terça-feira, novembro 30, 2010

Jardinagem


Enxertar rebentos da realidade numa planta inexistente: essa é a actividade do artista, jardineiro de coisa nenhuma no magnífico jardim do Marajá.

sexta-feira, novembro 26, 2010

Um problema

O cartaz do filme


Estou com um grave problema. Comecei a ler "Expiação" de Ian McEwan, um dos autores que mais tenho lido nos últimos tempos e que admiro profundamente ao ponto de pretender ler todos os seus livros já editados em português. Então que raio de problema posso ter com "Expiação"? O meu problema chama-se FILME que, ainda por cima, vi duas vezes; uma no cinema outra em casa.

Não me lembro de outra ocasião em que tenha visto primeiro um filme e depois tenha lido o livro que lhe deu origem. O contrário já aconteceu uma vez ou outra e, nessas ocasiões, pude sempre concluir da extraordinária distância entre dois objectos que se debruçam sobre o mesmo tema recorrendo a diferentes formas de expressão artística. Normalmente parece-me que a Literatura vence o Cinema com bastante à vontade. Desta vez tenho um problema.

Logo na 1ª página fui assaltado pelas persongaens do filme. McEwan descreve a personagem e eu já estou a vê-la antes do fim da descrição e, pior que tudo, estou a comparar as dificuldades que os responsáveis pelo casting do filme tiveram para escolher as pessoas que correspondessem à imagem literária de McEwan.
E esta reflexão alastra para as cenas em si, para os ambientes, para a interioridade das personagens... caraças, o filme está a infectar-me a leitura com uma doença grave e deformadora tanto da pele quanto das entranhas do meu prazer na leitura.

A doença do meu prazer é de tal modo grave que pondero seriamente passar em falso a leitura de "Expiação" e dedicar-me a outra obra de McEwan uma vez que ainda me faltam duas ou três. Não sei, ainda não me decidi. Mas uma coisa eu garanto: muito dificilmente repitirei esta proeza. Adoro cinema mas, percebo agora, a leitura é-me bastante mais querida.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Entre uma coisa e outra


Aqui há dias fui ver o mais recente filme de Harry Potter. Penso que falhei um dos episódios da saga do feiticeiro (já não posso dizer "do pequeno feiticeiro"), ou terei falhado dois? Não sei bem.

Quando a minha filha começou a ganhar autonomia para ir ao cinema com os amigos deixei de seguir religiosamente as aventuras de Harry Potter e seus compinchas. Ela tornou-se uma cinéfila respeitável, com um variado leque de gostos que muito me orgulha, alguns bastante (muito) exigentes. A série do feiticeiro faz parte daqueles que não pode perder.

A qualidade dos filmes parece-me bastante razoável sob todos os aspectos. Não me entusiasma mas também não me incomoda. "Os talismãs da Morte - parte 1" vê-se com agrado. Algumas das personagens que transitam de filmes anteriores eram-me desconhecidas mas isso não me impediu de seguir "por dentro" as peripécias da narrativa.

A cada novo filme os actores estão (muito) mais crescidos e o tom do ambiente geral é cada vez mais negro, por vezes parece-me mesmo algo cruel. Se os primeiros filmes da série eram infantis, os mais recentes deixaram de o ser. Imagino que uma criancinha fique um tanto incomodada com algumas cenas. Os espectadores fiéis de Harry Potter cresceram e, com eles, cresceram os actores e a narrativa geral da coisa tornou-se, também, mais adulta.

Harry Potter é, sem dúvida, um dos maiores fenómenos culturais do mundo globalizado pelos meios de comunicação supersónicos. Um mundo mágico, onde a verdade e a realidade se podem separar com nitidez mas que nos permite sonhar mais quando estamos acordados, seja na sala do cinema ou aqui, sentados defronte deste écrã, a olhar o mundo virtual e a viver esta vida que não sabemos muito bem que tipo de vida é. Nem verdade, nem realidade, algo entre uma coisa e outra.

domingo, novembro 21, 2010

Fotografa-me, fotografa-me por favor!


Tenho tentado ignorar ao máximo esta coisa da cimeira da NATO (ou da OTAN, como se diz em português esta coisa). Há, a toda a volta do acontecimento, um folclore que me indispõe. São os políticos que parecem querer apenas as suas oportunidades de foto de mão dada com Obama e um sorriso afivelado nas beiças. Ou a parecer que estão a dizer uma coisa muito importante a fulano, talvez o assunto seja sicrano, mas podem muito bem estar apenas a dizer que "hoje ainda não caguei" que o resultado é o mesmo. A foto só mostra o aspecto não mostra o conteúdo. E é assim que toda esta pompa e circunstância aparece aos meus olhos. O que sai cá para fora, o que nos entra nos ouvidos, é uma ínfima parte do que por ali se discute. Nas sessões abertas aos jornalistas só se deixam cair da boca para fora discursos de circunstância,  bocas para fazer manchetes agradáveis. As conversas que interessam, aquelas que são hard-core, 1º escalão, têm-se à sorrelfa, longe dos orelhudos que escrevinham nos jornais.

Do outro lado, nas ruas, o folclore é diferente mas também parece obedecer a regras pré-formatadas. São os gajos com rastas e os que se algemam em cima dos que se deitam no chão. Todos pacifistas e anti-guerra e anti-qualquer-coisa que lhes cheire a não-sei-quê. Também estes procuram a sua oportunidade de foto, por que outra razão uma pessoa haveria de despejar latas de tinta vermelha pela cabeça abaixo?

Nos dias em que esta coisa andou por aqui continuei a comprar jornais mas, em vez de ler os longos textos de especialistas e jornalistas limitei-me a ver as fotos. Afinal de contas é o que realmente interessa aos protagonistas de todo este folclore mediático.


Um dia de protestos anti-NATO no centro de Lisboa from jmsb on Vimeo.

quinta-feira, novembro 18, 2010

O deserto está vazio


É a partir de amanhã que se reúne em Lisboa a tão badalada cimeira da NATO. Que vai ser histórica, dizem os polítiquitos tugas, sempre a tentarem enfiar os respectivos nomes nas páginas dos livros que contam como as coisas foram, esquecendo-se de tentar inscrever os nomes nas páginas dos livros que propõem como as coisas vão ser; que é uma reunião importantíssima para o futuro desta santa aliança, dizem os analistas, que vai ser uma grande merda, digo eu (que sou um chato).

As medidas de segurança em volta do pessoal que voa de todas as partes do mundo em direcção a Lisboa como limalha de ferro atraída por um íman poderoso, fazem da capital portuguesa um local em aparente estado de guerra. As fronteiras da nação estão fechadas durante o tempo que durar esta coisa, há polícia por todo o lado, carros revistados, pessoas revistadas, como nota Miguel Esteves Cardoso no Público de hoje, a Lisboa que os visitantes ilustres vão ver parece-se mais com a célebre Green Zone de Bagdad que com a menina e moça daquela canção que por vezes ainda se ouve por aí.
Todo este aparato marcial faz pensar. Mas, deixando de lado os tais pensamentos que, só por si, davam material para um post que nunca mais acabava, deixo apenas uma pergunta: porquê em Lisboa, meu Deus?

Porque se faz uma reunião destas no meio de uma cidade que tem o seu ritmo de vida diário normalzinho, o seu quotidiano delirante bem oleado e em funcionamento, que vai parar na sexta-feira; uma cidade que é posta em estado de sítio num dos países mais pacíficos deste mundo (há quem diga que é um país em estado de coma andante). Até parece que se está a convidar um bando de demónios para reunir na capital do paraíso! Porque não fazem estas merdas em lugares onde não haja uns milhões de pessoas a atrapalhar os figurões? Os desertos estão sempre tão vazios...

terça-feira, novembro 16, 2010

Animais falantes


"Somos uma manada de merda" disse um deles; "Gritamos, ameaçamos e reclamamos mas, na verdade, estamos apenas a mendigar um pouco de atenção e alguma compaixão. Ficamos satisfeitos com uma esmola sentimental. O pior é que os cabrões sabem disso e não nos levam a sério."

domingo, novembro 14, 2010

RED, vermelho de gozo


Bruce Willis numa cena destas é absolutamente normal. Morgan Freeman, também. John Malkovich já pode ser considerado surpresa mas, Hellen Mirren!? Essa é mesmo inesperada. Juntemos Mary-Louise Parker e temos completo o elenco principal  deste filme de acção inspirado numa Banda Desenhada da DC Comics.

O registo global é de comédia marcial. Os maus estão por lado e mesmo os bons são, na verdade, muito mauzinhos. Tiros, mortes e explosões em catadupa, frases corrosivas e personagens pouco usuais (estou a pensar na de Malkovich, um ex-assassino da CIA que foi submetido a experiências que consistiram em enchê-lo de LSD diariamente, ao longo de vários anos).

Resumindo e concluindo, um produto de consumo imediato que se consome com agrado e alguns sorrisos (talvez até com alguns risos). No final... bom, no final não restará grande coisa mas também não me parece que ninguém vá ver este filme à espera de compreender um pouco melhor o mistério da existência humana.

sábado, novembro 13, 2010

Uma citação


Tenho uma admiração especial por Jorge Luís Borges. Quando leio alguma coisa de todas as coisas admiráveis e maravilhosas que ele deixou é como se estivesse a ouvir a voz da Sabedoria. Essa voz soa-me gentil e poderosa, uma expressão contínua da beleza que as coisas do mundo encerram.
Deixo um excerto de Este Ofício de Poeta, um conjunto de lições exemplares e comoventes.

"Todas as vezes que mergulhei em livros de estética tive a sensação desconfortável de estar a ler livros de astrónomos que nunca olharam para as estrelas. O que quero dizer é que escrevem sobre poesia como se a poesia fosse uma tarefa e não o que realmente é: uma paixão e uma alegria.
(...) A poesia não nos é alheia - a poesia espreita, como veremos, a cada esquina. Pode saltar-nos em cima a qualquer momento.
Agora estamos prontos para caír numa confusão vulgar. Pensamos, por exemplo, que, se estudamos Hoemro, ou a Divina Comédia, ou Frei Luís de Léon, ou Macbeth, estamos a estudar poesia. Mas os livros são apenas ocasiões para a poesia.
Acho que Emerson escreveu algures que uma biblioteca é uma espécie de caverna mágica cheia de mortos. E esses mortos podem renascer, podem voltar à vida quando abrimos as suas páginas.
Por falar no Bispo Berkeley (o qual, deixem-me recordar-vos, foi um profeta da grandeza da América), lembro-me de que ele escreveu que o sabor da maçã não está na própria maçã - a maçã não se saboreia a si própria - nem na boca de quem a come. Rquer o contacto entre as duas. O mesmo sucede a um livro ou a uma colecção de livros, a uma biblioteca. Na verdade, o que é um livro em si? Um livro é um objecto físico num mundo de objectos físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então chega o leitor certo e as palavras - ou melhor, a poesia por trás das palavras, pois as palavras em si são meros símbolos - saltam para a vida e temos uma ressurreição da palavra."

páginas 8 e 9 na edição da Teorema.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Alívio quase total


Por vezes tenho a sensação de que o mundo já acabou e que agora vivemos num lugar muito mais esquisito. É tudo muito triste. Não há nada para fazer e as pessoas sentem-se abandonadas, vagueando por aí, sem trabalho. Isso leva-as a agir de forma bastante bizarra.
Quando esta sensação cresce demasiado e começo a ficar assim a dar para o deprimido, belisco-me com força ou dou um soco na testa e percebo que ainda estou aqui, que tudo aquilo, afinal, não era mais que uma espécie de sonho. Talvez um pesadelo.
A dor traz-me de volta à realidade e eu sinto-me melhor. O mundo não acabou e os zombies do meu sonho são apenas mendigos, velhos e pessoas desempregadas à procura de qualquer coisa. Perante um quadro destes sinto-me muito melhor. Para ser sincero, sinto-me aliviado.

terça-feira, novembro 09, 2010

Encolheste os ombros hoje?


"(...) e o guarda florestal encolhia os ombros. Os encolhimentos de ombros podiam significar que uma pessoa não sabia nada ou então que a realidade era cada vez mais vaga, mais parecida com um sonho,ou então que tudo ia mal e que o melhor era não perguntar nada e armar-se de paciência."

Roberto Bolaño, 2666, página 796

domingo, novembro 07, 2010

Fincher regressa


David Fincher já fez vários filmes que não se esquecem do dia para a noite. Clube de Combate ou Sete Pecados Mortais figuram sem dificuldade nas listas de filmes mais sólidos das últimas décadas. Com Benjamin Button parecia ter perdido um pouco a eficácia narrativa que agora recupera em A Rede Social em grande estilo.

A primeira cena deste filme dá o tom, logo à partida. Personagens com espessura, diálogos bem construídos, ritmo trepidante. Tal como numa página de Facebook, somos confrontados com diferentes linhas narrativas em simultâneo. Os flashbacks entram na perfeição, o espectador nunca se perde nem perde o interesse pela sequência de acontecimentos.

A capacidade de criar e marcar diferentes ambientes visuais e sonoros contribui notavelmente para  a qualidade global do filme. A ver. Sem receios de qualquer espécie.

sexta-feira, novembro 05, 2010

Visões do Brasil


Muitos dos vsitantes do 100 Cabeças são cidadãos brasileiros. Por aqui (leia-se em Portugal) as notícias e artigos de todo o tipo de jornais referem-se com frequência ao Brasil. São perspectivas tomadas deste lado do Oceano Atlântico. As eleições para o presidente (a presidenta) fizeram chover torrencialmente notícias, reflexões, opiniões e mais que Deus tenha inventado, sobre o Brasil. O Brasil é uma paixão antiga, um amor por resolver.
Fico sempre curioso como verão os brasileiros aquilo que nós deles vemos. Por isso deixo aqui este link e mais este, para textos de Rui Tavares que saíram no jornal Público e estão no seu blogue. Da parte que me toca parecem visões interessantes e que me merecem um crédito razoável. Será tanto assim?

quinta-feira, novembro 04, 2010

Sonho americano



Sonhava com uma casa nos subúrbios, um jeep (daqueles grandes, cheios de espaço inútil), um marido (com os dentes todos e um sorriso fixo), um filho (loiro e de olhos azuis, apesar de ela ser uma hispânica morena e ter cabelo cor de andorinha). Sonhava ainda com um cão, para passear ao fim do dia, quando o sol dourasse os telhados da vizinhança.
Mas, nos últimos tempos, tinha a sensação de que o cão era ela. Melhor dizendo; que ela era a cadela.

quarta-feira, novembro 03, 2010

O cérebro exposto


Os olhos são a parte exposta do teu cérebro, a forma que ele encontrou para contactar o mundo que o rodeia. Os olhos são como excrescências cerebrais atraídas para a luz, pedaços de tecido que rastejaram para fora da caixa craniana protectora. Os olhos são instrumentos de inteligência altamente sofisticados.
Não escondas os teus olhos pois desse modo cegas o teu cérebro que deverias alimentar com visões e outras coisas dignas, reveladoras, magníficas! Abre bem os olhos e vê.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Máximas mínimas


As pessoas anseiam por causas que substituam os ideais perdidos.
Um ideal aloja-se-nos no cérebro, uma causa infecta-nos o coração.