segunda-feira, abril 30, 2007

Onde está a fonte?

"A Fonte" de Marcel Duchamp é considerada a obra mais importante de toda a arte produzida na chamada "sociedade ocidental" ao longo do século XX. Um miserável urinol, igual a tantos outros!!?? Talvez seja mais correcto dizer "semelhante" e não "igual", uma vez que Duchamp inverteu a posição original do objecto ao mesmo tempo que lhe conferiu um contexto diferente transformando-o em algo que ele não era anteriormente.

Esta mera inversão do objecto permite uma singela reflexão que proponho ao leitor eventual deste post. Imagine o leitor que podia utilizar este urinol na sua função de receptáculo. Ou seja, imagine o leitor (o do sexo masculino terá maior facilidade) que poderia mijar dentro deste urinol. O que iria acontecer?

Decerto que, dada a posição do objecto aliada ao facto de não ter tubagem, o seu mijo iria cair-lhe directo nos pés. Este pormenor não será desprezível para a reflexão que desejo propor-lhe. É que, sendo assim, "A Fonte" não é o urinol, mas sim o próprio espectador. É do espectador que jorra o liquído e é a ele que o liquído regressa, devolvido pela acção de Duchamp de descontextualizar e alterar as características físicas (e não só) do objecto industrial.

"Pois, sim, conversa da treta!" - estará a pensar, neste momento, o leitor menos versado nos enigmas e paradigmas da arte contemporânea. Os mais avisados estarão já a perceber onde pretendo chegar com a minha proposta de reflexão.

O que Duchamp vem mostrar é que a validação do objecto artístico não depende unicamente do artista ou do crítico especializado. Duchamp vem propor ao espectador que assuma a sua quota parte de responsabilidade no acto criativo.

Ver é, só por si, um acto criativo. Logo o espectador, o voyeur, é, também, fonte de inspiração e validação (ou não) para o próprio objecto exposto. O espectador é fonte de conhecimento e fonte de sensibilidade.

Duchamp alterou a relação do "consumidor" de arte com o objecto artístico, integrando-o na corrente de avaliação e validação estética, libertando em definitivo a arte das grilhetas do academismo e expondo ao ridículo todos aqueles que pretendem que "A Fonte" estética é algo inatingível, algo que existe para lá da nossa capacidade de entendimento. Duchamp democratizou a criação artística. Compete-nos a nós participar ou não desse processo democrático. Desde "A Fonte" que passámos a ter opção.

6 comentários:

Lord Broken Pottery disse...

Silvares,
O objeto artístico deve sempre ser fonte de reflexão. No caso do urinol invertido e do convite que nos é feito, o de molhar os pés de urina, prefiro recolher-me à minha ignorância acadêmica. A arte moderna faz-me, às vezes, lembrar-me de outras artes, mais antigas, que aprecio com mais encanto. A Fontana di Trevi, por exemplo.
Abração

Gepetto disse...

Silvares, muito boas as suas reflexões, não tendo, até hoje, me apercebido dessa intensão por parte de Duchamp, que aliás nem negaria, tão pouco confirmaria, como era seu estilo. Abçs

Silvares disse...

Amigos, estou apenas a especular. Duchamp poderia rir-se das minhas afirmações mas eu não levaria a mal porque, afinal, tudo isto acaba por ser muito divertido!

Anónimo disse...

Silvares, o que me consta o ORIGINAL foi extraviado, quando Duchamp ainda em vida. Posteriormente fizeram uma réplica, ou muitas, para expo-las em museus. A foto, essa sim, é do original.Abçs

Silvares disse...

Eduardo: neste caso o objecto em si não será determinante. O conceito associado é o mais importante. Um urinol... francamente, Marcel!

Sélvia disse...

A Fonte, é um dos maiores exemplos da fenomenologia na arte.