sábado, dezembro 27, 2014

Votos para 2015

Quando era pequeno aprendi a respeitar os mais velhos. Num ambiente salazarista isto implicava também respeitar, sem questionar, os chefes, os poderosos, Deus, os apóstolos, o padre, o professor, enfim, toda uma legião de seres, reais ou imaginários, que pareciam investidos de um direito especial para ditar orientações, limites e rezar sentenças definitivas. A vida era simples como as botas do ditador. Se alguém ocupava um cargo de responsabilidade e chefia era porque, decerto, tinha capacidades que o habilitavam a desempenhar as suas funções de acordo com as necessidades do povo e a boa ordem divina. 

Depois cresci, deu-se o 25 de Abril e as coisas mudaram. Percebi que a credulidade tem limites e que o respeitinho não é nada bonito.

O direito dos poderosos deixou de ser vitalício, hereditário ou benzido pela nunciatura, agora era o povo que acreditava na sua capacidade para escolher os que governariam a coisa pública. Assim fomos andando até chegarmos aqui mesmo, a este preciso momento: 2014 a morrer.

Já não acredito que quem ocupa cargos de responsabilidade e chefia o faça por ter capacidades especiais para o desempenho das suas funções. Acredito que os governantes e os poderosos resultam de acidentes da História, más escolhas, jogos de influências, interesses inconfessáveis. 

Percebo também que a dimensão ética não tem que ter cabelos brancos, que há velhos bem vestidos e perfumados que mentem mais e com maior maldade que um puto que seja simplesmente estúpido e a cheirar a cócó. Já não aceito o exercício da autoridade sem o questionar e não confio em quase ninguém que ocupe um cargo de governação. De crédulo a céptico o caminho foi longo mas surpreendentemente fácil.

O panorama político do “centrão” é uma paisagem árida, povoada por arbustos ressequidos e seres rastejantes, de formas indefinidas, que se movem furtivamente em busca da sombra protectora. 

Em 2015 iremos votar outra vez. Terá o povo coragem para escolher governantes diferentes daqueles que nos trouxeram até aqui, à beira do abismo? Faço votos de que seja esse o caminho, ainda que desconhecido ou perigoso.

sábado, dezembro 20, 2014

Meninos, é hora da barrela!

As recentes notícias sobre o chamado “processo dos submarinos” confirmam que o principal problema do nosso país é a falta de qualidades daqueles que compõem as “elites” com poder de decisão sobre a coisa pública.

O caso de Paulo Portas é bem revelador da opacidade com que as coisas se processam. Das duas, uma: ou Portas agiu de boa-fé e revelou ser um idiota, ou agiu de má-fé, comportando-se como um vigarista vulgar.

O modo como as suas estranhas decisões foram caucionadas por Santana Lopes talvez comece a levantar uma pontinha do véu sobre as razões que levaram Jorge Sampaio a dissolver a Assembleia, mandando o governo destes senhores direitinho às urtigas, o seu lugar natural.

Idiota ou vigarista, Portas não tem condições para se manter no governo nem mais um dia. Suportando uma personagem deste calibre, Passos Coelho, outro figurante de 2ª categoria na farsa do poder que nos é servida diariamente, mostra, também, as suas qualidades extraordinárias para o exercício do cargo que ocupa. De Cavaco, o Magnânimo, nem vale a pena falar, coitado.

Sim, porque os figurantes de 1ª categoria como Ricardo Salgado, também se afirmam ignorantes da verdade e, sem querer, enchem a bocarra de mentiras. Neste país não há verdade que não seja mentira e vice-versa. Está na hora da barrela. 

domingo, dezembro 14, 2014

É agora!

A coisa parece impossível de resolver. Aparentemente não haverá nada que se possa fazer para contrariar tão nefasta maré, estamos condenados.

O céu esconde-se, envergonhado, atrás de uma espessa cortina de nuvens mais cinzentas que a cinza, nuvens gordas, promessas de tempestade. Os pássaros voam rápido e baixo, piando de um modo que arrepia os mais corajosos e experimentados nos mistérios do oculto. Uma brisa gelada lembra-nos que temos uma ponta no nariz.

De súbito tudo pára. O vento pára, os pássaros param, as nuvens não mudam de forma nem se mexem no céu, petrificadas, o mar ficou sem ondulação, como se fosse um espelho gelado reflectindo o cinzento do céu, tornando o mundo todo cinzento. Cinzento. Um silêncio opressor abafa tudo. É agora!

quinta-feira, dezembro 11, 2014

Momento fora do tempo

Ok, sou um gajo capaz de obedecer à mais rigorosa das rotinas tão depressa quanto posso deixá-la para trás em absoluto esquecimento. Fazer uma nova rotina da ausência de rotina. A verdade é que tenho uma mente errática e uma capacidade de reflexão muito difusa.

Isto seria agradável se o meu trabalho exigisse de mim que fosse um tipo criativo, um inventor, poeta, artista, coisas assim, daquelas que impressionam as senhoras sentadas em volta da mesinha tomando chá em adoráveis chaveninhas, mindinho espetado e lábios em bico de passarinho que o chá vem quente. Contar histórias de grande moral interpretadas por personagens de ética estratosférica, o sonho de qualquer mortal que tenha vivido por estas bandas lá para finais do século XVIII, a montar os primeiros anos do século XIX.

Pois, mas eu falhei essa parte, a parte de impressionar velhinhas sem ocupação às cinco de la tarde.

O problema é quando o trabalho exige de mim competências burocráticas e uma disciplina metálica. Ui, ui, nessas ocasiões faço um esforço tremendo, quero concentrar-me, fechar as ideias em gaiolas individualizadas para que não se influenciem mutuamente ou se infectem com algum vírus esquisito. Mas. qual quê!?

As pessoas são animais e há animais que são como pessoas. Obviamente.

terça-feira, dezembro 09, 2014

Impotência intelectual?

De cada vez que leio os trabalhos e os testes dos meus alunos sinto uma pequena vertigem, uma espécie de vento no interior do crânio. Fico arrepiado.

Não é apenas a escrita indigente, os constantes erros ortográficos ou a incrível dificuldade na conjugação dos tempos verbais mais simples, na maioria dos casos vejo um infinito deserto de ideias, uma apatia crítica extraordinária.

Por mais que os pique, por mais que quase os insulte, raramente obtenho mais que um ajeitar na cadeira, uma mudança da mão que sustenta o queixo ou mesmo a cabeça, que é coisa que parece estar sempre a cair-lhes abaixo do pescoço.

Será que o facto de terem todos os conteúdos escarrapachados no Google, ao alcance de um clic, lhes retira o entusiasmo pelo saber? Será que a superficialidade uniforme da maior parte dessa informação faz deles uma espécie de amálgama cultural, sem curiosidade nem opinião própria para lá do que lhes é impingido pela publicidade e pela informação mastigada e colocada à disposição no Google? Receio bem que assim seja.

O Google está a criar uma geração de cidadãos intelectualmente impotentes? Honra seja feita aos putos que, no meio de toda esta caca, conseguem inventar-se a si próprios e ao mundo que os rodeia.

quarta-feira, dezembro 03, 2014

Húbris para que te quero!?

"Aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco." A frase de Eurípides é terrível mas revela-nos uma certa perspectiva da existência humana.

Quantas vezes não pensamos para nós próprios que o mundo está louco, querendo dizer que toda a gente que pisa este mundo é completamente louca? Talvez seja obra dos deuses.

Indo um pouco mais fundo; sabemos bem quem é responsável pela existência dos deuses. Logo não é de admirar que, sendo os criadores loucos, as criaturas o sejam igualmente. A tendência suicida da espécie humana terá também passado para os deuses?

Esta hipótese é inquietante. Talvez devêssemos pensar em retirar certos poderes às divindades que inventamos. 

terça-feira, dezembro 02, 2014

Vazio

O vazio é um espaço cheio de nada... mas que raio de coisa é essa: o nada!?
Se tem nome  é porque é alguma coisa embora pareça querer esconder-se ou passar despercebido.

O nada tenta fazer-se transparentemente camaleónico, confunde-se na paisagem, enrola-se na ausência de outras coisas, quer-nos fazer acreditar que não é o que, na realidade, é. O nada é um espião.

Tenta ser zero, ser vazio, tenta não ser nada, suprema artimanha, algo que tenta não ser aquilo que é.

Por vezes suspeito que o nada seja uma divindade maligna que se vai encostando nas dobras do nosso pensamento como quem não quer a coisa, à espera... eternamente à espera.