sábado, setembro 20, 2008

Negócio é negócio?

Edgar Mugralla tabalhando, exibindo algumas obras primas por ele "interpretadas" e piscando o olho ao espectador. Ele sabe que nós sabemos que ele sabe.


Actualmente damos muita importância à originalidade dos artistas. As obras que nos impressionam e que valem milhões terão de possuir uma marca individualizada, uma atitude inovadora.
Nem sempre foi assim. Tempos houve em que os artistas eram tanto melhores quanto conseguissem reproduzir com fidelidade os modelos típicos da grande arte. Os encomendadores procuravam aqueles que fossem capazes de exibir dotes técnicos suficientes para (re)criarem protótipos formais considerados exemplares.


Foi com o Romantismo que se iniciou a longa marcha da emancipação do artista. Ao longo dos séculos XIX e XX assistiu-se a uma progrssiva libertação do artista em relação aos preceitos académicos e tradicionais. Vieram as grandes revoluções estéticas com o Impressionismo e, mais tarde, o Cubismo, para citar dois exemplos bem populares e passou-se a associar a arte ao génio do artista.


Hoje os mais afoitos de entre os artistas são aqueles que conseguem captar a atenção da crítica e, por consequência, dos investidores que adquirem obras de arte a preços absolutamente inacreditáveis. O artista já não responde a encomendas, ele cria obras que depois coloca no mercado um pouco como o agricultor que expõe legumes na banca da praça, à espera de um cliente que se interesse pelo seu produto e esteja disposto a pagar o preço exigido. É negócio, puro e muito duro.


No meio desta Babilónia formal é difícil emergir e conseguir notoriedade. Há um artista que alcançou o estrelato por vias menos ortodoxas. Falo de um tal Edgar Mugralla, alemão nascido em 1938, falsificador de obras de arte de méritos reconhecidos.


Mugralla revela uma tal capacidade de copiar obras de outros pintores que deixa muito boa gente a pensar quantas das suas pinturas foram transaccionadas por milhões e tidas como originais quando, na verdade, não passavam de cópias.


À conta do seu trabalhinho, Mugralla já esteve preso, hoje tem um museu em Busum (no norte da Alemanha), onde dá aulas de pintura e vende as suas cópias com a identificação «Atelier de falsificações de Mrugalla». Ou seja, tornou-se um honesto negociante de falsificações.


Toda esta história me leva a reflectir no caso de Damien Hirst (ainda ele!). Sabe-se que a esmagadora maioria das obras assinadas por Hirst são efectivamente realizadas pelos seus numerosos assistentes. Dezenas deles a trabalharem nos seus ateliers, como os ajudantezinhos do Pai Natal a preparem as prendas para a próxima época natalícia. Hirst tem o trabalho de assinar as peças. É claro que não se trata de falsificações, meter um tubarão num tanque com formol é um trabalho complicado e Hirst não tem que o fazer. O que as pessoas estão a pagar quando compram uma peça destas é o conceito, a ideia, isso pertence, sem dúvida a Hirst. Mas, na verdade, os objectos que se transaccionaram no mega leilão do génio britânico são uma espécie de falsificações autorizadas. Ou não?


As telas de Mugralla são resultado de um trabalho solitário de grande minúcia e extraordinária perícia técnica. Valem milhões se não se souber de onde vieram, se se souber que são de Mugralla desvalorizam-se vertiginosamente por serem falsificações não autorizadas.


Que raio de mercado é este onde um honesto e genial falsário vai parar à cadeia e um artista apenas genial ganha milhões sem sequer sujar as mãos?

11 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

É um mercado distorcido pelo novo-riquismo e pela moda (o que quer que isso seja). O oportunismo existe nos dois casos citados e cada um deles o explora à sua maneira. O verdadeiro artista é o que vende!

Silvares disse...

Jorge, é um mercado complicado. No mínimo.

Alice Salles disse...

EU NAO SABIA ISSO DO HIRST! QUE VIIIIADO (sim, no brasil falamos assim quando eh um BAITA dum imbecil) ai que raiva! E adorei o Mugralla! Fantastico... e sua pergunta final eh a mesma que faco...

Anónimo disse...

Silvares,

você fez a proposição, e você mesmo deu a resposta: o MERCADO COMPRADOR quer ARTISTA COM CONCEITO e não com tecnica ou habilidades acadêmicas...
Depois de Duchamp o mercado de ARTE nunca mais será o mesmo! Os espertos chegam primeiro. Fazem coco na latinha, prendem o cachorro, e põe o tubarão no formol! Mas isso é NOVO?

Silvares disse...

Alice, artista contemporâneo é assim mesmo. Ele faz negócios, faz pose para a fotografia, dá entrevistas nos jornais, enfim, tem mais que fazer do que produzir obras de arte. Se for rico pode pagar a quem lhas faça!
:-)

Eduardo, é isso mesmo. O mercado do dinheirão paga por um bom nome, não paga uma obra especialmente bem executada. O tubarão em formol já foi novo. Há quem pense que o leilão de Hirst foi uma espécie de fuga para a frente, para vender tudo o que podia vender. Mas ele é suficientemente inteligente e bom artista para se reinventar... digo eu.

Olaio disse...

Silvares foi com prazer que fui dar uma vista de olhos à tua exposição no "contagiarte" ali ao lado da Praça da Republica na cidade do Porto.
Parabéms e espero que seja a primeira de muitas.

Na altura em que fiz a visita estavam lá mais umas seis pessoas e digo-te que a conversa era muito positiva em relação aquilo que viam

Anónimo disse...

Já uma vez escrevi aqui uma frase do Andy Wahrol e repito: "O negócio é a arte suprema". Ele lá saberia o que estava a dizer...

Silvares disse...

Olaio, amigo, aqueles trabalhos são fruto de uma espécie de necessidade interior, uma coisa romântica. Espero que os que vêem o meu trabalho sintam a honestidade que está por detrás do Espírito da Coisa!
:-)

Roserouge, o Andy foi um grande negociante. Pela sua perspectiva terá sido também um grande artista.

Ví Leardi disse...

"Gato por Lebre"
Não existe um ditado assim?

Silvares disse...

É isso mesmo, compramos gato por lebre. Há quem goste de comer gato. Há quem deteste o sabor da lebre.
:-)

Só- Poesias e outros itens disse...

Um tema muito relevante, o que temos em arte hoje são esses extremos de mercadorias, onde o valor estrapola estratosferas, e o que lucramos com isso!!!! eu acho que uma decaída( brutal) da arte, e ficamos nas sombras dos que sabem ganhar dinheiro.

bjs.

JU Gioli