domingo, junho 17, 2007

Aut(oritar)ismo

Ouço muitas vezes dizer que, para se governar convenientemente, é necessária uma maioria absoluta. Seja nas autarquias ou na Assembleia da República, entranha-se nas mentes do povão a ideia de que governar é uma actividade que só pode exercer-se com total liberdade de opção dos detentores do poder. A oposição serve apenas para atrapalhar e, caso não exista maioria absoluta, serve para paralisar o governo, empatando e provocando problemas incontornáveis enquanto se espera por novas eleições. Resumindo, não acreditamos verdadeiramente nas virtudes do sistema democrático que deveria assentar na troca de opiniões diferentes para encontrar soluções adequadas para os problemas comuns. Para se governar "como deve ser" ou se tem poder total ou não se pode fazê-lo.
Esta distorção da Democracia leva-nos a criar maiorias absolutas e, apesar de tudo o que aconteceu quando Cavaco foi dono e senhor do país, insistimos e agora temos Sócrates no papel de tiranete democraticamente eleito. As maiorias absolutas em Portugal têm sido desgraçadas mas continuamos a preferi-las e, de certo modo, a acarinhá-las. São monstruosidades mas são nossas e, como tal, amamo-las como se ama um filho que tem duas cabeças e nos morde sempre que tentamos ensinar-lhe a comer com as bocas fechadas.
Com maioria absoluta na Assembleia temos tido primeiros ministros que se tornam em caricaturas de monarcas absolutistas. Eles têm uma visão para o país e estão determinados a torná-la realidade, dê lá por onde der, contra e tudo e contra todos, se necessário fôr, mesmo contra aqueles que votaram e lhes deram o poder.
Basta passarmos os olhos pelo programa eleitoral que levou Sócrates a este poder (quase) absoluto para percebermos como ser eleito é uma espécie de atestado de ininputabilidade, de tal forma esse programa e as promessas nele contidas são imediatamente esquecidas e distorcidas.
Governar deveria ser um acto praticado com senso e não uma folia libertina de medidas quase pornográficas e desatinadas como as que vemos serem tomadas com demasiada frequência pelos nossos governantes.
Qual a lição que poderemos estudar? Talvez devamos reflectir sobre a bondade destas maiorias absolutas. Talvez devamos pensar que é melhor repartir o poder do que concentrá-lo nas mãos de uma única força partidária. Talvez... uma democracia não pode ser governada por déspotas (mal) iluminados sob o risco de se tornar uma ditadura de merda.
Esta afirmação leva-me a concluir que, no caso do Portugal actual, ou não estamos a viver uma democracia ou estamos a viver uma merda de ditadura, o que acaba por ser a mesma coisa e o seu contrário. Isto não faz qualquer sentido mas não importa, Portugal também não é nenhum modelo de objectividade e, no entanto, aí está em grande estilo, preparando-se para assumir a presidência rotativa da União Europeia.
Caramba, gostava mesmo de viver num país democrático. Há por aí algum? Aceito opiniões e agradeço pistas que me permitam encontrar um país verdadeiramente democrático. Quem sabe poderei emigrar!


8 comentários:

Anónimo disse...

A democracia ainda é o melhor regime!
Boa semana!

Anónimo disse...

mas o que é uma democracia? o direito de opinião não é unívoco, certo? acho eu que implicará saber ouvir outras opinioes, discutir pontos de vista, reorientar decisões, opinioes... , sei lá, tese, antítese, síntese...A maioria absoluta não implica e muito menos permite deixar de ouvir ou de respeitar outros pontos de vista.
Acho que o problema portugues é mesmo um problema de solidão (será do fado? ou este é já consequência?) !!! Falamos sozinhos, temos medo das inquisições e outros tipos de policiamento ao pensamento livre (ou à liberdade de pensamento...) e quando chega o momento da intervenção, da exposiçao, da assunção... ou vai `a bruta ou se não há maioria entende-se que não será posível fazer nada e fica tudo em águas de bacalhau (são frias, não são?)E como consequência dos choques/confrontos ficam os solilóquios traumatizados e proliferam os autismos.
Só vejo uma saída: aprender a falar e a ouvir, aprender a trabalhar em equipa e não dar campo ao cepticismo! não dar mesmo!! E, pá, não emigres, por favor, aqui é que se está bem, embora se possa vir a estar muito melhor, de acordo!!!

Anónimo disse...

E não satisfeitos com as possibilidades de obter maiorias absolutas que o actual sistema eleitoral tem permitido, os partidos do centrão, preocupados com a “governabilidade” de Portugal (ou das suas cortes?), querem alterar o sistema de forma a permitir mais facilmente obter o poder absoluto, com claro prejuízo da diversidade de opinião e, para mim, da Democracia, com “D” grande.
Querem um sistema mais próximo do francês, em que nas últimas eleições, a UMP e aliados com 43% de resultado na primeira volta, se arriscava a ter 80% do parlamento, ficou-se pelos 59%.
Assim se vai construindo a ”democracia”, com “d” pequeníssimo.

MoiMêMê disse...

Como canta o outro senhor:

"A Democracia é o pior de todos os sistemas Com excepçäo de todos os outros"

Há muitos países que julgam
Que têm democracia, inclusivé
às vezes, o nosso

Mas encha-se de justiça o fosso
E erga-se a liberdade ao meio
Que só de intençöes
Está o inferno cheio

Näo há justiça sem liberdade
E o vice-versa é também verdade
E essa é a luta, no fundo
Pelos direitos humanos no mundo"

Lord Broken Pottery disse...

Silvares,
Muito bem observado. Também temos aqui no Brasil o mesmo problema e, creio, no mundo inteiro. Os governantes, quando assumem, cuidam logo de fazer conchavos para obter maioria e não serem impedidos de exercerem seus mandatos absolutos. Aquilo que chamamos democracia, imaginando um parlamento que favoreça ao debate, e através dele a possibilidade de melhores soluções, inexiste. Ninguém quer aperfeiçoar idéias. Querem, sim, os poderes da "realeza". Vide o nosso Chàvez, na Venezuela.
Grande abraço

Silvares disse...

Eduardo, concordo contigo. Plenamente.
Guida, é preciso aprender a debater ideias e dar o braço a torcer, pois é, só que, diz o povo que "burro velho não aprende línguas". Não quero chamar burros aos detentores do poder mas lá que têm algumas dificuldades de aprendizagem...
Olaio, a nossa "d"emocracia anda pelas ruas da amargura mas, como se diz mais acima, ainda vai sendo o melhor sistema, está é desvirtuado!
Célia, os Direitos Humanos não andam lá muito bem cuidados. Algumas democracias têm-nos tratado com pouco carinho.
Lord, é isso mesmo "imaginamos" parlamentos onde se possa fazer o trabalho da "D"emocracia mas a realidade teima em fazer-nos duvidar que seja possível!

kermit disse...

O Integracionismo a que Portugal está sujeito, reduz ao mínimo os instrumentos políticos a utilizar. Por esse motivo os programas dos dois partidos com legítimas expectativas de governar, são tão semelhantes. Nesse enquadramento, acho a maioria absoluta, de um ou de outro, um mal menor. Até porque, a atitude dos que ao longo dos anos têm estado na oposição, raramente tem sido de construir programas políticos alternativos. Isso custaria muito dinheiro, daria muito trabalho, e traria poucos votos. É sempre mais eficaz, preparar eloquentes discursos de crítica oca, para transmissão no jornal das oito. Mesmo que tais discursos colidam com iguais medidas que o mesmo partido tomou quando esteve no governo.

Silvares disse...

Algo vai mal no "reino" de Portugal. Alguma vez algo foi bem?