segunda-feira, julho 28, 2008

Debaixo do sol


A mulher assim a dar para o envelhecido, o miúdo com o boné e aspecto meio lerdo, mais a rapariguita com dentes de fora mas sem aparelho que lhos possa corrigir, jogam cartas. Na areia da praia, mais limpa que muito suja, corpos meio sentados, fazendo força para que se não deitem, atiram cartas para uma toalha que não vejo mas facilmente posso adivinhar.

O sol ora brilha ora se esconde, parecendo jogar também um jogo de enganos e trunfos escondidos.

Vistos assim, daqui, da memória que guardo e que é meio longe, meio perto, estão felizes.

Não os ouço, espio a sua alegria por não ter mais nada de bom para fazer e sinto-me a sorrir com eles que nem me imaginam e muito menos sabem o que quer que de mim seja. Nada.

Vejo-os jogar, as cartas subidas ao peito, a dançarem os olhos, os olhares, os lábios sorridentes. São belos, são um grupo lindo. A felicidade que deles emana é tão completa que quase a sinto, mesmo agora, nove horas depois de os ter visto.

Provavelmente nunca mais porei a vista em cima daquelas personagens. Personagens da minha manhã de Verão quente ou, se as voltar a ver, não saberei que são aquelas que hoje observei, nem isso interessa para absolutamente nada. O que me interessa, o que guardei, o que roubei sem tirar nada daquele grupo de três jogadores de cartas na areia quente da praia, foi a doce sensação de felicidade que todos temos, mesmo os que o não sabemos. A felicidade que habita os nossos corações. Que guardamos como tesouro de piratas, enterrado fundo por ser tão valioso. A felicidade está lá, na escuridão do baú que é o nosso peito, escondida. Demasiadas vezes escondida, mas sempre, sempre, aguardando ansiosa o momento em que possa libertar-se para vir brincar com os nossos lábios, com os nossos olhos, brincar com os nossos corpos, na esperança de poder alojar-se para sempre nos nossos corações.

Obrigado mulher. Obrigado miúdo. Obrigado rapariguinha. Agradeço também ao sol, ao mar, à areia. Agradeceria ainda a Deus, não fosse Ele um bocado mal-educado que nunca responde a nada que lhe diga ou pense ou ofereça de qualquer das milhentas maneiras que já imaginei para com Ele poder contactar.

Assim sendo ficamos por aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

Aqui há uns 3 ou 4 anos, tive um grupo de peregrinos ingleses e irlandeses profundamente católicos. Já tinham vindo de Fátima, paravam em tudo o que era igreja para dizer umas oraçõezinhas e choraram que nem uns meninos quando os levei a um convento ali na Estrela onde Jacinta passou os seus últimos dias e onde se guardam alguns dos seus pertences. Para além da Fé inquestionável destas pessoas o que mais me impressionou foi a felicidade com que eles aceitavam tudo. Nunca vi gente tão feliz em toda a minha vida! Para eles era tudo tão simples, Deus no Céu e eles cá na Terra enquanto Ele quiser. Eram pura e simplesmente bondosos e felizes.

Silvares disse...

Roserouge, estou profundamente convencido que a felicidade é a coisa mais simples ao cimo da terra. Tão simples, tão simples que nos escapa constantemente por não sermos capazes de conceber algo tão pueril. Poderá alcançar-se através da Fé ou da Arte ou sei lá do quê, mas será sempre algo insuspeito, súbito e inesperado.