quinta-feira, junho 26, 2014

o grande ecrã

Pronto, lá se foi a selecção portuguesa, malas aviadas, fora do Campeonato do Mundo. A nossa equipa deixou uma imagem estranha: jogadores cheios de estilo (penteados, barbas, tatuagens, roupas e sei lá que mais) mas a cair como tordos. Perdi a conta aos jogadores lesionados ao longo destes 3 jogos.

Mas que raio!? Porque caíam os nossos jogadores e os outros não? Não foi do calor, não foi o temido dengue, tiveram todas as mordomias, porque saíram tantos dos nossos agarrados às penas, a chorar, como bons portugueses?

Mas já me estou a desviar daquilo que queria dizer, o assunto que queria referir: o grande ecrã!

Decerto reparaste, futebolista leitor, nos olhares vagos que todos, jogadores e treinadores (nos árbitros não reparamos que não são assim tão focados pelas câmaras de filmar) vão lançando para o alto no decorrer das partidas. Eles olham para cima, não para Deus mas para si próprios. E o mais interessado na imagem que exporta (se não O mais, pela certa um dos mais) é o nosso craque, o maior do mundo: Cristiano Ronaldo.

Adoro aquele jogador enquanto atleta. Não nutro por ele grande simpatia enquanto pessoa, embora possa compreender que para vingar ao nível que ele atinge num mundo tão merdoso como o mundo do futebol seja necessário um ego do tamanho de um continente. O de Ronaldo é, deveras, enorme.

Nota tu, amigo meu, que em 3 jogos o considerado melhor jogador do mundo apresentou 3 cortes de cabelo/penteados diferentes. Olhou-se, mirou-se e remirou-se, sobrancelhas arranjadinhas, milhões de teenagers a suspirar pelo seu corpo de estátua... bom, nem as estátuas gregas são tão perfeitas como Ronaldo (o Cristiano, não o Fenómeno). E marcou apenas um golo.

O rapaz não tem tempo para pensar em futebol enquanto evolui no relvado ou, pelo menos, tem de distribuir a sua atenção entre a bola, as chuteiras dos adversários, a baliza e o tal grande e famigerado ecrã.

Decerto não terá sido isso a única razão da nossa triste passagem pelo Brasil. Mas lá que as nossas vedetas parecem personagens de telenovela venezuelana... por favor, retirem aquela coisa dos estádios. Serve apenas para distrair toda a gente do essencial.

quarta-feira, junho 25, 2014

Manifesto escondido?

O caso tem todos os contornos de uma coisa infinitamente estúpida. Quem terá decidido que a obra "Portugal Enforcado", um trabalho escolar da autoria de um tal Élsio Menau, era merecedora de censura por parte do estado? Fazendo uma pesquisa breve na Net compreendemos tratar-se de um trabalho inofensivo e pueril.

O que me surpreende mais até é a nota de 18 valores com que o objecto acabou por ser avaliado. Eu sei que nessa avaliação está também considerada a dimensão conceptual da proposta plástica mas, tendo em conta a redundância da coisa, é precisamente por isso que me parece uma avaliação exagerada. Decerto os avaliadores estão lixados com a forma como o governo tem apertado o nó na garganta de cada um de nós, aqui representados por uma bandeira de algum modo colocada numa forca.

Decerto que não foi a discordância com a nota atribuída que levou um cidadão deste país a acusar de desrespeito ao símbolo nacional o "Portugal Enforcado" e, por arrasto, o seu autor. A motivação pidesca e rasteira de tal denúncia diz tudo o que haja a dizer sobre o seu autor.

Há, no entanto, uma possibilidade que ainda não foi considerada: e se o denunciante for um artista plástico (assumido ou que ainda não tenha compreendido a sua vocação artística) e a denúncia for a sua obra? E se este caricato caso de justiça não for mais do que um manifesto artístico escondido que reflecte sobre a vacuidade da justiça em Portugal? Se o artista pretender insinuar que os tribunais são uma das traves que sustentam a forca em que Portugal vai dependurado?

A Arte Conceptual leva-nos para territórios verdadeiramente selvagens.

quinta-feira, junho 19, 2014

Curva cega

Há sensações que brotam do nosso corpo, que rebentam, que vêm, que se revelam através das mais variadas manifestações. Saem disparadas como gritos, poemas, borbulhas, erupções cutâneas, desenhos, canções, palavras doces, palavras tôlas, azedas e nem por isso. Palavras redondas ou cortantes como lâminas que reverberam na escuridão, produzindo uma lúgubre canção de embalar.

Falamos, gritamos, cantamos desalmadamente; tentamos explicar este aperto, esta secura, a tontura, a falta de ar, o súbito calor que de tão forte desorienta e provoca vertigem, logo um frio de rachar vem ocupar o seu lugar. Rilhamos os dentes e desejamos fazer mal, infligir dor. Estamos desorientados, perdidos nos nossos próprios sentimentos que já não nos pertencem, que agora são esta ansiedade, esta coisa que se mexe e nos aperta o peito do lado de dentro, este bicho que nos quer consumir à força de lambidelas.

Ok, ok, chega. Mas que raio de coisa estou para aqui a tentar escrever?

A verdade é que isto não significa nada, é escrita vazia, curva apertada e cega que não sei para onde vai nem quer ir para lado nenhum. A verdade, verdadinha, é que estou a ficar impaciente pois a minha filha regressa amanhã após seis meses em Bratislava onde esteve no âmbito do programa Erasmus. Neste estado não escrevo, não desenho, pouco penso... mas aquela cena do aperto no peito ali mais atrás, olha, se calhar até nem é totalmente vazia de sentido.

quarta-feira, junho 18, 2014

Da Razão e do Vazio

Disse para aí um poeta, se não erro, que "há razões que a Razão desconhece". Concordo perfeita e absolutamente. Pobre Razão! Ela não compreende a maior parte das coisas, como poderia?

A própria palavra "razão" soa estranha. Assim isolada parece-me referir a trajectória de algo que passa muitíssimo perto de outra coisa, algo que passa tão a rasar, tão a rasar, que faz um razão!!! Ora, como pode algo assim atingir o âmago da questão?

Não, a razão não me parece resposta que se procure como se dela dependesse o entendimento do mundo ou a compreensão da lonjura das fronteiras que confinam a alma humana. A razão, quando muito, poderá proporcionar agradáveis discussões na tasca, sempre que discutimos Filosofia com um belo copo à frente do nariz; copo que vem e vai, despejado e logo recarregado daquilo que nele faz falta quando vazio fica.

Mas, se me esquivo a aceitar a Razão, o que resta?

Se formulaste esta questão mereces resposta, aveludado leitor. O que resta, queres tu saber? Pois, na minha estrábica perspectiva, parece-me que não resta nada mas apenas o Vazio (que não tenho a certeza que seja alguma coisa).

E quem quer viver no Vazio? Impacientas-te tu com uma certa dose de... razão.

Pois olha, amigo meu, isso não te posso responder porque, tal como o outro, "só sei que nada sei" embora, cá no fundo, que sou pessoa um tanto convencida e vaidosa, não acredite em tanta ignorância nem esteja tão convicto das qualidades extraordinárias do Vazio e nem dos defeitos impraticáveis da Razão.

Já ia fechar a loja quando encontrei isto algures aí pelo espaço virtual. Pareceu-me a propósito embora não subscreva.


terça-feira, junho 10, 2014

Selvajaria

Terá o primeiro ser humano pressentido a felicidade? Tê-la-á sentido, de facto, em alguma ocasião? Talvez essa sensação, esse pressentimento, essa coisa instalada no peito, talvez tenha servido de motivação para que os nossos antepassados mais remotos tenham começado esta infindável luta pela sobrevivência da espécie.

Talvez a felicidade seja a principal razão pela qual todos os animais se esforçam por sobreviver. Talvez devêssemos chamar instinto à felicidade; e não sentimento, ou lá o que chamamos a isso. E os animais que mais lutam, os que mais se esforçam no desespero de prevalecer, os reis da selva, talvez sejam os que mais sentem (ou pressentem) a felicidade na sua forma mais pura, quase, quase, a felicidade tal como ela é.

Talvez lhes venha daí a agressividade extraordinária, a capacidade de trucidar e matar, despedaçar os outros animais, seja à dentada, seja à força de patadas violentas. Talvez o desejo de felicidade nos transforme em feras.


Entre nós, seres humanos, felicidade e amor parecem vir amiúde emparelhados, uma coisa a permitir a existência da outra e vice-versa. Talvez a violência seja o resultado de uma certa necessidade de amor. Talvez o amor seja a sublimação da mais absoluta selvajaria.

quarta-feira, junho 04, 2014

O Mundo muda bué

Muito barafustamos nós com os chineses por eles não serem como nós dizemos que somos nem respeitarem os princípios que nós imaginamos respeitar.

Que não há Democracia na China, que não há Direitos Humanos. Ora bolas... os chineses que se lixem? Isso é que era doce!!!

A Democracia e os Direitos Humanos são invenções nossas, coisas surgidas no Ocidente, criaturas da nossa civilização, porque carga de água haveriam de dizer o que quer que fosse aos habitantes do Império do Meio?

Pois é mas... segundo rezam recentes previsões de encartados bruxos, o Produto Interno Bruto da China será maior que o dos Estados Unidos já em 2016, faltam dois anitos! A China será a maior economia do mundo em 2021, a sua moeda substituirá o dólar como reserva mundial em 2027 e, trema-se de pavor, será a potência militar mais poderosa do universo em 2030. Com alguma sorte ainda por cá andarei para assistir a algumas destas mudanças, com algum azar ainda por cá andarei para assistir a todas elas.

Quererá tudo isto dizer que, muito em breve, o mundo começará a estudar as línguas faladas na China para, dentro de um ou dois séculos, esquecer o inglês? Irão os Direitos Humanos tornar-se ainda mais deslocados e desprezados quando nós, os orgulhosos e petulantes ocidentais nos voltarmos de mão estendida para a imensa China?

Eu sei que o Mundo muda bué, que não há Valores Universais, que os Valores (com "V" maiúsculo) são muito parciais mas, caramba, isso não me ajuda a aceitar os valores de outros povos e de outras civilizações assim, de monco caído.

Irá o Ocidente praticar a secular arte de engolir sapos vivos?

segunda-feira, junho 02, 2014

Cauda de lagartixa

A nossa necessidade de atenção e compreensão é uma coisa de dimensão cósmica.

Ao terminar a frase registada acima reparei como poderia ter escrito "cómica" no lugar de "cósmica" e o discurso seguiria por caminhos bem distintos... ou não?

Bom, este é um bom exemplo daquilo que os meus professores classificavam como um "espírito disperso". A facilidade com que mudo de direcção deveria preocupar-me caso fosse um profissional de ciência exacta. A verdade é que, na maior parte das actividades que desenvolvo, este pensamento errático serve bem enquanto ferramenta de trabalho.

Repare, caríssimo leitor, como estou já longe da ideia inicial. É isso um problema? Diga-me você.

Voltando atrás: necessidade cósmica? Sim, isto porque imaginamos um Deus omnipresente e omnipotente que, no entanto, hesita nos sinais que envia para nos ir informando dos seus objectivos, orientações e reprovações. Na verdade, quem acredita em Deus, vive para tentar compreendê-Lo e, desse modo, justificar os próprios actos. Não há Livre Arbítrio para esta facção da Humanidade.

Ora, para um gajo como eu, cuja capacidade de concentração é como um pássaro que se esqueceu do lugar onde fez o ninho, Deus é uma presença ocasional; posso estar a tentar contactar com Ele através da oração e, por exemplo, distrair-me com o "agora e na hora da nossa morte", do Pai Nosso. Sim, a frase poderá sugerir que, quando eu morrer e os restantes pecadores baterem a bota, Ele morre também.

Ok, estou a forçar a coisa para poder continuar a derivar e a contorcer o discurso, justificando o título deste post provando a minha capacidade de perder o fio sem perder a meada e vice-versa. Isto serve-me às mil maravilhas para dar uma aula ou fazer um desenho (nunca, ou muito raramente, faço um esboço) mas, imagine o leitor, as dificuldades que se colocam quando tenho de cumprir os deveres burocráticos que infernizam a existência dos professores mais capazes de organizar o pensamento.

Voltando atrás: dimensão cómica? Sim, quando era criança achava tanta graça às contorções de uma cauda de lagartixa que estropiava alegremente os animaizinhos. Sabia bem que o irrequieto apêndice haveria de crescer outra vez, milagre de regeneração de tecidos. Tal como as ideias, tal como os pensamentos...