quarta-feira, junho 06, 2007

Homo Economicus


Que raio de coisa andamos nós a fazer quando permitimos que as disciplinas das chamadas “humanidades” sejam cada vez menos importantes na definição dos currículos escolares dos nossos filhos, sobrinhos, primos e netos? A Filosofia, a Literatura, a História, começam a ser olhadas como empecilhos ao bom desempenho dos alunos noutras áreas consideradas mais de acordo com as exigências da contemporaneidade. As Ciências, com a Matemática à cabeça, sim, são aprendizagens essenciais. O resto é poesia, futilidades desnecessárias que não geram riqueza palpável nem põem comida na mesa das famílias. Quantos analfabetos self-made-men estão aí, aos olhos de todos, para provarem a desnecessidade de conhecimento se o objectivo for enriquecer? Não aprenderam a ler mas foram suficientemente espertos para hoje andarem a passear de Ferrari. Nunca entraram num museu mas isso não lhes fez falta para hoje morarem numa mansão com piscina, 23 quartos-de-banho e dois courts de ténis. Sem contar as criadas com farda, como aquelas dos filmes e das novelas, nem os guarda-costas de óculos escuros e fato-de-treino a fazerem jogging nas traseiras do patrão.
Para um mundo onde a Economia é Deus são necessários sacerdotes que conheçam a linguagem fria dos números, peritos na teologia do Orçamento Geral do Estado, respeitadores dos mandamentos do Banco Central Europeu. Ética e Estética não interessam nem ao Menino Jesus. Pronto, talvez interessem ao Menino Jesus, mas a mais ninguém! Pelo menos não interessam, decerto, às pessoas que realmente contam, as pessoas que mandam mais as que tomam decisões importantes como por exemplo: a qual das facções envolvidas num conflito armado devemos nós vender armas se não conseguirmos vendê-las a ambas? Ou: se despedir 500 trabalhadores for o suficiente para aumentar os lucros da empresa em 0,001% não há que hesitar, os interesses dos accionistas estão sempre em primeiro lugar. Os trabalhadores não sendo accionistas… estas coisas não se aprendem a estudar Literatura e, muito menos, a esfregar o cérebro com problemas típicos da Filosofia!!! Seres humanos hesitariam demasiado na tomada destas e outras decisões absolutamente necessárias para um saudável crescimento e desenvolvimento da Economia de Mercado. Precisamos de desumanizar o ensino de forma a criarmos os líderes de amanhã bem como os respectivos escravos, todos eles necessários ao sucesso da Nação e à sobrevivência da raça.
De tanto olharmos o Sol acabamos cegos. De tanto valorizarmos o dinheiro e as formas mais canhestras de o procurar, acabamos tesos como carapaus. Mas se é esta a vontade de Deus quem somos nós para a pôr em causa?Amen.

4 comentários:

Anónimo disse...

Silvares, foi fundo desta vez! Para meditar, reler, e espalhar!

Silvares disse...

Eduardo, andam a querer convencer o povão de que tudo se resume a números e que, caso os números batam certo, a felicidade está garantida. Não será bem assim, nem um pouco mais ou menos!

Lis disse...

Como concordo contigo! É uma luta convencer os alunos que ler e escrever importa, que nem tudo é ciência ou melhor que há muita ciência na análise textual ou apenas na fruição de um livro mas depois...depois a luta continua em reuniões de professores, na elaboração de planos curiculares, etc. A cada ano vejo reduzir o número de horas da disciplina de Português no plano anual de estudos dos cursos e é já sem surpresa que leio relatórios de colegas engenheiros, professores das disciplinas «verdadeiramente» importantes, recheados de erros...Ando cansada disto,da luta.

Silvares disse...

Lis, não deixes que o cansaço vença porque, se vencer, não fica nada que possamos fazer! Pior que relatórios enfeitados com pérolas ortográficas será verificar que os seus autores nem sequer acreditam naquilo que escreveram. O verdadeiro inimigo é a indiferença generalizada que permite o avanço da escravatura bovina.