sexta-feira, dezembro 30, 2011

Falência democrática



A notícia era discreta, ocupando apenas um cantinho da página 9 da edição do jornal Público no dia 22 de Dezembro: Portugal tem uma “democracia com falhas”, dizia o título. 

Lendo a noticiazinha ficamos a saber que, em 2011, o declínio da democracia se concentrou na Europa (Finlândia, Irlanda, Alemanha, Portugal, Itália e Grécia). Todos os países da lista perderam pontos principalmente devido à erosão da soberania associada aos efeitos da crise, a União Europeia a encontrar no declínio da democracia um ponto forte das suas políticas. 

De há uns tempos a esta parte que se fala por aí, à boca pequena, do conceito de Pós-democracia, um conceito que seria interessante debater de forma mais alargada mas que, estranhamente, tem sido muito pouco (ou mesmo nada) divulgado nos meios de comunicação social. 

Podemos caracterizar a Pós-democracia como um regime em que somos governados por grupos económicos que não se sujeitam ao escrutínio popular e se representam exclusivamente a si próprios fazendo prevalecer os seus interesses particulares em detrimento dos interesses colectivos. 

Bastaria olhar para a forma como os actuais primeiros-ministros da Itália e da Grécia chegaram aos cadeirões que agora aquecem e, mais curioso ainda, observar os respectivos currículos em instituições financeiras com muitas culpas no cartório do afundamento geral das economias europeias.

Estes homens não foram eleitos, o que nos leva a um patamar superior da Pós-democracia: os responsáveis políticos são cooptados entre ex-dirigentes de grupos económicos, não se sujeitando ao escrutínio popular e representando exclusivamente os interesses particulares desses grupos em detrimento dos interesses colectivos.

É complicado viver a História antes de ela ser escrita e vertida devidamente em manuais escolares nas páginas correspondentes, para que possa ser estudada com a distância que se impõe à formação de ideias claras e conclusões avisadas. Talvez, dentro de algumas décadas, os tempos que agora vivemos venham a ser considerados como a época da falência da democracia, a génese de uma nova ordem mundial, saída daquilo que designamos por “globalização”. 

Talvez os tempos que agora vivemos venham a ser considerados como a época em que o “sonho americano” foi substituído pelo “pesadelo chinês”, os tempos em que os cidadãos das ex-democracias foram confrontados com um novo paradigma social: trabalhar cada vez mais, receber cada vez menos e ir perdendo todos os direitos que caracterizavam os “estados sociais” que evoluíram ao longo de décadas após a 2ª Guerra Mundial. Talvez as coisas venham a ser assim ou, quem sabe, talvez nada disto venha a acontecer.

Olho para o nosso primeiro-ministro, para a forma como o actual governo português tenta governar a crise e não me sinto particularmente optimista. Sinto-me até muito pessimista. Apetece-me virar as páginas do jornal rapidamente até chegar à secção de desporto ou, então, ler o jornal de trás para a frente. É preferível observar as tabelas classificativas dos vários campeonatos de futebol por essa Europa fora a concentrar a atenção nas oscilações da Bolsa.

Este texto foi enviado para a Directora do Público.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Imprecação ao Ano Velho

Agora que estás a apagar-te posso dizê-lo: foste um desastre! E, como te restam apenas uns diazitos de vida, não tens hipótese de remissão. Meteste nojo, fizeste merda, não prestas para nada a não ser para acinzentares ainda mais o tempo que aí vem. És uma promessa estragada.
Tiveste os teus dias bons, concordo. Nem sempre foste a coisa má que agora pareces ser, admito, mas, tudo somado, só soubeste defraudar aqueles que em ti acreditaram e em ti imaginaram um futuro melhor que agora se revela um passado para esquecer.
Só uma coisa te pode salvar; que o Novo Ano seja ainda pior do que tu foste. Só isso poderá fazer com que alguém ainda venha a ter de ti uma leve aragem de saudade.
Cheiras mal mas pode ser que o que aí vem cheire pior e pronto! Lá te safas de um enterro sem ninguém que te chore ou te deixe um malmequer a enfeitar a campa.
Adeus, ó vai-te embora!

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Dívidas são para pagar

"A Dívida" é um filme sem qualquer tipo de efeito especial (talvez uma coisinha ou outra, a fazer o espectador dar um salto na cadeira, mas é coisa pouca). É um filme que vale pelo argumento, pela narrativa, em elegantes flash-backs, e, sobretudo, pela presença magnética de Helen Mirren, uma actriz fora-de-série.

As variações de ritmo abanam o coração de quem assiste e as reviravoltas e surpresas são uma constante. As personagens são convincentes e os maus são muito piores que os bons (que são dificeis de descortinar). Vi o filme sem saber nada, mesmo nadinha, sobre o argumento. Talvez por isso tenha saído da sala com a sensação de plenitude que ainda guardo na cabeça.

Um filme denso e interessante do primeiro ao último minuto.

terça-feira, dezembro 27, 2011

Olhos em bico

Há uma expressão que se utiliza no nosso país que é "ficar com os olhos em bico". Utiliza-se quando alguma coisa nos impressiona ao ponto de nos deixar "com os olhos em bico". Ficamos estupefactos, estupidificados, assombrados, zonzos, surpreendidos, desorientados, em suma, corta-se-nos a respiração ao ficarmos "com os olhos em bico".

Com a venda de uma fatia considerável da EDP à Three Gorges Corporation a expressão pode vir a ganhar um novo significado.

Sem tecer considerações sobre este estranho processo de privatização que consiste na venda de capital a uma empresa pública chinesa, fica a notícia de que a coisa caíu bem entre os nossos novos amiguinhos. "O processo foi muito justo, objetivo e transparente (...). A decisão do governo português criou um bom exemplo e estabeleceu um bom precedente", disse à agência Lusa em Pequim o presidente da China Three Gorges Corporation (CTG), Cao Guangjing (lê aqui se estiveres para isso). O senhor Cao Guangjing rematou, dizendo que "A Three Gorges é uma empresa muito conhecida na China (...), Os bancos e outras empresas chinesas irão seguir-nos".

Ao que tudo indica, depois dos restaurantes e das lojas dos chineses, chegam agora as grandes empresas e os bancos do Império do Meio. "Mais negócios poderão seguir-se, à medida que as enfraquecidas economias europeias procuram clientes para ajudar a resolver as suas dívidas", disse o "China Daily" ao anunciar o resultado do concurso internacional para a privatização da EDP.


Já aqui escrevi mais do que uma vez sobre a troca do "sonho americano" pelo "pesadelo chinês". Todos os portugueses estão perante a crua e dura realidade que é "trabalhar mais, receber menos e perder direitos". Ao que parece esta é a receita para um novo modo de vida que se anuncia já para o próximo ano que está aí a rebentar, não tarda. O futuro promete deixar-nos com os olhos, cada vez mais, em bico.



sexta-feira, dezembro 23, 2011

A casa


O dia de Natal aproxima-se, é tempo de viajar até casa.
Há 30 anos que saí da minha cidade natal e tenho sempre vivido por estes lados. Há muitos anos que moro no apartamento onde escrevo estas palavras (penso que há 18 anos). É um bom lugar, já repleto de memórias, mas quando regresso às origens digo que vou para casa.

Não há nada a fazer. Mesmo que só lá vá duas ou três vezes por ano, mesmo que tenha uma família e este lugar, onde vivo a maior parte do tempo, a minha casa será sempre ali.

Boas Festas e até breve.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Kim III

Eu sei que não sei grande coisa sobre o que se passa na Coreia do Norte. Eu sei que, para um gajo que vive neste lado do planeta, é complicado compreender o que vai nas cabeças dos norte-coreanos quando choram assim, como madalenas arrependidas, baba e ranho, perante as imagens dos seus queridos líderes feitos múmias ou, mais simplesmente, transformados em memórias. Eu sei.

Além do que acima fica escrito também me faz confusão que os comunistas que conheço fiquem todos eriçados quando se fala mal da Coreia do Norte. Agora que o mundo contemporâneo se torceu todo de fora para dentro e de dentro para fora, resta-lhes este cadáver político e social como âncora ideológica, o que não deixa de ser paradigmático da fome doutrinária que passam.

Como pode ser comunista um país onde o poder é hereditário, passando de pai tirano para filho? Qual  a sustentação ideológica para esta situação aberrante? Como designar o regime norte-coreano? Monarquia?

Deixem-me finalizar este post meio macaco dizendo que a morte de Kim II me tocou tanto como a do Kim que o antecedeu na cadeira de rei da Coreia do Norte. Dois gordos que governaram com pata de ferro um país de pobres escanzelados e  que agora têm em Kim III um herdeiro gordo e seboso como eles.


terça-feira, dezembro 20, 2011

Drive


Primeiro dia de férias (primeira tarde, na verdade ) e uma ida ao cinema com a família para assistir a "Drive", um filme do qual não tinha a mínima pista. Gosto de ver filmes sem saber nada sobre eles. A surpresa agradável ou enfado absoluto estão no horizonte próximo do écrã, gosto disso.

Uma plateia com pouco mais que uns dez/quinze espectadores, quase todos adolescentes carregados de pipocas e baldes de cola, um ou outro boné daqueles tipo "gangsta", telemóveis incansáveis, uma vontade enorme de não-sei-quê. O costume. Falatório, risinhos, namoricos, a esmagadora maioria dos espectadores estavam ali para qualquer coisa que não era ver o filme, mas outra coisa, uma coisa que me escapa apesar de tão banal e repetida.

O filme começou com uma cena muito bem montada, grande suspense, a personagem principal, interpretada pelo novo actor do momento, Ryan Gosling, apresenta-se: denso, tenso, algo misterioso. O ritmo é variado. Ora rola sonolento, ora irrompe em acção frenética e, mais lá para a frente, explode em cenas de hiper-violência. Um objecto cinematográfico com estilo e algumas soluções visuais de grande intensidade e beleza. Outras simplesmente horrendas, a ponto de me fazerem virar a cabeça e trocar olhares (esgares) com as minhas companheiras de plateia.

Quando o filme acabou não restou grande coisa. A profundidade do argumento não é o forte de "Drive". É mais o exercício de estilo.


sábado, dezembro 17, 2011

Parabéns a esta coisa

Ando tão ali que nem reparei no aniversário do 100 Cabeças, uns dias antes do dia de hoje (foi a 28 de Novembro, aqui o 1º de todos os posts). Aniversário de Blogue é coisa sem bolo nem velas nem amigos nem presentes, é coisa vazia, como um copo partido.

Tem seis anos, o 100 Cabeças, mas é como se tivesse pouco mais que uma semana. Escrever é, por vezes, uma tarefa puxada. Noutras ocasiões os dedos martelam as teclas tão depressa que até me convenço que sei escrever à máquina.

É estranho, andar aqui, escrever isto e deixar o escrito assim, como que pregado na parede, à porta da mercearia. Qualquer um pode ler. Conhecidos, desconhecidos, assim-assim e mais ou menos. Basta ter olhos e não estar com demasiada pressa.

Os Blogues já tiveram maior impacto e menos concorrência. Mas, tal como os jornais impressos vão perdendo leitores, também estas coisas virtuais se vão esvaziando e perdem clientela para as redes sociais tipo Facebook (há outras não há?).

Quer-me cá parecer que quem escreve estes jornais de parede, porque sim e não porque não, não esmorece. E continua. Parabéns a esta coisa (atrasados, mas não faz mal).

terça-feira, dezembro 13, 2011

Pensamento (quase) idiota

Um espectro assombra o sossego da velha Europa. É o fantasma horroroso do desentendimento, a sombra imensa da Torre de Babel que se projecta ameaçadora sobre os centros comerciais, os stands de automóveis de luxo e os resorts algarvios. O povo treme com receio de vir a ficar com os olhos em bico e os ricos das nações europeias agitam-se por perceberem que não são tão glamourosos como imaginavam. O mundo reposiciona-se e, neste movimento com que se ajeitam os rabos mais gordalhufos, muitos dos que até agora cagavam sentenças percebem que estão a ficar de rabo ao léu, perdendo o poder de defecar onde muito bem lhes apeteça. Não sei se fique triste ou se fique contente. Os pobres e os desprotegidos são as primeiras vítimas (é de ficar triste) mas, a seguir, vão caír muitos dos ricos e poderosos (é de ficar contente?). As paredes tremem, os tijolos desmoronam-se... a sombra do fantasma alonga-se, como a sombra de um pinheiro alto no fim de uma tarde de verão muito comprida.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Idade adulta

Muito se fala sobre ser adulto, ser infantil, ser adolescente, ser cão, ser avião ou, mais simplesmente, não ser nada de nada ou uma outra coisa qualquer. É tudo uma questão de identidade, uma forma de procurar a definição exacta de uma pessoa. Como se isto de ser ou não ser fosse questão com resposta objectiva, mensurável, catalogável e, finalmente, passível de arrumar na prateleira correcta, no lugar absoluto e inquestionável que cada um de nós ocupará, infalivelmente, no universo das coisas tangíveis.

Pois eu não estou nada de acordo. Nem com isso (com o quê, exactamente?) nem com o seu oposto, que é a mesma coisa vista ao contrário. Apesar de já levar umas quantas décadas a andar por aí, não posso afirmar com segurança que sou um adulto. Se o fizesse estaria a mentir-te, caríssimo e impagável leitor, e a enganar-me a mim próprio, autor meio desvairado destas linhas que, aparecendo aos nossos olhos na horizontal, são, na verdade, oblíquas, sinuosas e, acima de tudo, muito, mas mesmo muito, maldosas, benza-as Deus Nosso Senhor.

De cada vez que estou perto dos meus pais, mais da minha mãe, estou em crer, há qualquer coisa dentro de mim, penso que seja uma peça, que me faz sentir infantil. Na verdade é a sensação de ser filho, o que equivale a uma sólida sensação de infantilidade. Posso ter quase 50 anos, mas a proximidade dos meus progenitores devolve-me a doçura da infância. Garanto-te, leitor amigo, se não fosse o espelho implacável, poderia imaginar-me de novo com o cabelo todo no lugar e os pulmões mais limpos que o chão da cozinha após a passagem da esfregona com desinfectante, a cheirar a flores selvagens.

O dia virá em que os meus pais se irão. Talvez nesse dia eu me transforme, finalmente, nessa coisa que é ser um adulto. Até lá, juro a pés juntos, continuo a ser uma criança. Com barba e pouco cabelo, com barriga e demasiados vícios, mas criança. Uma criançola apenas. O que já não é pouco, diga-se de passagem.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Estranha beleza

Nesta vida tudo se paga, nada nos é oferecido. Os americanos dizem que "não há almoços grátis", os  portugueses afirmam que "quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga", cada povo reza as suas sentenças o que mostra muito da forma como vê o mundo que o rodeia.

A notícia de que Pequim está encerrada numa colossal nuvem de poluição não deverá surpreender ninguém (ver aqui). A degradação das condições de vida é o preço a pagar pelo extraordinário crescimento económico. A China não pode tornar-se a maior economia do mundo sem pagar bem paga tal façanha. É este o modelo civilizacional a que aspiram as grandes nações do nosso mundo?

Vejamos a coisa pelo lado das oportunidades; um empresário com visão de futuro e olho para o negócio poderá investir na criação, produção e comercialização de uma linha de máscaras de oxigénio. É um produto com muito futuro nos mercados asiáticos hoje e, amanhã, no resto do mundo! A economia é uma ciência autónoma e tem a sua estranha beleza.

sábado, dezembro 03, 2011

Faces

Não deve haver nada pior que a obrigação de simpatia, a necessidade profissional de afivelar um sorriso quando a vontade é estar com a cara que temos e não aquela que outros nos querem ver trazer agarrada ao cimo do pescoço.

Vem isto a propósito daqueles programas que passam na TV nestes inícios de tarde de fim-de-semana, onde os canais televisivos promovem os seus produtos comerciais (telenovelas, programas de "famosos" e outras coisas do género) com "entrevistas" às personagens que fazem as caras dos seus écrãs.

Toda a gente conhece toda a gente, toda a gente é absolutamente bonita e especial e toda a gente tem coisas fôfas a dizer de toda a gente, desde que faça parte da respectiva "família" que é a do tal canal de TV, seja público ou privado.

A coisa é tão forçada que apenas encontro paralelo nas caras que fazemos quando, sentados na sanita, nos vemos e desejamos para descarregar a tripa. Corados, meio desfigurados, ao sentir aquele desprendimento magnífico, estamos capazes de assegurar ao mundo como o amamos por nos sentirmos tão mais leves.

Nesses curtos momentos a felicidade é visível e não é necessário fingir um sorriso tão rígido que, vendo bem, é apenas um esgar desesperado, nem dizer aquelas banalidades estupidificantes que os tais programas nos impingem com imagens de carinhas sorridentes, de um "kisch" assustador, que nos ilustram o écrã.

Nauseante.

terça-feira, novembro 29, 2011

Um português no Brasil

valter hugo mãe na Flip, Festa Literária Internacional de Parity (para ver melhor clicar aqui), no Brasil. este post é dedicado aos meus amigos brasileiros que me visitam aqui, no mundo virtual.

segunda-feira, novembro 28, 2011

Tudo isto é triste, tudo isto é fado!


"Decisão aprovada: O fado já é património mundial." e pronto, está feito. Muita emoção e comoção e lágrimas e violas a trinar pelas vielas, o fado é património imaterial da humanidade. 

Cá pra mim, que não sou tido nem achado nestas coisas de grandiosidade à escala planetária, o fado não precisava deste carimbo na testa nem de credencial assinada para fazer parte do património imaterial mundial, pela simples razão que já dele fazia parte, fosse ou não reconhecido pela UNESCO. A coisa deu-se em Bali, na Indonésia (ler aqui). 

Também da Indonésia nos chega a notícia de que, no espaço de uma ano e meio, foram mortos cerca de 750 orangotangos na ilha de Bornéu (ler aqui). Consta que as motivações dos assassinos destes grandes primatas são a protecção de culturas mas também o consumo de carne. Em situações como esta penso se não me daria melhor com o mundo que me rodeia se fosse vegetariano. Comer um orangotango é quase canibalismo...

Por um lado podemos aliviar um pouco da tristeza que nos tem assaltado: o fado é património mundial com atestado carimbado e assinado por quem decide estas coisas, num sempre apetecível reconhecimento burocrático que só faz falta a quem não acredita em si próprio.

Por outro lado as nuvens carregam-se de cinzento, pois ao orangotango, que é um ser material, não bastam nem servem para nada todos os carimbos que têm sido postos em decretos e planos que visam a sua protecção, numa prova de que a burocracia global só é eficaz em questões de imaterialidades.

Como diz a canção: "Tudo isto é triste, tudo isto é fado!" vertamos umas lágrimas grossas e quentes, é caso disso.




domingo, novembro 27, 2011

Não há acordo numa coisa destas!


Já há uns dias que acabei a leitura de "o remorso de baltazar serapião" livro escrito pelo pulso poderoso de valter hugo mãe (é tudo assim, com letras minúsculas por vontade expressa do autor embora em "O filho de mil homens", a mais recente obra do dito cujo, as maiúsculas, ao que parece, tomem os lugares que lhes são devidos, graças a Deus Nosso Senhor).

Trata-se de um livro que dispensa em absoluto as discussões bizantinas que se vão mantendo a propósito do tão esgadanhado Acordo Ortográfico que por aí vai tentando deitar a cabeça fora das águas turvas onde ainda chafurda em aparente aflição.

Em o "remorso de baltazar serapião" a língua portuguesa é uma outra coisa que, sendo o que é, mais parece o que não pode ser, ou não fosse assim sonhada e melhor registada pelo autor de tão extrordinário relato. Ler este livro é um exercício de puro prazer.

Este livro mostra como a liberdade, na escrita tal qual no resto das coisas que compõem o mundo, é uma  maluca que nos faz ir para lá das fronteiras do óbvio e nos abre horizontes maravilhosos, assim sejamos capazes de a aceitar e com ela ir passear, onde quer que nos leve.

Disse o velho Saramago que este livro de valter hugo mãe era um tsunami na lígua portuguesa. Completamente de acordo. Leia-se um livro assim e esqueça-se a polémica absurda do Acordo Ortográfico. Escrever é muito mais do que aquilo que os xerifes da língua portuguesa são capazes de imaginar. Ah grande valter!

sexta-feira, novembro 25, 2011

O mundo há-de acabar!

Bem vistas as coisas, todos sabemos que o mundo há-de acabar um dia. Ninguém gosta de falar nisso mas é um dado científico que, se não arruinarmos o planeta pela nossa acção, o Sol tem um tempo de vida limitado e, lá para um futuro difícil de racionalizar, morrerá. Com a morte do Sol, catrapunfas, adeus planeta Terra e demais vizinhos.

Em termos cósmicos isto não é mais que uma banalidade entediante mas, observado à escala humana, é uma tragédia de que Shakespeare nem sequer se lembrou ou teria sobre isso escrito um daqueles textos que nos deixaria a arfar só de lhe dar ouvidos.

Se a humanidade não é mais que um espaço de tempo na eternidade universal porque haveremos de nos alarmar com a morte de um modo de vida que, bem vistas as coisas, pouco mais foi do que um sonho difícil de sonhar?

Não valerá a pena alongar muito mais a mórbida reflexão que já estás a adivinhar onde irá parar, caríssimo leitor. Quando penso na Vénus de Willendorf ou no tecto da Capela Sistina ou na Fonte de Marcel Duchamp sinto pouco mais que uma leve brisa a refrescar-me o negrume das ideias. Afinal a imortalidade é uma pequena anedota e a humanidade nada mais que uma palhaçada divina.

Enfim, comamos um belo frango assado bem regado por um vinho que nos amorteça o mau génio. É para isso que existimos. Tudo o mais... são sonhos.

quinta-feira, novembro 24, 2011

Greve geral

Hoje estou em greve. Protesto contra o desmoronamento do estado social e a morte violenta do sistema democrático um pouco por toda a Europa. Os governantes eleitos em sufrágios universais são substituídos por homens de mão dos "mercados" ou, como no caso do nosso país, não passam de fantoches sem qualquer tipo de poder ou capacidade de decisão.

Protesto contra a escravatura política e social a que estamos sujeitos e protesto contra a ausência de alternativas. Não nos deixam outra forma de manifestar a nossa opinião que não seja esta: fazer greve.

Podem vir com a cantilena do costume: que haverá eleições e, nessa ocasião, sim, será tempo de fazermos valer as nossas opiniões através do voto. Que, fazendo greve, apenas estamos a gravar a situação já de si grave, do nosso país. A esses respondo: vão à merda!

Ninguém nos disse que iríamos ver os nossos ordenados cortados em 40% ou que o investimento económico seria ditado por aqueles que nos estão a roubar. Fomos enganados. Os capitalistas e respectivos sabujos não fazem greve, pudera...

Não me considero obrigado a aguardar pacientemente pela próxima oportunidade de participar num acto eleitoral que é, cada vez mais, uma fraude declarada. Faço greve porque é urgente dizer, alto e bom som: VÃO À MERDA!!!

Hoje li (e ainda vou ler) mais uns quantos capítulos de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha que, por mero acaso, é a minha leitura do momento. Assim a arte de Cervantes me ajuda a ultrapassar as dúvidas e as desgraças que me são anunciadas em escritos de verdade duvidosa com que me tentam afogar o entendimento.

Viva a Greve Geral!!!
Abaixo o fascismo encapotado e abaixo os mercados, suas bestas de estimação!!!

quarta-feira, novembro 23, 2011

O dedo e a lua

Diz o ditado que "ao tonto aponta-se-lhe a lua e ele fixa o dedo" (é qualquer coisa assim, interessa-me a ideia). Nos últimos tempos só se pensa na crise da dívida, na greve geral de amanhã em Portugal, nas falcatruas dos poderosos, enfim, andamos a olhar tantos dedos apontados em todas as direcções que a lua lá continua, pregada no céu e já poucos são capazes de a olhar com olhos de contemplação.

Quando as coisas correm mal tendemos a esquecer a beleza, quando a miséria nos entra pela casa dentro aos trambolhões a arte é a primeira coisa que esquecemos. Como se deixasse de existir. E se tentássemos contrariar esta fatalidade?

E se tentássemos combater a raiva com a beleza, a dor com o sublime, enfim, se ao focinho da estupidez atirássemos a arte? Serei tonto, acredito, mas talvez a resposta adequada não seja bem aquela que estamos a tentar. Talvez haja outras formas de viver e ultrapassar o desespero das coisas fatais.


sábado, novembro 19, 2011

Negra recordação

Lembro-me bem de ver putos meio nus, sujos e desgrenhados, com ranho eterno a brilhar abaixo do nariz e um pouco sobre o lábio. Putos assim, a correr pela rua, pequeninos, com as vergonhitas aos saltos. As avós eternamente vestidas de negro, as cabeças amarradas debaixo dos lenços com gestos de esconder os cabelos, sentadas, apáticas, num luto infinito que iria durar até mesmo depois da morte.

As mães dos putos andavam nas terras, a cavar, mãos como solas de sapatos que só calçavam ao Domingo, quando os tivessem. Domingo, dia de ir ver a Deus pedir ajuda e protecção que nunca vinha. Os homens tinham ido para o Luxemburgo ou para África fazer a guerra que lhes diziam ser deles mas, penso agora, havia dúvidas quanto a isso.

Na aldeia havia dois ou três automóveis, duas ou três televisões e muita fome Havia uma miséria que doía e não se podia esconder. Os animais viviam mais próximos das pessoas, tão próximos que eram a benção dos dias mais frios naqueles Invernos gelados. A escola não era para todos e mesmo os que lá andavam acabavam cedo que eram precisos para a terra e para a guerra.

Um doce era uma festa, uma laranjada um luxo quase impensável (havia muita água a jorrar, incessante, da fonte). As roupas passavam dos mais velhos para os mais novos. Não imaginava o que fosse uma loja de pronto-a-vestir. As mulheres sabiam coser e usavam-se cotoveleiras nas camisolas e joelheiras nas calças.

Lembro-me bem deste país pré-consumista, onde uma sardinha era alimento para três: cabeça, lombo e rabo e as crianças bebiam bagaço pela manhã, para aquecer o corpo e abrutalhar o espírito. O granito era a nossa natureza e as matas um mundo encantado onde nos perdíamos dias inteiros à procura do mundo.

Lembro-me bem deste país triste, analfabeto e miserável que parecia ter o futuro no fundo de um poço de águas pestilentas. Lembro-me bem e não sou tão velho quanto isso.

sexta-feira, novembro 18, 2011

Camisa vermelha

Já se sabe que neste mundo a criatividade começa a tirar a cabeça de fora. Os criativos desenroscam a corneta na busca de ideias que possam transformar um intelecto adormecido num intelecto frenético, um zombie apático num consumista desenfreado.

Quando a coisa toca a sexo, então: força camaradas! É tudo a espicaçar o orgulho macho (ou fêmea) tentando fazer-lhe cócegas no sítio certo. O que interessa é colocar determinado produto no mercado, vendendo-o ao público alvo pré-definido com largas margens de lucro. É o espírito do tempo, e não me estou a referir ao Natal, que é como se fosse já amanhã, refiro-me ao Mercado, assim mesmo, com um "M" daqueles granjolas, que é onde vogam as barcaças do sucesso e os navios da boa vida económica.

Vem esta conversa a propósito de uma campanha de marketing lançada pelo Benfica para vender preservativos a quem deles precisar, benfiquistas em particular (ver aqui). Não estou a ver um portista apaixonado a enfiar uma coisa daquelas onde é devido sem que isso lhe venha atrapalhar a função ou um adepto do Sporting (como é o meu caso) a comprar preservativos destes com outra intenção que não seja apoucar algum benfiquista menos protegido pela sorte.

Convenhamos que querer fazer humor benfiquista com o acto sexual pode ter efeitos perversos e imprevistos. Imagine-se que a equipa vermelhusca começa a perder jogos que não deveria, com equipas de menor gabarito. Como irá o adepto munido de um poderoso preservativo com a frase "Esta vai ser à Benfica" convencer a paceira de que a coisa vale a pena?

Cá para mim, nestas coisas do contacto amoroso e clímax sexual, o melhor é deixar o clube de fora. Pode não funcionar. O amor será sempre a melhor estratégia. Seja a atacar ou a defender.
:-)

sábado, novembro 12, 2011

A importância de ter um inimigo

Hoje, mal abri os olhos, dei por mim a pensar como é importante termos um inimigo. Não sei o que sonhei para acordar a pensar nisto mas deve ter sido um filme interessante.

De facto, um inimigo declarado e claramente identificado ajuda-nos a apontar as nossas armas numa direcção determinada, ajuda-nos a ter um objectivo. A ausência de um inimigo pode deixar-nos desamparados de ódio, o que não é coisa boa para a nossa saúde.

Necessitamos de ter ódio que nos equilibre a destilação de amor. Uma coisa ampara a outra, é o Yin e o Yang, o equilibrio universal a repousar na mesinha de cabeceira como se fosse um bibelot.

Após o pequeno-almoço e uma olhadela ao jornal dei por mim a pensar que a derrota do comunismo foi o que nos lixou. Quando o Muro de Berlim caíu estávamos longe de imaginar a merda toda que estava para nos entrar porta dentro.

Sem a Cortina de Ferro ficámos à mercê dos nossos próprios demónios. Enterrada a utopia comunista sob toneladas de realidades abjectas, agora confirmadas (a vida do lado de lá era ainda pior e mais desumana do que nós imaginavamos), pensámos que a Social Democracia havia triunfado!

Ao som de trombetas triunfais sonhámos com uma Europa democrática e justa. Abafado o papão comunista teríamos apenas de esperar o tempo necessário para a estabilização social e política do nosso amado Velho Continente. O Paraíso anunciava-se pintado em tons rosa e azul bebé.

Hoje, ao acordar, percebi que sem comunistas estamos entregues ao monstro capitalista sem ninguém que nos proteja. A miséria dos povos subjugados sob as desprezíeveis bandeiras vermelhas estancava a voracidade do mostrengo que agora nos devora a todos, ex-comunistas incluídos, com uma gula insaciável. A bocarra aberta do capitalismo é a porta do inferno na Terra.

Sem inimigos que nos valham estamos entregues à bicharada. É triste. Pior que triste, é um logro miserável.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Portugalzinho

Não sei o que quer isto dizer. O mais certo é não querer dizer nada mas mostra bem até onde pode descer uma mãe que não faz a mínima ideia do que é educar uma criança. A coisa conta-se num esboço: um puto de dez anos de idade está a fazer um teste na escola e a professora apanha-o a enviar as questões para a mãe, via telemóvel, que lhe envia de volta as respostas (ler aqui esta extraordinária notícia, ou será simplesmente ordinária?).

A coisa passou-se em Chaves. Toda a gente sabe onde fica Chaves mas poucas pessoas lá vão. Eu passei por lá uma vez, de regresso da Galiza e já não me lembro do aspecto da cidade. De Vigo ainda guardo umas memórias e de Santiago de Compostela recordo umas quantas coisas. Mas de Chaves, sinceramente, népias!

Recordar esta falta de recordação não tem absolutamente nada a ver com o caso do petiz copião e da sua mãe pouco honesta em questões de conhecimento de facto. A não ser que a citada senhora estivesse a agir por vingança contra o esquecimento. Se assim foi pode hoje estar de consciência tranquila pois atingiu com brilho o seu objectivo.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Uma dúvida

Quando se derruba um tirano? Será quando se lhe atiram as estátuas por terra ou quando os últimos mercenários desaparecem de cena? Talvez o tirano permaneça muito para lá da destruição das suas imagens. Só o tempo pode dizê-lo mas, no caso que melhor conheço, o tirano fica impregnado no quotidiano do povo por muitos anos. Um tirano nunca desaparece por completo. Um tirano é prova absoluta da extraordinária validade da Lei de Lavoisier se partirmos do princípio que é coisa digna de ser considerada como parte da natureza.

domingo, novembro 06, 2011

Ele há coisas

Há momentos em que o tempo se baralha todo na paisagem e os sentimentos irrompem como lava cuspida da garganta de um vulcão envelhecido. As lágrimas assomam à beirinha de serem choradas e um soluço, uma convulsão, uma coisa quente arrepela-nos o peito, a puxar para os olhos o sentimento de pertença a uma coisa tão próxima da humanidade que até dói só de ser imaginada.

Há momentos dolorosos que nos fazem perceber que não percebemos nada, que os nossos problemas são merdices, minudências existenciais, que há coisas muito mais importantes do que nós estarmos vivos.

Ele há coisas...

sábado, novembro 05, 2011

Carneiros, ovelhas e outros seres

É curiosa (mais) esta polémica com a igreja católica a propósito do mais recente livro de José Rodrigues dos Santos. No P2 deste sábado, no artigo assinado por Natália Faria, tenta-se enquadrar a polémica apresentando argumentos de vários dos polemistas. Chamou-me a atenção a passagem que diz que «ao padre Anselmo Borges não custa admitir que a Igreja “deve formar melhor os seus fiéis e promover um maior esclarecimento sobre a figura de Jesus Cristo”.»

Parece-me que o problema (se é que isto pode ser considerado um problema) é que a igreja católica encara os seus fiéis sob a figura, não tão metafórica quanto isso, de um rebanho. O padre é um pastor e todos sabemos que o pastor não explica às suas ovelhas as qualidades nutricionais das ervas que elas pastam pacientemente e em silêncio, com mais prazer do que volúpia. O problema (se é que isto pode ser considerado um problema) é que a educação católica ensina a não questionar as “verdades” porque questioná-las é um pecado e indicia ausência de Fé. A Fé dos católicos é sinónimo de crença total e entrega absoluta.

A Fé não se explica, ela é alimento para a alma dos católicos tal como a tenra erva é alimento para as dóceis ovelhinhas e é esta Fé que permite a existência pacífica de Deus. Sem Fé a existência de Deus pode transformar-se num problema de contornos monstruosos. Bastará olhar com um mínimo de atenção para o Homem, que se diz criado à Sua imagem e semelhança. Qualquer postura que questione a Fé põe em causa os fundamentos básicos da religião católica cujos pilares assentam na infalibilidade dos dogmas tão ferozmente defendidos ao longo dos séculos, nomeadamente desde a cisão protestante.

Coisas tão prosaicas quanto este livro de José Rodrigues dos Santos fazem vacilar os pilares dogmáticos do catolicismo, humanizam as ovelhas e os seres humanos contemporâneos não simpatizam muito com a ideia de que fazem parte de um rebanho, pelo menos em teoria. A igreja católica lida muito melhor com balidos de ovelhas que com vozearia humana. Parece-me que à igreja custa admitir que são os seus fiéis que a constroem e que não é ela a construir a identidade individual desses fiéis. A ignorância sempre foi o combustível principal da chama que anima a Fé católica. Substituí-la pelo conhecimento poderá equivaler a deitar água na fogueira.

Talvez por isso, de cada vez que há um livro, um filme ou uma figura pública que ponham em causa os seus dogmas, a igreja católica sai a terreiro com quatro pedras em cada mão, disfarçada de David perante pobres Golias que de gigantes têm muito pouco e desata a apedrejá-los até estes ficarem de joelhos, pedindo perdão por um crime que não cometeram. Sim, porque questionar dogmas tão estapafúrdios quanto a virgindade de Maria ou o carácter divino de um homem simples não pode ser considerado crime digno de lapidação pública como a que se está a tentar fazer a José Rodrigues dos Santos. Deixem lá o homem escrever o que muito bem entende. Se é mentira porque ficam tão excitados? Deus haverá de o castigar, não acham?

(carta enviada à directora do jornal Público)

Nota final: Não li este nem nenhum outro livro do autor citado e, muito sinceramente, não tenciono vir a fazê-lo.

quinta-feira, novembro 03, 2011

A Zaragata

 
A Europa precisa de uma narrativa comum que contribua para o despertar de uma consciência colectiva dos diferentes povos que a compõem. Uma narrativa épica que faça sentido e nos permita voltar a sonhar. Precisamos de qualquer coisa de utópico, uma narrativa plena de ideais humanistas que nos permita recuperar o orgulho de ser europeus. Precisamos de uma narrativa à maneira das narrativas religiosas, que elegem uma personagem central e a elevam à categoria de divindade, rodeada de uma série de proféticas personagens secundárias. Precisamos de uma narrativa como as dos inventores dos nacionalismos oitocentistas que foram remexer os baús de memórias populares; lendas, mitos e personagens maravilhosas, ressuscitando velhos heróis, maquilhando-os de modernidade para fundarem os nacionalismos que hoje enxameiam o espaço europeu e impedem o nascimento de uma consciência comum aos habitantes deste continente.

Cada povo adora os respectivos santinhos e crê na sua teia particular de acontecimentos milagrosos que lhes permite ter orgulho naquilo que putativamente são. Os impérios sempre assentaram tanto na força quanto na fé, na sua capacidade de oferecer uma ilusão aos que neles vivem. O que tem a União Europeia para nos oferecer? Qual o sonho comum a todos os europeus? Actualmente a União Europeia é pouco mais que uma teia de burocratas sustentados por uma comandita de usurários a que se dá o nome, um tanto enigmático, de “mercados”. Nos últimos tempos a União comunica com os cidadãos através de uma linguagem exclusivamente económica. A heroína desta narrativa confusa é a Economia, uma espécie de divindade volúvel, vingativa e insaciável, mais apropriada para assustar as criancinhas que não querem comer a sopa do que para inspirar sonhos de grandeza humanista. E nós, europeus, portamo-nos como crianças obedientes e um tanto imbecis. Para aqui andamos, feitos baratas tontas, a esquecer o significado da palavra solidariedade e os fundamentos básicos da Democracia, a trocar direitos por deveres que aqui há uns anos atrás nem sequer nos passava pela cabeça aceitar. 

Precisamos de um herói que nos inspire e faça renascer os nossos sonhos de grandeza. Precisamos de uma narrativa suficientemente global, que seja compreendida por todos os cidadãos, capaz de fazer que com ela nos identifiquemos. Mas, problema supremo: onde vamos nós desencantar essa personagem extraordinária? Que narrativa maravilhosa poderá unir os europeus em redor de um projecto civilizacional comum que tenha como base a Democracia e o Humanismo por fundamento? Após longa e aturada reflexão proponho que o herói seja Astérix. Tem a vantagem de ser uma personagem universal, apesar da sua origem gaulesa, compreensível para todos os escalões etários e há uma aventura desta personagem que poderá levar-nos a pensar sobre o que andamos para aqui a fazer, a tal narrativa luminosa e potencialmente unificadora. Falo de A Zaragata. Este livro genial dos geniais profetas Goscinny e Uderzo, deveria passar a ser leitura obrigatória para todas as crianças (e adultos) habitantes do território europeu. Impõe-se a vulgarização de uma hermenêutica de A Zaragata. Com urgência.

terça-feira, novembro 01, 2011

Europa, o que és tu?

A Europa está em maus lençóis. Tem-se deitado com quem não devia e, ao acordar, tenta perceber onde está e a merda que fez. Um clássico da leviandade. Acorda-se com a boca seca e uma grande dor de cabeça, sem saber onde se deixaram as calças nem as cuecas que hão-de estar algures. Longe ou perto? Vá-se lá saber.

Talvez que a culpa tenha sido de Zeus, essa divindade viciada em sexo com tudo o que tivesse um sopro vida. Desde que raptou Europa naquela sua célebre golpada do touro branco que a dita cuja nunca mais atinou com as companhias. Anda por aí, perdida ou envergonhada, não se percebe bem. A única certeza é que Europa tem graves problemas de identidade.

A Europa dá-se com gente pouco recomendável e anda a vender-se a pataco. Tornou-se uma puta de berma de estrada, sem grandes cuidados na sua higiene íntima e lambe qualquer bota que lhe pise os calos. Se não mudar de vida ainda vai pegar doenças infecciosas a quem com ela se deitar.

domingo, outubro 30, 2011

E a Islândia, pá?

Andamos para aqui todos às marradas nas notícias sobre a crise do euro, procupados com a dívida, a pagar juros pornográficos aos amigos que nos emprestam dinheiro, andamos tão aflitos que nem temos reparado que as notícias sobre a Islândia são mais raras que gajos honestos numa secretaria de estado.

Basta fazer uma pesquisa no google sobre notícias escritas em português que tenham a Islândia por tema nos tempos mais recentes. Coisa rara. Ficamos a saber que uma islandesa mijou em público (até tem direito a vídeo) e pouco mais, além de uma balelas sobre desporto. Notícias relevantes sobre a evolução da situação económica daquele país parecem não existir.

As agências noticiosas não se interessam por esse tema? Seja lá o que for, a Islândia parece ter sido tragada pelo mar, parece ter deixado de existir. Há aqui qualquer coisa de incomodativo ou então sou eu que sou preguiçoso demais para encontrar notícias específicas sobre a crise islandesa.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Como se fosse um periquito (só para dar um exemplo emplumado)

Leio no jornal que Madoff (sim, esse Madoff, haverá outro?) diz que é mais feliz na prisão. O exemplo fica mais claro com a transcrição da coisa: " Bernard Madoff, responsável por uma fraude que superou os 50 mil milhões de dólares, afirma que é mais feliz na prisão do que quando estava livre, porque não vive no receio permanente de ser preso. À jornalista Barbara Walters, Madoff confessou que chegou a pensar em sucicídio, mas recuperou a coragem e abandonou a ideia". Diz lá tu, caríssimo leitor, se não é isto uma coisa bonita!? Bonita de se dizer mas, mais linda ainda, bonita de se poder pensar. É ou não é?

Ler este excertozinho deixou-me próximo de um nirvana qualquer, nem sei bem qual (há diferentes nirvanas? O que é "O" nirvana?), comoveu-me mesmo. E comoveu-me porque as palavras de Madoff me permitiram compreender melhor uns seres que, até aqui, me estavam interditos em termos de compreensão. Para nos podermos sentir mais próximos de um animal nada melhor que outro animal que nos permita encetar essa extraordinária tentativa de aproximação entre espécies. Penso que agora compreendo melhor a passarada que, estando fechada na gaiola, salta, dança e ainda canta ou simplesmente chilreia alegremente, enchendo-me a imaginação de coisinhas indecifráveis mas quase boas e quase, quase bonitas.

Madoff explica-nos, na singeleza do seu pensamento retorcido, como é ser-se um bípede saltitante dentro do espaço reduzido de uma gaiola. Mas sentimos como é sê-lo alegremente, à semelhança de qualquer periquito que, apesar de ser difícil de compreender através da observação directa da sua fisionomia, nos parece um passarito suficientemente feliz e coiso e tal.

Sinto-me apaziguado. Meter bichos dentro de gaiolas não é, afinal de contas, uma atitude tão cruel quanto eu pensava.

terça-feira, outubro 25, 2011

O horror

Aconteceu-me aqui há dias, estava eu sozinho no remanso do lar. Abri o frigorífico e deparei com um inesperado "pack" de 6 cervejas que me pareceram cervejas pretas. Tirei uma garrafa, abri-a e bebi um golo. Horror!!! Sabia mal como nunca uma cerveja me havia antes sabido. Que porcaria era aquela!? Decerto estava estragada. Ainda meio confuso abri de novo a porta do frigorífico e reparei que o cartão do "pack" tinha algo de estranho. Era um "pack" de 6 cervejas 6 com sabor a ... CHOCOLATE!!!

Uma vez refeito do susto tentei racionalizar a coisa. Cerveja com sabor a chocolate? Mas que puta de ideia! Depois lembrei-me de uma notícia que havia lido há uns anos no jornal sobre tentativas feitas por... cientistas? Inventores? Simplesmente malucos? Bom, experiências levadas a cabo, algures (não recordo onde), para produção de legumes com sabor a chocolate. A questão era simples: as crianças não gostam de legumes, que lhes fazem falta para uma alimentação saudável, mas adoram chocolate. Basta juntar dois mais dois e tem-se uma coisa para lá de aberrante: legumes com sabor a chocolate.

Não me consta que os tais legumes tenham saído do mundo das possibilidades. O que não imaginava era que a doçura tinha invadido o território sagrado da bela cerveja. Qual poderá ser a intenção?

Os putos de hoje pouca água bebem. É só sumos e açúcar em tudo quanto é alimento. Vendo bem as coisas até faz sentido que os produtores de cerveja não queiram perder clientes e se metam a inventar merdas destas. Assim, ao entrarem numa coisa parecida com a idade adulta, os jovens consumidores poderão iniciar-se no mundo alucinogénico da bebedeira mas com a boquinha adoçada e um vómito mais cheirosinho.

Enfim... o "pack" lá está no frigorífico (foi oferta e eu não sabia) com 5 garrafas 5 à espera de quem as beba. A que experimentei despejei-a cano abaixo. Gosto muito de chcolate mas também gosto muito de cerveja. Acho que, por isso mesmo, fui incapaz de a beber. Mas talvez seja, apenas, má vontade da minha parte.

domingo, outubro 23, 2011

Não ver

Consegui não ver as imagens do assassinato do tirano líbio.

Kadafi apareceu algumas vezes aqui, no 100 Cabeças, principalmente na sua qualidade de amigo dos líderes mundiais. Eram fotos glamourosas que mostravam um homem bem vestido e arrogante abraçado ou apertando a mão dos poderosos das democracias ocidentais. Nalgumas atestava-lhes, até, umas beijocas!

A forma como caíu em desgraça e acabou, abatido como um rato de esgoto, mostram bem a fragilidade da condição política no mundo em que vivemos. Hoje és um gajo poderoso, amanhã és um cadáver sujo de sangue e de merda. Hoje vales tudo o que imaginas e, se calhar, até um pouco mais, amanhã não vales mesmo nada. É a vida... e a morte.

Não sei bem como aconteceu mas li algures que as imagens da morte de Kadafi eram indecorosas. Acreditei e não vi, muito menos as procurei. Não quero vê-las, não quero saber, a exibição da morte enoja-me. Enojaram-me as imagnes das execuções de Saddam Hussein e de Ceausescu, certamente iria acontecer o mesmo com Kadafi. Morreu, está morto. Espero que o enterrem.

Não deixa de ser irónico que Kadafi e Saddam tenham sido ambos apanhados enfiados em buracos, como bichos.

quarta-feira, outubro 19, 2011

Sociedade criativa

Nos últimos tempos tenho lido vários artigos que depositam todas as esperanças de um futuro melhor naquilo que é, mais ou menos, genericamente designado por "sociedade da criatividade". Num desses artigos o autor explanava uma interessante teoria segundo a qual após uma sociedade agrícola que foi suplantada pela sociedade industrial que viria a ser ultrapassada pela sociedade do conhecimento estamos agora a assistir à deslumbrante aurora da sociedade criativa. É bonito.

Esta proposição faz todo o sentido. A sucessão de acontecimentos encaixa melhor que as peças de um puzzle para meninos pequenos e o resultado é de um brilho cristalino. Imaginar uma sociedade da criatividade na qual o sucesso está ao alcance de qualquer um (que benificie dos sucessos da outras sociedades entretanto ultrapassadas e tenha acesso ao consumo de bens agrícolas, industriais e tecnológicos), imaginar uma sociedade deste tipo dá algum conforto nos tempos que correm.

Para uma pessoa como eu, que me imagino criativo, um cenário deste tipo proporciona um certo alento. O problema é como rentabilizar a minha criatividade? Aí é que as coisas começam a retorcer-se um bocadinho; é que a criatividade, encarada por esta perspectiva, é coisa para gerar riqueza e, nesse aspecto, sinto-me um tanto falhado.

Quero dizer, penso que a criatividade pode gerar muitos tipos diferentes de riqueza que não são, obrigatoriamente, do tipo monetário ou económico. A beleza, a solidariedade, a felicidade, as coisas que me comovem, nem sempre valem dinheiro. Vendo bem as coisas, raramente valem dinheiro e, quase sempre, exigem muito trabalho.

Lamento dizê-lo a mim próprio (e a ti, caro leitor, que tens a paciência de ainda aqui estar): a criativade é um bicho do mato que não aceita a gaiola onde a queremos meter para poder gerar proveito económico, como se fosse animal de circo. Isto necessita de mais reflexão. Quem sabe onde poderemos chegar? Se formos criativos...

domingo, outubro 16, 2011

Semente

Ontem foi dia de manifestação em Lisboa. Seria banal (quantas manifestações já se fizeram em Lisboa, meu Deus?) se não tivesse sido dia de manifestação em mais umas quantas centenas de cidades por esse mundo fora. Talvez me engane mas penso poder afirmar que assistimos à primeira manifestação global na sociedade da informação. E do consumo.

O que levou tantos milhares de pessoas (todas juntas terão atingido os milhões?) a sairem para a rua gritando palavras de ordem tão diferentes umas das outras, numa verdadeira Torre de Babel de sentimentos e reivindicações? Na Ásia, na América, na Europa, um pouco por todo o universo democrático, os cidadãos revoltam-se contra a gula insaciável do capitalismo selvagem.

Penso que o que está a despertar no íntimo de cada um de nós é a percepção de um paradoxo destruidor de boas vontades: dizem-nos que somos livres e tratam-nos como escravos.

O que irá sair daqui? Não sabemos. Quem pode prever o futuro? Ninguém. O que podemos perceber com algum grau de segurança é que está lançada a semente de alguma coisa nova que irá crescer e tomar o seu lugar no horizonte dentro de algum tempo.

É uma semente de revolta (chamam-lhe "indignação") que questiona o sistema pós-democrático com frontalidade. Já todos percebemos que não somos governados por aqueles que elegemos por sufrágio universal e directo, mas sim por personagens que desconhecemos em absoluto que decidem as políticas macro-económicas em nome do enriquecimento faraónico de nem sabemos quem!

Alguma coisa está a mudar.

sexta-feira, outubro 14, 2011

Sangrar não basta!

OK, isto anda parecido com merda a boiar num penico. Portugal, a União Europeia, o horizonte, nada parece ajustar-se, tudo surge apocalíptico e desanimador. O desânimo ganha lugar na sala e senta-se sem que ninguém o convide. Puta que o pariu, puta que pariu o desânimo!

O mundo parece desfazer-se numa espécie de merda que não é bem merda mas uma coisa parecida. Uma coisa parecida com merda, está bom de ver. Entretanto fui ver o mais recente filme de João Canijo, Sangue do meu sangue e, caramba! Que grande filme.

Se há um cinema português este filme é o melhor exemplo que poderia encontrar para o caracterizar. Não explico porquê, afirmo-o apenas e simplesmente. As conclusões ficarão para quem tiver oportunidade de o ver. Direi apenas que sangrar não basta; temos ainda de viver o que resta das nossas existências. Com o orgulho do costume e a Fé que nunca somos capazes de ter mas, ainda assim, nos anima na dose certa para continuarmos a olhar o céu como se ele não fosse mais que aquela coisa azul que costumamos imaginar estar lá em cima, o lugar que Deus habita.

Haja lugar para sermos humanos.

terça-feira, outubro 11, 2011

Linguagem figurada

A democracia portuguesa parece estar doente. Pensando bem, a democracia portuguesa parece sofrer de alguma doença congénita, uma malformação que lhe tem impedido um desenvolvimento saudável. Para funcionar convenientemente, uma democracia carece não só de liberdade de escolha e de opinião, mas também de instrumentos que fiscalizem de forma objectiva e isenta as instituições democráticas. É nesta capacidade de fiscalização que a nossa democracia falha completamente desde a mais tenra idade.

O sistema democrático baseia-se grandemente na qualidade dos cidadãos e na confiança que estes estabelecem com as suas instituições. No caso do nosso pais toda a gente sabe que não se pode confiar no estado nem nos tribunais e, muitas vezes, nem sequer se pode confiar nas forças policiais, mesmo nas situações mais comezinhas do quotidiano. Os cidadãos vivem em permanente confronto com instituições cuja principal razão de existência seria a sua protecção e não a sua repressão, como frequentemente acontece.

Quando digo “cidadãos” excluo as minorias privilegiadas que erradamente designamos, com demasiada frequência, por “elites”, uma vez que o conceito de elite está relacionado com aquilo que de melhor existe numa sociedade e não com a capacidade de contornar as leis e as regras em proveito próprio. Vivemos num pais que se diz democrático e que, na prática, se comporta como se o não fosse. Tal como uma grande parte dos católicos se dizem “não praticantes”, assim somos nós, os portugueses, no que toca à democracia.

Temos uma sociedade civil fraca e que facilmente é “metida na ordem”. Basta agitar um qualquer papão mais ou menos assustador e aqueles que ontem se manifestavam e agitavam as ruas da cidade de imediato se perfilam, lavadinhos e brilhantes, perante o olhar benevolamente reprovador do chefe ao passar em revista as forças produtivas da nação. Somos assim, ladramos demasiado, mordemos muito pouco e acabamos quase sempre a lamber as botas que nos pontapeiam com desprezo.

E somos governados por personagens sem fulgor nem a mínima centelha do mais pequeno génio. Algumas dessas personagens são mesmo desonestas e nós aceitamo-las e oferecemos-lhes o poder de mão beijada. Somos governados com demasiada frequência por pessoas ignorantes e incultas, com uma visão do mundo própria de crianças acabadinhas de sair de uma aula de catequese na qual lhes explicaram o inferno e as fizeram nele piamente acreditar. E agora não são capazes de acreditar nem compreender mais nada. São pequeninos.

Uma democracia exige governantes humanistas e não simples tecnocratas de pacotilha para os quais “ser humano” é igual a “doismaisdoissãoquatro”. Após 37 anos de democracia alguns de nós ainda dizem que se trata de uma jovem democracia. Quando se tornará ela adulta a ponto de se emancipar dos fantasmas do salazarismo e do PREC? Somos como uma multidão de cegos guiada por um pequeno grupo de líderes cujas barrigas não lhes permitem ver onde poisam os sapatinhos.

sábado, outubro 08, 2011

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Enriquecer ainda mais é um risco para todos
os ricos (como uma epidemia),
e tal só não ameaça também os pobres porque
acerca destes não é adequado utilizar a expressão
«ainda mais». E os pobres

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sendo como toda a gente sabe,
moralmente muito mais bem apetrechados
que os milionários, não querem enriquecer ainda mais,
querem apenas enriquecer a todo o custo,
pisando quem quer que passe
à sua frente. Os pobres não são bons, murmurava o meu
                                                                           [pai
têm é menos dinheiro para exercer a maldade.

in Uma Viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares, págs. 139/140

sexta-feira, outubro 07, 2011

Reflexo cão (ou "reflexão")

Por vezes olho para o espelho e digo ao gajo que de lá me retribui a atenção: "És fodido!" e o gajo nem diz nada. Quem assim fala consigo próprio, o máximo que merece é um pouco menos que desprezo, muito menos compaixão.

Na verdade, seja lá isso o que for, cada um de nós recebe de si próprio a medida exacta daquilo que a si oferece. Nem outra coisa seria de esperar!  Haverá alguém mais capaz de nos compreender que o reflexo no espelho?