quinta-feira, novembro 30, 2006

Vítimas do conforto


Carta de Istambul

Europa restringe publicidade a alimentos calóricos destinada a crianças
quinta-feira, 16 de Novembro de 2006 Por: Lusa
Ministros e altos funcionários do sector da Saúde de 48 países europeus assinaram hoje, em Istambul, uma carta que fixa princípios comuns contra a obesidade, tais como a criação de leis que impeçam a publicidade de alimentos calóricos destinada a crianças.

(...)Em Portugal, segundo o vice-presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, Davide Carvalho, mais de metade da população (52,4 por cento) sofre de excesso de peso ou obesidade. O país regista uma das mais elevadas taxas de obesidade em crianças com menos de onze anos da União Europeia.

Pois é, é um fenómeno consumista aparentemente incontrolável. Nos dias que correm há putos gordos a dar com um pau e cada vez há mais!
Hábitos alimentares destrambelhados aliados a um sedentarismo bovino estão a distorcer a imagem das nossas crianças até à caricatura. A ironia desta situação é que a obesidade infantil está relacionada, em larga escala, com aquilo que poderia designar por "excesso de conforto". Quem não gosta de se esparramar em frente a um écran comendo umas guloseimas enquanto vai vendo um filminho? Na boa, não há mal nenhum em semelhante actividade. O problema é que, nos dias que correm, as crianças têm demasiados écrans nas suas vidas e uma estrondosa falta de vida ao ar livre.
Jogar futebol ou correr aos gritos com quanta velocidade se possa são coisinhas para fazer na escola. Os tempos de lazer da maioria da pequenada são ocupados nas consolas de jogos, em frente aos 500 canais de televisão por cabo e coisas do género. Como se isso não bastasse, a leitura é uma bicho de sete cabeças. Se ao menos engordassem a ler umas coisas...
Como não podia deixar de ser as "autoridades" já começaram a olhar para esta questão com olhos reguladores. A publicidade, mãe de todos os vícios na sociedade de consumo, é apontada a dedo como tendo grandes culpas no cartório. Os putos raramente bebem água, substituem-na por sumos e outras bebidas açucaradas. Comem fast food à velocidade da luz e ainda fecham a refeição com um chocolatinho, para desenjoar. É complicado evitar tais desmandos alimentares já que as campanhas publicitárias são engendradas com uma eficácia assombrosa. TV, outdoors, revistas, flyers, imagens perfeitas de hamburgers, garrafinhas de sumo coloridas e outras iguarias e beberagens, inundam o horizonte e o pessoalzinho debate-se para se manter à tona. Comendo e bebendo como se isso fosse o objectivo primordial da existência humana.
Em Istambul (doce ironia turca) um grupo de responsáveis europeus tentou dar os primeiros passos no sentido de restringir a liberdade criativa dos publicitários quando se trate de vender porcarias às criancinhas. Louvável iniciativa. Será?
Na verdade o nosso modo de vida europeu baseia-se no consumo desenfreado. Não há produto que nos aconselhe um consumo moderado (só na publicidade a bebidas alcoólicas e com o seu quê de cinismo, convenhamos).
Crianças ou adultos, somos constantemente bombardeados com anúncios capazes de nos criarem as mais estranhas necessidades e temos as prateleiras cobertas de merdices inúteis. Mas isso já se tornou um modo de vida. Tentar contrariá-lo irá gerar situações complicadas de atentados à liberdade, em sentido lato. Temo que estejamos a entrar num beco sem saída... com uma porta de um restaurante da McDonald's ao fundo.


quarta-feira, novembro 29, 2006

Questões de pele

Ratzinger, o homem, discorda da entrada da Turquia para a União Europeia. Disse-o abertamente antes de vir a ser eleito Papa.
Ratzinger, o Papa, Bento XVI tem uma opinião radicalmente diferente e apoia a pretensão turca. Esta diferença de opiniões mostra como a mudança de pele pode contribuir para a mudança de discurso. Isto leva a algumas questões curiosas.

1º Estará o Papa a mentir? Ou será que a obrigatoriedade de veicular um discurso que não coincide com a sua opinião pessoal não pode ser considerado mentira?

2º É o Papa infalível? E, caso esteja a mentir, não será legítimo pôr em causa o dogma católico da infalibilidade do sumo-pontífice? E, mesmo que não seja considerado uma mentira à luz das intrincadas vias do Senhor, a dita infalibilidade não cairá por terra qual Golias estupidificado pela surpresa de levar com uma pedra na testa?

3º Isto não é política? Bento XVI tem vincado bem que a natureza da sua visita à Turquia é pastoral e não política. Mas as razões que justificam esta cabriola no discurso não serão de ordem política? Se não forem a coisa ganha contornos menos precisos e poderemos mesmo ser levados a pensar que há aqui hipocrisia e intriguice, coisas bem pouco santas e indignas de um homenzinho que não se cansa de afirmar ter como missão espalhar a Verdade.

4º Ai, ai, ai... Se o Papa se permite embrulhar tão facilmente a Verdade na necessidade de adaptar as suas opiniões às circunstâncias o que pensar então de certos dogmas e outras "verdades" religiosas? Por exemplo, quanto à virgindade da mãe de Cristo. Não será fruto de uma necessidade narrativa? Como poderia um Deus, cujos ministros chegam mesmo a fingir que não possuem órgãos sexuais, fecundar uma mulher se não fosse por magia? É que, caso houvesse contacto sexual ou busca de prazer neste processo, o Deus católico estaria a comportar-se ao nível de Zeus que, como é sabido, era um devasso e deixou prole espalhada por esse mundo sendo Hércules o exemplo mais mediático. Porque aparecem sempre, nas imagens da Anunciação, o anjo e uma pomba, o anjo lânguido e respeitoso, a pomba em vôo picado sobre o ventre de Maria? Não estarão os pintores a representar a sedução masculina e, simultâneamente como era tradição, o avanço sexual? E a confusão que é a Santíssima Trindade, alguém percebe essa cena? Três em um, Pai, Filho e Espírito Santo, que coisa! Cada vez que a narrativa religiosa se complica, catrapunfas, transforma-se em dogma. Quando não se pode compreender deixa de se discutir e estabelece-se a lista de ameaças para potenciais prevaricadores. Mas há ainda quem tema as chamas do Inferno?

Chega de perguntas. Isto é como quando somos crianças, cada "porquê" traz mais 50 urgentes e escondidos e cada resposta é apenas capaz de gerar mais e mais perguntas. Sim, porque as questões religiosas fazem de nós criancinhas sedentas de saber como é o mundo que está por detrás deste mundo, "and so on", até percebermos que o Infinito é um conceito impossível de abarcar. Mas isso já não é uma questão de pele. É outra coisa... impossível saber que coisa!

terça-feira, novembro 28, 2006

1 ano


Max Ernst (French, born Germany, 1891–1976)The Blessed Virgin Chastises the Infant Jesus Before Three Witnesses: A.B., P.E. and the Artist, 1926Oil on canvas; 77 1/4 x 51 1/4 in. (196 x 130 cm)Museum Ludwig, Köln

Faz hoje precisamente 1 ano que dei início ao 100 CABEÇAS.
No início não sabia muito bem o que isto iria ser.
Hoje, 232 posts depois com este incluído, continuo mais ou menos na mesma embora tenha mais umas ideias sobre o alcance da coisa que é próximo do centímetro e meio.
A vontade de continuar é inversamente proporcional à necessidade de ir ali e voltar num instantinho que o arroz está quase pronto.
Ao longo deste ano morreu muita gente e nasceu muita criança, embora as notícias continuem a falar mais dos que se vão que daqueles que chegam, embora o contrário mostrasse mais saúde mas muito menos interesse.
Resumindo e concluindo: o 100 CABEÇAS está por estes lados, mais ou menos diariamente, mais ou menos interessante ou pedante ou arquejante, mas está. No dia em que deixar de estar será motivo para perguntar "O que se passa?".
A pergunta anterior é vivamente recomendada a todo e qualquer momento que se mostre à esquina da rua um rabo de gato a contorcer-se naquele seu jeito sedutor e hipnótico. O gato pode não estar escondido mas o mais provável é que queira passar despercebido.
Feliz desaniversário 100 CABEÇAS!

segunda-feira, novembro 27, 2006

Educando


Com TLEBS ou sem TLEBS, com estes secretários de estado ou outros quaisquer, com esta ministra ou com aquela senhora que esteve à frente do Ministério da Educação quando Santana Lopes foi 1º ministro, há um factor determinante para o desempenho escolar dos estudantes que nem sempre é trazido a debate. Refiro-me ao apoio familiar, o interesse que existe (ou não) no enquadramento educativo extra-escolar da criançada e que é da maior relevância. Os encarregados de educação, antes de se preocuparem com a possibilidade de virem a contribuir para a avaliação dos professores, deverão meter mão na consciência avaliando o seu próprio desempenho no acompanhamento da evolução da situação escolar dos seus educandos.
Basta olhar para os números relativos a presenças em reuniões de encarregados de educação com os directores de turma ou para as percentagens de sócios inscritos nas associações de pais para ficarmos, na esmagadora maioria dos casos, um tanto apreensivos. A participação nestas assembleias é, normalmente, reduzida, quase ridícula. Argumentando que os horários são desajustados ou que as reuniões têm ordens de trabalho pastosas e enfadonhas, a verdade é que se verifica uma baixa taxa de participação efectiva por parte dos encarregados de educação. Isto é reflexo da fraca cultura democrática do povo português que com frequência prefere dizer mal do que arriscar agir.
Mais importante do que barafustar contra a marcação de trabalhos de casa é perguntar aos nossos filhos, quando chegam a casa vindos da escola, se têm trabalhos para realizar. Mais importante do que dizer que os professores são isto ou aquilo será inquirir os miúdos sobre a forma como se desenrolou o seu dia de trabalho na escola, marcar as datas dos testes, da entrega de trabalhos e das visitas de estudo num calendário exposto em local visível para que toda a família tenha consciência plena dos compromissos estabelecidos. Mesmo que a cabeça pese e o corpinho esteja a pedir noticiário ou novela, fazer o esforço de pegar nos manuais escolares e dar-lhes uma vista de olhos com os catraios.
Não há nada que substitua os pais na educação das crianças. A escola pode ser um complemento mas nunca um substituto. Os alunos levam para o recinto escolar a experiência de vida que aprendem no espaço familiar e ali a confrontam com outro tipo de necessidades e comportamentos adequados a circunstâncias específicas. O que se verifica demasiadas vezes é que os encarregados de educação vêm reclamar à escola aquilo que deveria ser da sua responsabilidade. Se um aluno é mal-educado e tem um comportamento a raiar a delinquência não podem ser assacadas responsabilidades à escola! Grande parte das vezes estão apenas carentes de atenção e mostram-no, sem o saberem, insultando a inteligência e as regras de convivência mais básicas. Em questões de educação e comportamento o espaço escolar deveria ser bem mais consensual e menos conflituoso.
Quando as famílias conseguirem constituir-se em núcleos básicos de aprendizagem a todos os níveis, talvez a qualidade do ensino possa melhorar. Quando os pais e mães por esse país fora forem menos corujas e exigirem mais respeito aos seus rebentos por aquilo que eles e a escola representam, talvez o nosso sistema educativo se fortifique e seja menos vulnerável a tropelias e deslizes ministeriais, a falhas e irresponsabilidades de alguns professores e, talvez, não tenhamos que ouvir tantas vezes uma das frases mais usados pelo cidadão médio português: “Eu não tenho culpa!”

Argumento de peso

Anda ainda tudo eriçado à conta das incautas palavrinhas do Papa teólogo em Ratisbona que, ao citar um confuso filósofo meio perdido nas brumas do tempo, trouxe o fanatismo a gritar para as ruas e para as nossas salas de estar via TV. Mete dó ver multidões de turcos a fazerem figura de ursos gritando tolices contra um homem cujo pecado principal é não passar disso mesmo e ter de fingir que acredita ser mais do que aquilo que todos já percebemos que ele é. Pouca coisa, de facto.
Ao argumento anti-islâmico (que Ratzinger jura a pés juntos ter sido mais inocente que beijo em bochecha de recém-nascido) gostaria de contrapôr uma passagem de Voltaire (o figurino na imagem acima) retirado da sua obra Carlos XII de 1730. Ele expressa a sua "terrível condenação" do facto de a igreja cristã ter dado origem a que, "durante tantos séculos, houvesse derramamento de sangue provocado por homens que proclamavam o deus da paz. O paganismo não conheceu sanha semelhante. Cobriu o mundo de trevas, mas praticamente não derramou uma gota de sangue, a não ser de animais". "O espírito dogmático fez medrar a loucura das guerras religiosas no espírito dos homens".
Não sou advogado do diabo nem me foi encomendado este sermão. Quero apenas demonstrar, com a singeleza que me é permititida pelo entendimento limitado que está ao meu alcance, como a um argumento se pode e deve responder com outro e levar para a estrada do diálogo e da discussão uma luta que não deve ser travada à paulada.
Um gajo vai andando e dando uns calduços no toutiço do parceiro, esquivando-se o mais que possa à previsível tentativa de resposta.

Motor da criação

"Super Star" by Zena El-Khalil

Foi capa da revista Pública ontenzinho, Domingo pacato por estas bandas não fossem as chuvadas e as cheias que fazem o mundo ao contrário e põem os peixes a passear nas praças das cidades e os barcos a ignorarem as estradas, lá em baixo, no fundo e não nos falecesse esse tal Cesariny que é agora alvo de todas as setas que a aljava do elogio fácil trazia para gastar e tardavam em ser disparadas. Zing, zuuuut, poc! Na mouche! Ele era o poeta genial, o pintor que não podia deixar de o ser por já ter sido aquilo mesmo e o mais que o mármore das virtudes humanas possa suportar de tão polido e mais lambido. Ai Cesariny, guardado estava o bocado e bem sabias que o havias de comer! Que te faça bom proveito na viagem e não te falte o imprescindível óbulo para que o taciturno barqueiro te leve onde haverás de ficar.
Regressando ao árabe sorridente, em stencil rosa sobre fundo techno-pop, temos a reportagem de Alexandra Prado Coelho nas páginas da dita revista, ontenzinho mesmo, Domingo cá na paróquia, sobre um evento extra mas ordinário. Uma exposição de jovens criadores, artistas plásticos (coisa ordinária) cujas obras foram realizadas em Beirute ao som dos tambores da recente guerra que deixou a cidade com as tripas ao pé da boca (coisa extra). http://electronicintifada.net/v2/article5868.shtml
A imagem é banal e quase pueril mas, também ela, igualmente extraordinária. À ordinarice da forma e da técnica teremos de somar o extra de se tratar de um retrato de Nasrallah, gerado na urgência que traz ao gesto mais banal a grandeza artística que tantas vezes por estas bandas discutimos sem lhe encontrar motivo nem destino.
Diz o mestre Gombrich na sua História da Arte (logo a abrir para aclarar as águas) que essa coisa que chamamos Arte (com "A" grande) não existe. De facto não será mais que uma falácia inventada pelos guardiões do templo da Academia, uma corja de senhores afundados nos fatos complexos com que vestem os seus bonequinhos que gostam de imaginar inquestionáveis, os cânones eternos de uns quantos princípios muito estéticos mas pouco éticos. Para Gombrich o que existe de assinalável e interessante serão os artistas, esses sim, merecedores de atenção e objecto de reflexão. A obra de arte depende sempre de um tempo e de um espaço, uma certa conjuntura que envolve o artista e determina os contornos e o âmbito do seu trabalho.
Este Nasrallah cor-de-rosa, irmão quase gémeo da Marylin de Warohl, ultrapassa a banalidade mais abjecta a que estaria condenado pelo facto de ser criado e olhado sob os clarões das bombas que explodiram (e decerto voltarão a explodir) nas ruas de Beirute. Tivesse sido um dos meus alunos de Oficinas de Arte a fazê-lo (muitos usam a mesma técnica nos seus trabalhos) e estaria condenado à indiferença dos olhares.
Este pink-pop-terrorist está a correr mundo por fazer a ponte entre um conflito lá longe e as formas artísticas que nos são próximas. Podemos olhar esta imagem e compreender qualquer coisa uma vez que a forma nos é familiar e faz do sujeito representado algo mais perceptível. Um herói para um número considerável de árabes e de libaneses, um terrorista aos olhos de muitos de nós, ocidentais aborrecidos com o preço dos DVD e o excesso de gorduras nas refeições do Mc Donald's.
Não é por nada, mas uma guerrazinha havia de pôr muito artista cá da praça a bolir doutra maneira, mais com o coração e menos com as mãos, mais com Fé na grandeza do Ser Humano e menos com a petulância de quem se compraz com a redondeza jeitosinha da respectiva pancinha.
Estarei a ser moralista? E depois? Estou-me bem a cagar! De tanto fugirmos da Moral abrimos a porta a toda a espécie de filhos-da-puta e agora bem que nos fornicam o juízo e ainda por cima temos de lhes pagar para nos deixarem em paz.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Alembrança


O mundo tem crescido a olhos vistos. O mundo de hoje é constituído em grande parte por informação, já não é o mundo físico e mensurável do século XX, é o mundo virtual e verdadeiramente infinito que se abre num precipício aos nossos pés e ameaça tragar-nos caso não sejamos capazes de dominar a vontade de o compreender. O mundo sempre foi grande mas agora abusa!

Onde vai o tempo da leitura preguiçosa, com tempo para saborear as palavras descobrindo o prazer da frase, a alucinação da imagem que se vai formando na caverna craniana? Esse era o tempo em que o tempo dava voltas sobre voltas, agarrado aos ponteiros do relógio no mostrador circular, num movimento de eterno retorno, ordenador.

Hoje o tempo segue desenfreado na linha contínua dos dígitos luminosos, segundo sobre segundo, dissecado à cagagésima parte, sem um momento de respiração, fugindo sempre para a frente e nós atrás, feitos carroça desengonçada, demasiado pesados para a força com que nos puxa e nos leva para lá do sol posto. É um tempo que dispensa quem lhe dê corda, um tempo verdadeiramente eterno e digital, um tempo sem tempo histórico, tudo moído e amassado como um croquete comido antes de ser frito.

Veio isto a propósito do texto que Pacheco Pereira dedica hoje no Público à memória de Sottomayor Cardia e à voragem do tempo que engole os seres humanos deixando deles uma sombra à guisa de recordação.

Sottomayor Cardia... lembras-te dele?

Visão


Adão e Eva de Jan van Eyck, pormenores

Ver é diferente de olhar. Acreditamos que a capacidade de ver, assim com olhos de gente, não estará ao alcance de toda a bicharada. Já o simples acto de olhar é modo de vida tanto para a galinha como para o elefante e demais criação divina que, por ora, vai povoando este planeta.

Do mesmo modo poderemos distinguir viver de existir. Mais uma vez queremos crer que a partezinha da divindade suprema que calha em sorte a cada um de nós nos permite compreender de forma particular o mundo que nos rodeia.

Assim, a existência estará para o olhar do mesmo modo que viver está para ver. Os bois olham o palácio, os seres humanos (mais afortunados) vivem nele. Tudo estaria bem caso estas capacidades fossem inatas no ser humano. Ver e viver.

O problema reside no facto de sermos demasiados os que nos comprazemos com a bovinidade de olhar e existir, pastando imagens que ruminamos com a placidez de qualquer quadrúpede mais pacífico, incapazes, sequer, de vislumbrarmos lá no fundo daquilo a que chamamos alma, o tesouro da visão que caracteriza a possibilidade de vivermos o mundo plenamente.
A aprendizagem da visão dura o tempo de uma vida. Nem todos parecemos interessados ou avisados para tão excelente trabalho. Estou em crer que reside na visão a possibilidade de sermos mais humanos e que, caso todo o ser humano tivesse acesso a uma educação visual mínima o planeta seria bem diferente.
Para melhor, é bom de ver, até as vacas e os bois teriam a possibilidade de serem mais felizes!

terça-feira, novembro 21, 2006

Grande animação!

Quem nunca viu não sabe o que está a perder. Esta peculiar série de animação saída da Aardman Animations tem a mãozinha marota de Nick Park, o criador dos imortais Wallace and Gromit e também do supersónico Chicken Run. Tudo material da primeiríssima qualidade!

Em http://www.creaturecomforts.tv/ pode o feliz leitor estabelecer um encontro imediato do 1º grau com os habitantes deste universo genial e avaliar a possibilidade vir a conhecê-los melhor.
O DVD (capa na imagem) está a bom preço no mercado (7€ mais coisa menos coisa) e contém dois discos com 13 episódios e making of ao longo de, aproximadamente, 140 minutos.
Como é para maiores de 6 anos até dá para ver com a pirralhada por perto sem temer um susto violento ao dobrar da esquina.

A série baseia-se na curta-metragem homónima de Nick Park que lhe valeu um Oscar em 1990 (ele já ganhou outros). A série é realizada por Richard Goleszowski responsável pelo abstruso Rex the Runt http://www.aardman.com/rextherunt/window.html .

Nick Park http://www.britmovie.co.uk/biog/p/006.html merece todos os elogios e ainda mais um tal a qualidade e originalidade do trabalho que se atreve a produzir e acaba por inspirar outros criadores mundo adiante como se pode verificar fazendo uma pesquisa no YouTube.
5 estrelas.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Quase um ano


No dia 28 deste mês faz um ano que surgiu este "100 Cabeças".
Em jeito de comemoração (ahahahah) aqui fica o primeiríssimo post da coisa.
Note-se como se mantém perfeitamente actual dada a intemporalidade do tema.

Questão de contexto

"A Fonte" foi eleita como a mais significativa obra de arte do século passado.O princípio consiste em retirar um objecto do contexto com o qual nos habituámos a relacioná-lo, dar-lhe um nome diferente e... aí está! Uma obra de arte completamente inesperada.

Mas... será esta atitude assim tão extraordinária?Quando passeamos a carcaça por entre as paredes de um qualquer museu, Europa adentro, admirando as obras expostas, estaremos tão longe do urinol de Duchamp quanto imaginamos?

O que diria um egípcio fabricante de sarcófagos ao ver a sua obra exposta sem pudor aos olhos de toda a gente?

E Bosch, ao ver a sua obra numa sala do Museu Nacional de Arte Antiga, junto a outras, igualmente retiradas do contexto para o qual foram criadas e ali espetadas para espanto do pessoal e demais papalvos?

Os museus são, na verdade, imensos depósitos dos mais variados readymade cuja principal qualidade é terem o condão de sossegar os visitantes quanto à grandeza do passeio que efectuam.

Tal como a montra do talho expõe o corpo retalhado da vaca, também o Museu expõe pedaços das criações de artistas e quejandos, roubados aos locais de origem, esvaziados de magia e significado, banalizando o acto criativo ao nível da bola de Berlim com um copo de água morna.

Talvez fosse melhor mijar no urinol de Duchamp.

domingo, novembro 19, 2006

Viva nós!

http://www.cristinasampaio.com/ quem não conhece as excelentes ilustrações de Cristina Sampaio?


Andamos às voltas com o melhor e o pior português, o melhor e o pior de ser português e outras bizantinices do género. Alguém nos chamou os latinos tristes, outros incluiram-nos no tristemente célebre eixo dos PIGS (Portuguese, Italians, Greeks and Spanish), os habitantes do ensolarado sul da Europa, mais lentos e desleixados que os nossos irmãos limpinhos do Norte, mais por causa do Sol que de outra coisa qualquer. Verdade, verdadinha, a quem pode isto aproveitar uma nesga que seja? Quer-me cá parecer que a ninguém! Fica, no entanto, o exercício sempre apetecível de dizer mal de fulano e endeusar sicrano, lembrar beltrano que tinha tanto para dar mas que a morte ceifou demasiado cedo. Contas feitas limpamos o sótão de alguns macaquitos mais sujos e cabeludos, abrimos as janelas e arejamos a coisa.

Amanhã iremos lembrar-nos de outros heróis e vilões que lhes correspondam e havemos de experimentar novas frases e novas comparações bombásticas entre pessoas e coisas, ou animais e pessoas, ou entre coisas e animais que parecem pessoas e nos fazem lembrar dessas coisas, o que for necessário ao eterno desporto nacional que o povo prefere e a nação acarinha: o Escárnio e Maldizer! É disto que eu sei, é disto que o meu povo gosta!

sábado, novembro 18, 2006

Fábula contemporânea

O governo do nosso país já foi como um bébé numa incubadora. Ainda por cima os irmãos mais velhos, os tios e os primos, que deveriam zelar pelo bem estar do pimpolho, divertiam-se a apontar-lhe os defeitos e iam profetizando desgraças que nem a bruxa má da Cinderela foi capaz de inventar.
Cada visita dos familiares era um risco para o bébé. É que não se limitavam a dizer mal. Não. Aproximavam-se ameaçadores, com sorrisos malévolos e davam uns abanões à coisa e puxavam os fios e riam-se das maldades que lhes passavam pela cabeça.
Esse governo era protegido por um menino muito corajoso, um pequeno campeão da saudade e da justiça. Alguns comparavam-no ao célebre Rambo, outros diziam que ele não prestava para grande coisa, mas acabou conhecido como sendo um menino guerreiro.
Apesar dos esforços do menino os familiares levaram a melhor e o pobre governo finou-se ainda antes de ter rastejado para fora da incubadora. Foi pena porque o menino cresceu e agora é que estava capaz de proteger um governo como deve ser mas parece que já ninguém confia nele o suficiente para lhe dar outra vez a responsabilidade de encabeçar uma vara ministerial.
O menino/homem regressou para se mostrar e contar as peripécias do tal governo franzino e enfermiço. Regressou para atormentar os maus e dar esperança aos bons.







quinta-feira, novembro 16, 2006

Maquinação

Posso estar a ficar paranóico, pode ser mera alucinação, mas tenho uma suspeita a bater-me na cabeça como um tambor à maneira dos Sex Pistols: estão a lixar a Escola Pública... de propósito!!!
Rais parta se não está tudo a convergir para que esta ideia meio destrambelhada ganhe sentido a cada dia que passa. Aliás, não será apenas a Escola que está a perder terreno, são demasiados sectores que vêem a ratazana do estado a fugir antes que as barcaças se afundem. Ele é a saúde, ele é a agricultura, as pescas, até a soldadesca se agita reclamando do Orçamento de Estado. Mas que raio de merda é esta? O que se passa?

No sector do ensino a tramóia já vem de longe. Desde há demasiado tempo a esta parte que os ministros que sentam o cú nesta pasta têm desinvestido forte e feio. A actual ministra então, abusa, como todos podemos ver. Menos dinheiro, anuncia o Ministro das Finanças e do Ensino nem um pio. Silêncio canino, obediente. Asneiras inacreditáveis cometidas a um ritmo alucinante e sem consequências de maior para tantos assassinos da escola pública, a impunidade é total. Ainda têm direito a louvores e carreira política. Cheira mal.

O caos está instalado. O cerco aperta sobre os professores, sobre os bons, sobre os maus, sobre os mais ou menos, levam todos pela medida grossa. Até parece que querem fazer-nos desistir da profissão. Quantos menos melhor. Mais se poupa em ordenados, piores são as condições nas salas de aula, a abarrotarem de criaturinhas com mochilas do tamanho de tanques de guerra. O ambiente está cada vez mais pesado. Dentro de meia dúzia de anos será insuportável.

De vez em quando há umas vozes habilitadas a reclamar o direito de os encarregados de educação poderem escolher livremente as escolas onde vão matricular os rebentos. Privadas incluídas. É claro que os filhos das classes médias também têm o direito de frequentar esses oásis de disciplina (tanga!) e com uma qualidade de ensino superior. É aí que se fala nos célebres cheques-ensino e ninguém treme. O Estado desinveste nas escolas mas investe no subsídio para engordar os lucros das privadas. Lindo! Os pobres terão de se contentar com escolas próximas da dissolução, com livros caríssimos, instalações decrépitas e professores desmotivados. O Destino está traçado.

Os filhos das classes mais favorecidas cumprirão o seu fado. Com um enquadramento familiar favorável e ambiente de trabalho muito superior, lá se vão preparando para ocuparem os cargos de direcção e governação, perpetuando a voracidade da sua condição social.
Cá para baixo, na base da pirâmide, acotovelam-se os mongas, destinados à servidão, ao trabalho precário e a uma existência baseada num desejo impossível de cumprir.

Têm razão os que garantem que não faz sentido falar em luta de classes. Não é uma luta, na verdade é mais uma guerra que aí vem.

terça-feira, novembro 14, 2006

Exposição

Está marcada para amanhã a inauguração da exposição Diálogo de Vanguardas que reúne obras de Amadeo e de uma série de ilustres vanguardistas seus contemporâneos. Será decerto uma exposição empolgante.
Quando ouço falar deste extraordinário pintor vem-me sempre à memória a primeira sessão da cadeira de Pintura do 3º ano, a que assisti na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Enquanto enumerava a sequência de trabalhos que teríamos de apresentar ao longo do ano lectivo, o professor Lima de Carvalho ia avisando os jovens alunos de que ali não seriam admitidas "picassadas" e elucidava-nos que Amadeo havia sido um "doentinho" que vivera demasiado tempo enfiado na sua quinta de Manhufe. Gil Teixeira Lopes estava calado e de cara fechada aterrorizando o pessoalzinho com o seu silêncio, pelos vistos concordando com as doutas palavras do colega. Isto passou-se para aí em 1984 e dá bem uma imagem da qualidade do ensino na ESBAL dessa época.
Sempre gostaria de saber se aquelas palavras eram verdadeiras ou se tinham apenas como objectivo encaminhar os nossos trabalhos num determinado sentido. Seja como for acredito que os meus "mestres" de então se contem entre os visitantes desta exposição que promete vir a ser um êxito.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Cazaquistão

Na próxima 4ª feira defrontar-se-ão em Coimbra (se Deus quiser) as selecções nacionais de futebol de Portugal e do Cazaquistão.
O acontecimento até poderia passar despercebido da maioria da população (onde é que o Cazaquistão fica no mapa?) não fossem as recentes broncas com a estreia do filme Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan http://www.imdb.com/title/tt0443453/.
Sacha Baron Cohen criou esta personagem mirabolante e tem conhecido um êxito tão extraordinário quanto inesperado. Agora, sempre que surge o nome Cazaquistão, toda a gente tem uma ideiazinha qualquer acerca do país. É certo que a imagem criada por Borat não será a mais lisonjeira mas este é o preço a pagar pelo estrelato alcançado.
4ª feira no Estádio Cidade de Coimbra haverá muitos sorrisos e bocas parvas, quem sabe se espectadores mais atrevidos não irão levar cartazes com Borat ou até mascarar-se para poderem gozar um bocadinho?
Não posso deixar de lembrar que este estádio foi um dos muitos reciclados ou construídos de raíz para o Euro 2004 disputado no nosso país. Este, como a maioria dos restantes, está sempre às moscas por falta de público deixando a céu aberto a falta de bom senso com que o referido campeonato foi encarado pelos diferentes poderes da nossa gloriosa nação tão necessitada de saneamento básico. Fala-se mesmo na necessidade de cortar os apoios à cultura para poder financiar a criação de esgotos. Tristonho, não?
Os vários mastodontes brancos que foram semeados por aí fora (o que pensar, por exemplo, do estádio do Algarve? O que é feito dele?) mostram bem o provincianismo atávico que caracteriza o portugalzinho das sandes de couratos regadas com belas cervejas "mines".
4ª feira lá estaremos, nódoa de gordura na camisa e arrôto à porta da boca, prontinhos a gozar com os cazaques graças aos destempêros de Baron Cohen e vamos rir. Mas, verdade, verdadinha, vamos rir de quê, exactamente?

domingo, novembro 12, 2006

Unidos como os dedos da mão

XV Congresso do Partido SocialistaMoção de Sócrates aprovada por esmagadora maioria 12.11.2006 - 13h22 LusaA moção "O rumo do PS: Modernizar Portugal", que tem como primeiro subscritor José Sócrates, foi hoje aprovada no XV Congresso do PS pela esmagadora maioria dos 1800 congressistas, com apenas um voto contra e seis abstenções.
O único voto contra a moção de José Sócrates partiu da deputada Helena Roseta.
A moda parece estar a pegar. Depois da quase unanimidade na eleição de Luís Filipe Vieira para o cargo de presidente do Benfica; depois da eleição de Kim Jong Il como supremo líder da nação Norte Coreana sem um pio discordante, chegou agora a vez de José Sócrates mostrar ao país a importância de estar no poder e ter a coisa bem controlada.
Os congressistas mostraram o vigor do partido e a pluralidade de opiniões que sempre o caracterizaram.
Ao que parece apenas Helena Roseta (na foto) levantou a voz para contrariar a pasmaceira unanimista do congresso. Dizem as más línguas que o problema dela é, na verdade, com a sua cabeleireira e que, caso tivesse direito a um penteado menos obnóxio decerto alinharia com os restantes camaradas que continuam a ver nela um submarino do PPD que está ali com a única finalidade de aborrecer quem não merece ser aborrecido.

sábado, novembro 11, 2006

Lá vai um...

Aqui há uns tempos ouvi alguém dizer que a eleição do presidente do Estados Unidos era um assunto demasiado importante para ser da exclusiva responsabilidade dos cidadãos dos states. Todos os cidadãos do mundo deveriam ter direito a voto. De tão estapafúrdia a ideia até faz algum sentido.
Na 3ª feira passada o pessoalzinho esteve atento às peripécias da eleição para o senado e congresso americanos. A coisa acabou por correr mal aos republicanos, como se esperava. Ao que parece a desgraça iraquiana sempre tem algum eco em eleições nacionais. Em termos de publicidade negativa os democratas não precisaram de investir tanto como os seus adversários. Basta assistir a um serviço noticioso e tem-se ali escarrapachada a estupidez dos que levaram o Iraque à beira do precipício em que se encontra. Tão escarrapachada que até o eleitorado que já deu duas oportunidades a Bush de mostrar aquilo que é acabou por perceber que tinha feito merda em elegê-lo.
Bush, percebendo que a coisa está mesmo bera, tomou um medida de grande alcance político, uma daquelas coisas que mostra grandeza de espírito e largueza de horizontes: deixou cair Rumsfeld, o arquitecto da desgraça.
Bush, a partir daqui, é um fantasma.

Se fosse ano novo...

... comia uma fatia de bolo-rei. Um jornalista mais ingénuo pediu a Cavaco uma reacção à condenação à morte de Saddam. O presidente ficou incomodado, não respondeu. Precisou de 24 horas para construir uma opinião? Tenho pena que o nosso presidente confirme constantemente a sua proverbial falta de agilidade de raciocínio.
Ele, que tem sido tão opinativo nos discursos (que lê), não tem opinião sobre um assunto político tão importante? Ainda por cima levou 24 horas a descobrir que subscreve a posição da União Europeia.
É triste mas é assim mesmo.

Parece mentira

No Conselho de Segurança das Nações Unidas Estados Unidos vetam resolução que condena operação militar israelita em Gaza
11.11.2006 - 18h08 AFP, Reuters
Os Estados Unidos vetaram hoje no Conselho de Segurança das Nações Unidas um projecto de resolução árabe que condena as operações militares de Israel na Faixa de Gaza, bem como os ataques palestinianos contra Israel.

Não é por nada, mas se eu fosse palestiniano ia decerto imaginar que os EUA e os israelitas estavam combinados para me lixarem a vida (transformando-a em morte).


Se, por um acaso do destino, fosse um palestiniano com acesso a informação que me permitisse saber que numa outra votação que tem dado que falar (e que tem feito sorrir muita gente) os israelitas foram os únicos em todo o mundo a apoiarem os EUA em mais uma das suas medidas punitivas, então a suspeita daria lugar à certeza: estes dois países são governados por tipos que se apoiam mutuamente para encobrirem ou permitirem todo o tipo de crimes que pretendam levar a cabo em nome do direito internacional.


Parece mentira, parece impossível que possa haver governos saídos de eleições democráticas capazes de engendrar planos tão maquiavélicos e influenciem negativamente as vidas de milhares de pessoas em locais tão afastados no planeta como são a Palestina e Cuba. Parece mentira mas parece também que é verdade.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Cuba libre*




As imagens são actuais. As personagens são verdadeiras.
O bloqueio engana-se com imaginação e alguma dose de humor.
Nalguns casos não tem graça nenhuma, mas este "bus" às costas de um camião...


A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou esta quarta-feira uma resolução por esmagadora maioria, pedindo o levantamento do embargo económico a Cuba imposto pelos Estados Unidos, que se mantém desde 1961.
Denominada “Necessidade do levantamento do bloqueio económico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos Estados Unidos”, a resolução não tem carácter impositivo, apenas reflecte a opinião da comunidade internacional.
A resolução reuniu 183 votos a favor, quatro votos contra, dos Estados Unidos, Israel, Palau e Ilhas Marshall, e uma abstenção, da Micronésia.

Há coisas que não se explicam. Há outras coisas que se percebem muito bem. Se o embargo dos EUA à ilha do Fidel ditador merece uma reprovação absoluta no quadro das Nações Unidas é porque há ali porcaria da grossa. São 183 nações a afirmar que se deve pôr termo ao embargo. Os apoios dos EUA, além do eterno cão-de-fila israelita, não chegam sequer a ser ridículos.

Há quem pense que, tal como no caso do Iraque, a admnistrição americana comete, também aqui, um erro de apreciação grosseiro e mesmo contraproducente. A estratégia para acabar com a ditadura castrista tem-se revelado inadequada.
O verdadeiro problema da ditadura castrista será a abertura total ao exterior, impedir essa possibilidade de abertura é fazer um favor aos manos Castro lá daquelas bandas. Quanto mais o "animal" é acossado mais fundo se esconde na toca e mais difícil é convencê-lo a deitar o focinho de fora.
É o que dá querer caçar um rato inteligente com um elefante que sofre de atraso mental e nem sabe o que é a sua tromba.

Paradoxalmente imagina-se que uma Cuba democrática será, numa primeira fase, um perigo total para a esmagadora maioria dos cubanos. No dia em que o regime dos manos Castro vier abaixo aquela ilha vai ser devorada por uma matilha de multinacionais dos mais variados negócios e não se sabe se irá sobrar alguma coisa para, numa segunda fase, se poder construir um país verdadeiramente democrático.

Já percebemos que o pacote estratégico dos EUA com "liberdade/democracia/consumo" é para aplicar tipo supositório metálico, coisa que o "beneficiário" nem sempre está disposto a permitir que lhe metam no respectivo local.

*Rum com Coca-Cola?

quinta-feira, novembro 09, 2006

Anda, Pacheco!*


"A diferença entre um quiosque e a blogosfera" é o título de um interessante texto de Pacheco Pereira no Público de hoje, não se encontrando disponível on line para quem não for subscritor da edição virtual daquele diário resta a leitura em papel.
Pacheco Pereira tem-se distinguido enquanto um entusiasta do blogue e desenvolve neste artigo um raciocínio bem caraterístico com alguma graça e qualidade literária q.b. oscilando entre a lucidez esclarecida e uma espécie de malandrice, quase traquinice, quando passa uma ou outra rasteira mais inesperada ao leitor desprevenido.
Um texto recomendável para a generalidade dos cidadãos mas, muito particularmente, recomendável para os bloguistas mais ou menos militantes.
Defende Pacheco Pereira a ideia de que 90% da produção dos blogues é lixo e o resto aproveitável. Na próxima 5ª feira irá dissertar sobre os tais 10% nos quais O Abrupto deve ter parte de leão, imagino. A não perder, caros compinskas.

*Expressão característica da fadista Hermínia Silva como forma de incentivo para um dos seus guitarristas (ou seria o viola?) e divertimento do público.

Alguém deixou a informação num comentário anónimo: o texto referido neste post está disponível n'O Abrupto (onde mais?). Tem ainda uma série de imagens que ilustram a prosa, conferindo-lhe (aida) maior brilho. Obrigado Anónimo, obrigado Pacheco.

terça-feira, novembro 07, 2006

Subsídiodependentes


Três famosos subsídio dependentes:
Mozart, Leonardo e Moliére

Rui Rio demonstra ser uma espécie de déspota iluminado. A sua decisão de cortar os subsídios para a cultura na cidade do Porto mostra como está muito à frente da nossa época no que respeita a perspectivas de governação da coisa pública.
A arte só é Arte quando tem a caução do público. Se o povo não adere ao porjecto de um artista é prova segura que esse projecto não presta.
Parece evidente que todo e qualquer criador que não tenha público e não consiga subsistir com o resultado liquído do fruto do seu trabalho só pode ir estender a mão para a porta da igreja aos domingos de manhã. Ah, grande Ruca, se não fosses tu não teria nunca compreendido tamanha evidência que sempre esteve ali, à frente do meu nariz e eu sem perceber nada!
Mas, Rio, meu amiguinho, terá sido sempre assim? Ponho-me a pensar e o meu nariz, teimoso como uma mula, começa a tapar a evidência. Se não tivesse havido déspotas que exploravam o povo para depois erguerem pirâmides e construirem palácios (oh, Versailles...), se não tivessem existido papas mais vaidosos que a deusa da beleza (oh, Sisto e a sua capela...), se não tivesse havido tanto investimento a fundo perdido em obras de arte que, ainda por cima, eram para consumo de reduzidíssimas elites o que seria da grandiosa história da humanidade tal como hoje a conhecemos?
Leonardo teria podido explanar todo o seu génio caso não andasse constantemente de mão estendida a saltar de patrono em patrono, à procura de bem-estar pessoal? E que dizer do imortal Mozart, esse verdadeiro pedinchão?
Caramba, ouvindo o que dizes e seguindo o teu raciocínio, caro Ruca, as coisas parecem evidentes. Mas quando penso durante... digamos, trinta segundos, tudo isso me parece uma tremenda estupidez e, de repente, vejo-te apenas pequenino e rancoroso, incapaz de ganhar dimensão suficiente para desempenhares o cargo de que foste investido.
Mas, decerto, estou enganado. Tu és um gajo do caraças, nós é que não te compreendemos.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Arte, para que te quero!?

Tríptico da Salvação, RSXXI, acrílico sobre papel, 2005
(clicar sobre a imagem para visualização mais apropriada)

Afinal de contas para que poderá servir a pintura numa época que se reclama pós-moderna? Para reflectir sobre os seus códigos próprios e os seus limites e fronteiras? Para exposição mais ou menos apática das minudências esquemáticas do ser que a produz? Faz sentido rebuscar na tradição pictórica temas e narrativas, revestindo tudo com novas perspectivas observadas à luz da época contemporânea actual? Porra, que sentido pode ter a produção artística num contexto tão fragmentado e longínquo de si próprio como aquele em que nos movemos quotidianamente?
Correndo o risco de parecer um tremendo bota-de-elástico (que expressão mais démodée!) reclamo o regresso de uma dimensão moralista em que o discurso sobre a virtude e o vício ganha forma metafórica, à maneira dos neoclássicos, despindo-lhe o carácter académico do discurso formal. Ou, dourando um pouco a pílula, engajando o discurso pictórico a causas sociais e políticas definidas como fizeram os pintores do realismo oitocentista ou alguns expressionistas e dadaístas, lá mais para a frente e mais cá para trás.
Penso que só faz sentido pintar quando se pretende intervir. A arte pela arte, a arte sem objecto, a arte que discursa sobre questões abstractas da relação dos elementos básicos da linguagem visual com o campo limite e suporte dos materiais actuantes, parece-me uma absoluta chatice, incapaz de fazer com que o olhar do espectador ultrapasse o estado de bovinidade que atingiu por causa da indiferença relativista que a modernidade anunciou e a pós-modernidade adoptou como estratégia de artistas diletantes, mestres da pose mediática e ignorantes absolutos das técnicas e dos discursos históricos.
Reclamo então que a arte deve regressar ao campo de batalha de forma agressiva e discursando ininterruptamente sobre as questões do mundo circundante, olhando-o, criticando-o, tentando forçar a iluminação do espírito que a observa. Com brutalidade e contundência. Não há outra forma de o fazer.

domingo, novembro 05, 2006

3 notas


nota 1.Mais seis países árabes, de Marrocos aos Emirados Árabes Unidos, pretendem iniciar programas nucleares com fins pacíficos, dizem. Já agora e assim com assim, porque não? O número de dementes absolutos com acesso a armamento nuclear já é suficientemente preocupante. Mais um ou outro não virão acrescentar grande mal ao mundo. O mal já cá está e é por cá que vai ficar. A menos que uma guerra nuclear venha a ter batalhas na Lua ou coisa que o valha. Um dia a vida na Terra vai acabar, quanto mais não seja quando o Sol se extinguir. E Deus? Morrerá também?

nota 2. A campanha eleitoral para o Senado nos EUA tem mostrado até que ponto a liberdade de expressão pode ser um espelho límpido da baixeza humana. Os métodos utilizados são frequentemente deploráveis e os gastos na produção dos spots verdadeiramente astronómicos. Sendo os EUA o modelo democrático mais desenvolvido (dizem por aí) devemos concluir que mais dia menos dia teremos campanhas na Europa com o mesmo nível de devassa da privacidade dos candidatos? Se bem estamos lembrados, na campanha para as Legislativas que deram a maioria absoluta ao PS, Sócrates foi atacado por um boato que colocava Diogo Infante no centro de um argumento miserável. Resultado? Sócrates é 1º ministro e Diogo Infante director do Maria Matos. Talvez isto constitua prova de que, entre nós este género de merda mediática ainda vai levar algum tempo a vingar. Deus nos ouça...

nota 3. Rui Rio deu mais uma prova de falta de cultura democrática (estou a ser simpático e a conter-me na apreciação deste cromo) decretando o fim da atribuição de subsídios a fundo perdido com o aval do executivo camarário a que preside. Este ser vivente mostra como o sistema democrático pode falhar quando elegemos bimbos mal educados e com mais complexos que Napoleão e Hitler juntos num mesmo corpinho. Apesar do gel no cabelo e do sorriso liofilizado, Rio não passa de um pequeno ditador (baixote mesmo) que nada fica a dever aos atrás citados, apenas se distinguindo deles pela dimensão dos poderes que manipulha (este erro ortográfico não é inocente).

quinta-feira, novembro 02, 2006

Cinzento

Os Filhos do Homem
Título original: Children Of Men De: Alfonso Cuáron Com: Clive Owen, Julianne Moore, Michael Caine. Género: Dra, Thr Classificacao: M/16 2006, Cores, 109 min.

argumento

2027, os últimos dias da raça humana. O planeta caiu na anarquia total, provocada por um problema de infertilidade na população. A Humanidade enfrenta a possibilidade da sua própria extinção. Em Londres, cidade dividida pela violência de grupos nacionalistas, Theo (Clive Owen), um desiludido burocrata, torna-se no improvável defensor da sobrevivência do planeta, quando se vê obrigado a enfrentar os seus demónios e a proteger Kee, uma mulher grávida.

PUBLICO.PT
Aí está um filme daqueles que, sendo a cores, acabam por dar ao espectador a sensação de uma infindável gama de cinzentos, parecendo nunca tocar os extremos, deixando de fora o preto e o branco.
Os temas que aborda não são dos mais coloridos: o terrorismo da Internacional Bombista, a xenofobia, o estado policial, as políticas anti-migrações, o individualismo conformista versus a vertigem iluminada dos extremistas revolucionários e, por fim, o decréscimo da fertilidade levada ao extremo, num mundo em que o mais jovem dos cidadãos tem 18 anos de vida.
O filme tem alguns problemas ao nível da narrativa. Colocando a acção num futuro próximo e num mundo que nos é familiar, bate-se com a necessidade de explicar tudo e não o explicar completamente uma vez que o espectador será capaz de preencher os vazios narrativos de forma dinâmica, socorrendo-se da sua própria experiência e conhecimento da actualidade. O resultado não é lá muito eficaz.
Por outro lado as personagens acabam por não ganhar espessura suficiente, refugiando-se com frequência num certo estereotipo algo maniqueísta. Mas, por outro lado, há desempenhos interessantes, nomeadamente o de Clive Owen, um actor cada vez mais brilhante em cada filma que passa.
Assim, aos tropeções, o filme avança. A uma aturada construção visual, coroada com alguns planos e sequências de grande eficácia, opõe-se algum arrastamento narrativo, resultando num objecto cinematográfico algo desiquilibrado e cinzento como um moribundo. O tom geral é de grande sufoco e o ambiente na sala pesa como chumbo.
No final um raiozinho de esperança para desanuviar um pouco.
Enfim, caso não haja nada de muito mais interessante para fazer poderá ser um filme a ver, sabendo de antemão que não se trata de nada de extraordinário. Digamos que merece uma estrela e uma palmada na testa (sempre poderá gerar mais uma ou duas estrelas, dependendo da palmada e dependendo da testa).

quarta-feira, novembro 01, 2006

Ricochete e vingança


O Haloween é uma prótese estranha no actual calendário em Portugal. Os mais jovens não se atrapalham. Para eles trata-se de mais uma festa como tantas outras. Não precisa de justificação. É como o São Valentim com o seu aberrante "be my valentine" estampado em almofadinhas com forma de coração que os namorados oferecem às namoradas e vice-versa, como se aquilo pudesse significar alguma coisa!
É nessa linha que podemos encontrar, no Haloween, rapariguinhas disfarçadas de bruxas ou Batmans fora de época.
A importação e consequente enxerto deste corpo estranho no calendário festivo do Velho Continente é mais um ricochete vindo da América. Uma espécie de vingança.
Os europeus foram para lá, colonizaram, exploraram, transformaram por completo o destino que os deuses locais tinham planeado para os respectivos adoradores e queríamos nós que tal afronta não tivesse consequências? Passados alguns séculos começamos a receber o ricochete das nossas acções. Os Espanhóis levam com as novelas mexicanas e nós com as brasileiras, os ingleses e restantes europeus têm de se haver com as estrelas de Holywood como se elas fossem uma espécie de semi-divindades, oráculos da felicidade ou coisa que o valha. Levamos também com o Haloween e com a substituição do Entrudo pelo Carnaval, com desfiles de mulheres semi-nuas em pleno mês de Fevereiro pelas ruas da Mealhada ou de Loulé, como se isto fosse um imenso sambódromo repleto de papalvos que nunca pousaram a vista num seio destapado que não fosse o da mãe quando ainda mamavam.
Não sei se é vingança dos antigos deuses americanos ofendidos pela invasão e pelas religiões evangélicas, mas lá que o resultado é grotesco...