Leio no jornal um artigozinho de José Vitor Malheiros onde narra a experiência de viajar de táxi com os novos écrãs colocados no encosto do banco da frente, à altura do nariz do passageiro. São mais écrãs. A invasão dos écrãs continua, implacável e imparável. O mundo capitalista ocidental está a abarrotar de écrãs que vão engolindo os horizontes. Todos os horizontes, os reais e os imaginários. Os horizontes do presente, à frente dos nossos olhos, e os horizontes do futuro, aqueles que idealizamos nos momentos de abstracção e de projecção imaginativa. Não há volta a dar-lhe.
Já havia a sensação de afogamento visual pela proliferação de rectângulos coloridos nas ruas, nos autocarros, nos quiosques, nas lojas, nas montras, nas salas de espera dos consultórios médicos, nos cafés e restaurantes, nas nossas casas, por todo o lado. Os outdoors publicitários, as capas de revistas, os cartazes, os grafittis, os automóveis; a intoxicação visual é violenta e deixa o cérebro feito em papa de bébé, com sabor a bacalhau e mel de abelha. Um nojo.
O habitante das cidades contemporâneas tem necessidade de possuir um cérebro robusto, musculado, bem preparado para o embate diário do caos visual e informativo a que é sujeito. Tem de ser capaz de processar, registar, interpretar e reproduzir milhares (serão milhões?) de mensagens de complexidade variável, cada vez mais agressivas e coloridas, cada vez mais frenéticas e fragmentadas, com um ímpeto subliminar angustiante.
Das duas uma: ou o cidadão desiste e se deixa levar aos trambolhões na torrente informativa, deslocando-se na cidade como um zombie sem vontade, que é dirigido por mãos invisíveis que decidem por ele; ou o cidadão resiste e passa usufruir do que o caos visual tem de positivo para lhe oferecer. Desloca-se no espaço com vontade própria e decide onde virar, o que fazer, o que consumir ou não consumir. Decide. Ponto final.
O que fazer? Abrir os olhos e deixá-los alimentar o cérebro com a rica dieta visual que a cidade actual nos proporciona. Pedir ao taxista para desligar o écrã quando começa a viagem ou prestar atenção às mensagens que vão passando. Seja como for deve-se optar. Optar é sempre um acto consciente e é disso que se trata a vida no mundo dos écrãs: opção.
9 comentários:
Desculpa minha ignorância, mas o que é écrã?
Irresistível texto..aliás como sempre...
São Paulo era até dois anos atrás das cidades com maior poluição visual do Brasil...Já havíamos nos esquecido da cidade escondida atrás de cartazes imensos de todos os tipos.
Com o Novo prefeito Gilberto Kassab...do dia para noite aconteceu um milagre;com decreto de proibição de "outdoors" tudo foi retirado e começamos a rever a beleza da arquitetura e formas desta cidade.Impressionante ...acho que toda uma nova geração nunca tinha visto as obras de arquitetos brasileiros e franceses, verdadeiras obras primas...Das maiores realizações em matéria de urbanismo dos nossos últimos tempos.
Quanto aos écrans,graças a Deus por enquanto limitados a poucos elevadores em prédios comerciais...ainda, e mais do que nunca os que que aqui moram podem apreciar a realidae fora da janela...dura ás vezes,pois as favela cá continuam...contrastes...mas mesmo assim melhor do que o cenário que tão bem descreves.
Beto, écrã é o mesmo que ecran? O écrã da TV, do cinema... talvez não se escreva assim, não sei como ficou a grafia com o Acordo Ortográfico!
Ví, fico sempre impressionado com a forma como os mais jovens se deixam caír para dentro dos écrãs. Do telemóvel (o celular), dos joguinhos portáteis, impressiona-me a forma como ignoram o mundo que os rodeia. A limitação dos outdoors é uma via para a "purificação" da paisagem urbana mas o negócio da publicidade é muito forte!
écran. às vezes da um "brancão" mesmo... hehehe
Não à toa sou conhecido pelas "patetices" hehe
Estas diferenças lexicais são tramadas!
:-)
Viva o Acordo Ortográfico.
:-D
Aliás é muito mais clean ver tudo por ecrã. Não há lixo, não há maus cheiros... Nem sei porque viajamos. Ainda por cima é perigosíssimo!
Dizes bem, até a morte fica bonita e a miséria ganha um ar algo chique, nos écrãs é tudo muito mais belo!
Hoje vivemos hipnotizados por eles.
Por vezes chego a pensar que vivemos dentro deles e não fora.
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