Imagem de Alexandre
Hoje tive um momento estranho. No calor abrasador da tarde, saí para deitar umas garrafas de plástico no ecoponto e ir comprar cigarros. Na soleira da porta do prédio ao lado do meu estava um rapaz que contava entusiasmado uma história a uma rapariga. Não teriam mais de 14 ou 15 anos. Ele explicava como tinha sido intensa uma experiência qualquer, passada algures num sítio chamado Bairro Branco. Não faço a mínima ideia de onde será tal sítio. Apanhei qualquer coisa relacionada com pintura. Graffiti, imaginei. O rapaz dizia que estava a pintar quando a mãe lhe telefonou. Dobrei a esquina, perdi o resto. Ao regressar após ter deitado as garrafas no contentor, havia mais um rapaz, um vizinho que mora naquele prédio. A rapariga era a namorada dele pois, apesar do calor, estavam abraçados. O outro miúdo contava a história de novo, a tal aventura passada no Bairro Branco.
Quando entrei no carro lembrei-me daquele tempo em que, quando um gajo tinha uma história, a contava vezes sem conta até ficar perfeita, até a realidade se ajustar à nossa perspectiva dos acontecimentos. Aquele tempo em que a verdade não era mais do que contar histórias repetidas até à exaustão.
E como era bom sentir as peças a encaixarem-se umas nas outras, perfeitamente, cada vez melhor sempre que a história era repetida. E o entusiasmo com que o fazia, a volúpia de poder limar algumas arestas colorindo o meu papel nos acontecimentos. Fazia de mim o herói do meu próprio filme, claro.
No calor da tarde senti-me outra vez um adolescente feliz por encontrar uma ordem segundo a qual a realidade fazia todo o sentido, por recordar como o Mundo já foi, para mim, um lugar completo e preenchido, uma ficção maravilhosa onde as coisas verdadeiras se misturavam com perfeição nas outras, menos verdadeiras mas não menos reais. E misturava tudo, uma e outra vez, até encontrar a narrativa ideal. Depois repetia-a até à exaustão e fazia rir ou apenas sorrir os meus amigos. Na verdade fazia as histórias para eles. Dedicava-lhas, incluía-os, oferecia-lhes protagonismo sem perder de vista o (meu) papel principal.
Ali estavam aqueles 3 adolescentes indiferentes ao sol implacável do verão Almadense, a reviverem a eterna paixão pela vida, uma paixão que se incendeia cada vez mais à medida que se vai percebendo e deixando descobrir. Eles estavam felizes e são felizes. Eu também já fui. E sou... e quero continuar a ser...
10 comentários:
Gostei muito deste texto. Fez-me um bem incrível lê-lo. Obrigada.
Beijinhos.
Cristina Loureiro dos Santos
Ainda bem que gostaste.Fica bem. Beijinhos.
A Cristina tem razão.
" Fez um bem incrível, le-lo"
Bonita e sincera frase. Bom texto, mais uma vez! E desta, mais otimista! Fico contente!
Bom Domingo.
Dando uma volta pela web descobri aqui uma matéria que pelo conteudo e ilustração me lembrou você:
http://www.papelenblanco.com/2008/07/15-humor-grafico-en-la-rep-checa-pavel-reisenauer#more
Espero que concorde comigo!
Forte abraço,
Eduardo, pessimismo não é doença, é estado de espírito... será? Por vezes ficamos optimistas.
Quanto à imagem que você encontrou tem toda a razão "sou eu". É o monstro de Frankenstein na versão cinematográfica de James Whale de 1931. Um clássico.
:-)
Mais uma vez um excelente texto!
(Excepto o "comprar tabaco".... mas, felizmente ou não, não há textos perfeitos).
Uma narrativa tão envolvente,tão realista, tão cheia de vida e de esperança.... prova que esse "estado de alma do pessimismo ... já teve outros dias.
Parabéns pela criatividade e pela "eterna paixão pela vida".
Só posso agradecer as tuas palavras. São um incentivo para mim. Obrigado.
O sonho foi da sestinha...
Frankie nã dorme a sesta!
:-)
eh,eh...Frankie fugiu para Hollywood e o Tom Waits(Espera)...aguarda.
^-^ ^-^ ^-^ ^-^ ^-^
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