segunda-feira, setembro 30, 2013

Noite escura

Em comentário ao post anterior o Eduardo P.L. disse...
Que esperança se pode ter quando nossa juventude ( normalmente a esperança do futuro ) está apática, distante e desencantada. O pior dos mundos.

Neste momento estou a pensar que mundo temos nós para oferecer às gerações vindouras. As imagens que me passam pela cabeça são estranhas, são imagens distópicas, dignas de um filme de ficção científica série Z, coisa a rondar o imaginário de um filme de zombies mais ou menos pacíficos. É tudo cinema de má qualidade.

A nossa juventude é resultado da nossa idade adulta. Normalmente a juventude reage aos princípios dos mais velhos. Mas, no cenário actual, temo que essa reacção seja mais violenta do que em gerações anteriores. Parece-me evidente que estamos a exaurir o planeta, esgotando recursos a uma velocidade supersónica sem acautelarmos alternativas credíveis que permitam manter os níveis  civilizacionais por muito mais tempo.

Não sei o que sentem os mais jovens mas talvez estejam a perceber que o "planeta petróleo" não será o deles, que "os amanhãs que cantam" já foram ontem. Talvez estejam a sentir que o Estado Social não aguenta a tormenta capitalista e que os ricos serão cada vez menos e mais ricos e os mais pobres cada vez mais e mais pobres. A classe média a resvalar para a base da pirâmide social que, um dia destes, deixará de ter a forma de pirâmide para tomar a forma de uma coisa estranha com uma base enorme e compacta e um topo fininho.

Meu caro Eduardo, eu diria: que esperança se pode ter quando as nossas elites se comportam como vampiros agressivos e tão desencantados como a massa popular a quem sugam o sangue e a vida?

domingo, setembro 29, 2013

Dever ou não dever (cívico)

Hoje é dia de eleições autárquicas. Mais uma vez fui votar, cumprindo o meu dever cívico. Desta feita houve uma novidade, a minha filha votou pela primeira vez numas eleições "a sério". Sim, antes de chegarmos cá fora, já todos experimentámos votar na escola para eleger os nossos representantes na Associação de Estudantes ou outras cenas do género.

Fico a pensar com os meus botões que votar na escola é como brincar à Democracia. Mas após uns segundos de reflexão fico na dúvida se a brincadeira democrática é um exclusivo de crianças em idade escolar.

Tenho a sensação de que a abstenção vai doer forte e feio. As urnas ainda não fecharam mas cheira-me que vai haver recorde. Os mais jovens não ligam a esta coisa de eleições. Não parecem acreditar na Democracia e, como tal, dizem com frequência que os políticos são todos iguais, que a política é uma merda... como se um fascista fosse igual a um comunista ou a um social-democrata.

O desencanto com a nossa podre Democracia não é um exclusivo dos mais jovens. Ouço muito adulto com um discurso do mesmo calibre e ao mesmo nível. O regime está de patas ao ar.

Seja lá como for, os meus votos entraram na urna. Paz à sua alma.


terça-feira, setembro 24, 2013

Tempos livres

Uma música suave (como que vomitada por anjos que tenham abusado na ingestão de pétalas de rosa) vai entediando o espaço. Pessoas com muitos cabelos brancos vão chegando, devagar, vão-se sentando, calmamente, tudo se passa a 5 à hora. Percebe-se que são pessoas que têm muito tempo livre.

Como se consegue tanto tempo livre? Passo a tentar explicar o que me pareceu ver naquele lugar onde o aborrecimento é feito de veludo.

As pessoas sentam-se por ali, fingindo que não têm nada que fazer. Passeiam os olhos por jornais, livros e revistas (se não tivessem tantos cabelos brancos decerto olhariam para écrãs de computador, de iPhone, de iPad, etc.), não se passa nada.

Na verdade aquelas pessoas estão a fingir distracção. Elas estão ali para caçar tempo livre! O isco são elas próprias, a sua alma a armadilha que haverá de capturar algum tempo mais descuidado que se abeire dos seus corpos estáticos. O tempo chega-se e... zás, é apanhado na armadilha. É tempo livre capturado. Parece um contrassenso (de facto é) mas as coisas são mesmo assim.

As pessoas gostam de exibir o tempo livre que capturaram. Exibem-no como são exibidos os animais selvagens, em jaulas mais ou menos espaçosas. Depende da qualidade do tempo e da qualidade do indivíduo. "Olhem bem este meu tempo livre, vejam como sou poderoso e feliz por ter semelhante exemplar no circo da minha existência."

E sorri, mostrando na sua jaula reforçada um imponente tempo livre capturado em Roma ou em Vladivostoque, olhando de soslaio para um tempito livre capturado ali, naquela sala onde a música não chateia mas também não anima, um tempo livre tão inofensivo que o guarda no bolso ou numa gaiola de plástico, daquelas onde se guardam os grilos.

Entretanto as pessoas vão-se substituindo umas às outras, muito semelhantes no aspecto e na atitude, o tempo livre a correr riscos de ser aprisionado. Tempo livre prisioneiro, é a suprema aspiração na vida de muitos de nós. Principalmente daqueles que não se incomodam com vómito de anjinho, desde que cheire a rosas. Como é o meu caso.

domingo, setembro 22, 2013

Doença de carácter

Não sei bem quando aconteceu. Foi um processo discreto e silencioso. Ontem apercebi-me de que estou a tornar-me insuportavelmente tolerante e, pior ainda, que me esforço por fazer com que os outros sejam, também eles, uma espécie de aspirantes a anjinhos.

Estou a perder aquele prazer abrasivo de dizer mal de tudo, aquele impulso descontrolado de deixar fluir o verbo como se as palavras fossem facas afiadas a cortar o mundo em fatias fininhas. Espero que seja uma doença passageira.

Espero voltar a sentir o prazer de desfazer algo à força de palavreado robusto, usado como marreta, como morteiro, palavreado capaz de retalhar as coisas que me parecem erradas, as coisas que me desgostam. Como diz Scar, a malévola personagem de O Rei Leão: "É tão gostoso ser mau!"

Mas não, pronto, de momento sou bonzinho, um estado de alma sem graça nem pimenta, uma sensaboria monótona. Se não me acautelo ainda morro e vou para o Céu.

sábado, setembro 21, 2013

Lavagem

Ontem postei aqui um desabafo com laivos de lamechice. Sentia-me cansado de trabalhos que me parecem descabidos, sentia-me tristonga, precisava de choramingar a ver se a coisa aliviava. Mas não aliviou. Sentia-me, sobretudo, vazio.

Sentado em frente ao computador precisava de executar certas tarefas que exigem de mim alguma criatividade e não saía (não saiu) nada. Quando isso acontece fico um pouco aterrorizado. Insisti, insisti e nem porcaria fui capaz de criar.

À noite fui ao cinema. Fui ver o mais recente filme de Woody Allen, Blue Jasmine. Quando saí da sala estava regenerado (Cate Blanchet é uma actriz estratosférica!). O filme até que é bastante deprimente. Muito deprimente, mesmo. Mas hoje sinto-me muito melhor, lavado por dentro. Talvez seja capaz de criar algo satisfatório.


sexta-feira, setembro 20, 2013

Desabafo

Ai caramba, ando com a cabeça feita em papas e não pára de andar à roda, como uma ventoínha!
Os primeiros dias de trabalho num novo ano lectivo nunca foram tão complicados de organizar. O que se passa? Porque é tudo tão confuso, tão pesado? Ponho-me a pensar no assunto e tenho as minhas suspeitas.

O ministério da educação tem reduzido brutalmente o número de professores nas escolas. Paralelamente continua a exigir o mesmo tipo de serviço burocrático, aumenta o número de alunos por turma e multiplica ordens e contra-ordens a uma velocidade que merecia multa por nítido excesso. As reuniões sucedem-se, os alunos enchem as salas, as aulas começam e têm de ser preparadas.

O corpo docente emagrece, muitos de nós pedem reforma antecipada apesar dos cortes nos ordenados (pensões) por já não suportarem tanta burocracia, tanta gente dentro da sala, tanta acção descabelada e sem sentido.

Menos professores para mais trabalho. Deve ser por isso que tenho a sensação de trazer um oceano a chocalhar-me dentro do crânio.

No meu caso particular torna-se quase impossível pensar em desenhar, pintar, trabalhar no Photoshop, postar nos blogues. Sou professor, não sou artista profissional (quase não tenho tempo para ser amador, quanto mais...).

Talvez dentro de uma ou duas semanas a coisa estabilize. Talvez. Até lá vou tentar manter a cabeça à tona. Preciso de respirar.

sexta-feira, setembro 13, 2013

Ser ou não ser

Por vezes penso se não seremos todos malucos. Não é loucos (loucos acarreta um certo glamour), é malucos, mesmo. Malucos implica algum desdém, alguma piedade, uma pitadinha de ironia e divertimento quanto baste mas há malícia na classificação deste rótulo. A um maluco desculpam-se algumas maluquices mas, na verdade, ele é visto com uma certa repulsa, um bicho defeituoso, potencial locatário de uma jaula.

Um louco pode ser um artista, um maluco tem mais possibilidades de vir a enveredar por uma carreira no mundo do crime. Um louco cria, um maluco destrói. Seremos todos malucos?

Matar com gás é desumano, matar com bombas legalmente fabricadas e com recibo de transacção comercial parece ser aceitável. Esta ideia pode ter saído da cabeça de um louco? Será ideia de um maluco? É, obviamente, uma merda de ideia. Uma ideia feita para nos forçar a encarar como boa a possibilidade de começar outra guerra.

Antes que me perca no labirinto desta ideia concluo, voltando ao início do post: seremos todos malucos? No que diz respeito à minha pessoa tenho dúvidas mas, no entanto, sinto-me bem disposto.

domingo, setembro 08, 2013

Pensamento vespertino

Há pessoas que nos parecem extraordinárias. Há ou não há?

Tu, caríssimo, que lês estas linhas perfeitamente alinhadas, de imediato pensaste em, pelo menos, uma ou duas pessoas. Pensaste ou não pensaste? Claro que pensaste, todos temos os nossos heróis, não há que enganar.

Os heróis podem ser reais, imaginários ou reais-imaginários. Seja qual for a sua espécie (dentre estas três) são por nós construídos. É evidente que os nossos heróis nos dão uma ajudinha na construção que fazemos deles. Por esta razão ou por aquela, uma coisa leva a outra e... pliiiiiim, temos um herói!

Sejam actos, sejam frases, seja apenas um "look" que se encaixa na imagem que corresponde ao nosso ideal seja lá do que for, vários são os materiais de que se fazem os heróis.

Quando nos chegamos a eles (estejam vivos, mortos ou assim-assim) as coisas podem mudar de figura. Na verdade, os heróis podem revelar-se tão banais quanto nós próprios e, as mais das vezes, é isso mesmo que eles são: pessoas banais que, aos nossos olhos se tornaram extraordinárias.

sexta-feira, setembro 06, 2013

Descrição

Ia à procura da ilustração de hoje de O Inimigo Público onde Obama está a cagar, na pose de O Pensador de Rodin. Obama de cócoras, calças em baixo, mão no queixo, pensativo, caga bombas que vão explodir lá em baixo, como se ele fosse um gigante (o gigante louco da guerra na pintura de Goya) ou um deus distante e aborrecido. Cagando.

Procurei no google em António Jorge Gonçalves, o autor do cartoon, e fui, mais uma vez dar à página online que tem o seu nome (clicar aí ao lado) que é uma página que, quanto a mim, merece um olhar demorado.

A ilustração referida não está lá (pelo menos ainda não está) mas há muito para ver. Já em 2009 tinha feito referência a AJG aqui, no 100 Cabeças (ver aqui) sugerindo a visita à sua obra gráfica. Agora insisto, não é demais.

À falta de imagem fica a minha descrição da ilustração de hoje (O Pensador, d'aprés Rodin). O leitor pode sempre imaginá-la.