Talvez seja essa a fonte desta nossa tristeza… a calmaria dos mercados…

PS O Zé continua à espera que alguém se digne a operá-lo. A manhã continua cinzenta...