Ainda trago alguma poeira de Barcelona nas botas de tanto subir e descer ruas e mais ruas por aquela cidade fora. Barcelona seduziu-me, a grande maluca, e deixou-me assim a dar para o confuso. Os posts que se seguem decerto terão a ver com esta viagem. Enquanto as recordações forem frescas. Depois que se lixe. Viva Barcelona!
Por exemplo: durante a tarde podes descobrir a arte românica no estonteante Museu Nacional d'Art de Catalunya http://www.mnac.es/ e à noite dás um salto ao IMAX, no Port Vell http://www.imaxportvell.com/ para assistires a um filme em 3D. Mil anos de distância, a mesma estranha paixão pela criação de imagens que é a marca da nossa civilização. As pinturas murais extraordináriamente recriadas nas salas do MNAC e o fundo do mar a envolver-te numa espécie de alucinação, mil anos aos trambolhões para dentro do teu cérebro. Barcelona não se cansa nunca, nós, os visitantes, é que podemos descobrir que não temos pedalada suficiente para tanta cidade dentro de uma cidade apenas. E não estou a referir-me à extensão física do espaço urbano, é a vida de Barcelona que acaba por cansar. É o ruído constante das pessoas que sobem e descem as Ramblas, a simpatia inesgotável dos barceloneses, a ladaínha babilónica das falas que se ouvem por todo o lado: italiano, castelhano, francês, catalão, português, inglês... o mundo todo a acanhar-se para encontrar o seu lugarzinho na barriga, nas costas, no coração de Barcelona. E a cidade não se faz rogada, acolhe o mundo todo dentro dela e tudo faz por seduzi-lo com ares de grande senhora.
Por outro lado: toda a gente sabe que não há bela sem senão. O senão desta cidade maluca pela vida chegou na noite de passagem de ano. Durante a tarde adivinhava-se festa. Por todo o lado a festa ia crescendo. No burburinho, nos sorrisos, nas musiquetas ocasionais ao virar da esquina, a sensação de festa crescia, crescia, crescia. À noite, subindo as Ramblas em direcção à Plaça Catalunya com uma garrafa de champanhe na mão, sofremos uma tremenda decepção; um polícia acabava de tirar uma garrafa a um rapaz e atirava-a para o lixo. Bruscamente, com cara de pau e maus modos. O rapaz nem refilou. A entrada para a praça era controlada com barreiras metálicas e poibia-se a passagem de latas ou garrafas. Uns gajos com coletes fluorescentes deitavam o liquído em copos de plástico, desajeitadamente. Resolvemos ir guardar a nossa garrafa no apartamento em que estávamos alojados, numa Carrer mesmo junto à Rambla. Havia uma tensão pesada a abafar o ambiente, como se toda a euforia do quotidiano barcelonês estivesse ali acumulada e prestes a provocar, sabe-se lá o quê! Fomos até à Plaça. Chegou a meia noite e... nada! Um foguetezito aqui, outro ali. Putos bêbados aos pinotes, grupos de homens árabes (sabe-se que as suas mulheres não são, propriamente, gente para sair com estes gajos à rua!) a catrapiscarem grupos de raparigas loiras com ar de estarem a pastilhar, enfim, a Plaça estava cheia de gente e... nada. Resolvemos descer as Ramblas, até à Plaça Colón, talvez houvesse qualquer coisa mais animada. Foi aí, ao entrarmos na Rambla (mais polícias com maus fígados a sacarem garrafas inteirinhas de champanhe que atiravam para o lixo) que percebemos melhor a razão dessa atitude pouco recomendável. Uns 20 metros mais abaixo, uma garrafa voou sobre a multidão compacta. Decerto caiu nalgum sítio. Coisa feia, coisa má, muito má mesmo. De súbito gerou-se uma enorme agitação e a multidão moveu-se, naquele seu incomodativo jeito compacto. Lá estavam eles, porra: os polícias de choque! Por sorte estavamos mesmo junto à entrada da rua do nosso apartamento e a sensação de insegurança não disparou. Apesar dos empurrões, apesar daquele movimento ondulatório da massa que foge assustada, conseguimos afastar-nos com alguma calma. A nossa filha era principal preocupação. Mas as coisas acabaram por acalmar e a noite prosseguiu com os incidentes do costume. A polícia lá surgiu mais uma vez ou outra (agora assistíamos ao desfile incessante de pessoas da varanda, com um copo de champanhe na mão, tal como os nossos vizinhos de ocasião) mas não me apercebi de nenhuma cacetada, apenas ameaças. E a coisa foi assim nas ruas de Barcelona onde estive na noite de passagem de ano: uma Fiesta de Mierda. Um anticlímax estranho numa cidade tão cheia de vida... ai Barcelona!
6 comentários:
Sivares
Passo por aqui neste primeiro dia de 2008 para lhe dar meu votos de um ano de saúde e dinheiro!
O resto se ajusta!
Não queria fazer comentário, mas o assunto me provocou!
Quando postei as luzes de natal de minha cidade, São Paulo - Brasil,BOA LEITURA recebi comentários do tipo:"...mas por trás dessas luzes há um mundo de violência...".
Aos meus 66 anos de vida não sou ingênuo de não saber a realidade de meu país.
Mas também conheço a Europa, suas capitais, e, por detrás das belezas e riquezas há uma tregédia humana, em maior ou menor escala.
Na noite do dia 31, em nossa mais famosa avenida, Avenida Paulista, houve um show musical da passagem do ano num palco suspenso uns quinze metros acima da rua. O espetáculo começa logo após a Corrida de São Silvestre, anos passados vencida seguidas vezes por corredores portugueses. Termina por volta das 3 horas da madrugada e a Polícia estimou em mais de 3.000.000 de pessoas.
Houve uma única detenção por alcoolismo! Uma em três milhões de pessoas, população maior do que quase todas as capitais da Europa.
Lamento o que ocorreu em Las Ramblas, pois estive lá por três dias em outubro passado e gostei muito do astral da rua e do povo!
A violência não é monopólio nosso!
A única vez que fui assaltado na vida foi no metrô de Barcelona, por 4 homens armados!
Abraço do Santilli
Silvares,
adoro e concordo com você sobre Barcelona.
Uma pena a noite de fim de ano ter sido assim! Acontece, como você disse!
Bom 2008!
Luiz, Nunca viajei até ao Brasil mas os ecos que chegam até aqui sugerem uma violência latente e mais ou menos generalizada que assusta muito boa gente. Aqui em Lisboa, por exemplo, ou em Almada, a cidade onde vivo, há relatos de ocorrências violentas com alguma regularidade mas, na verdade, não me lembro da última vez que assisti a alguma delas! Mesmo aquele episódio que narrei sobre a passagem de ano em Barcelona terá passado despercebido à maioria dos passeantes nas Ramblas naquela noite. A violência está em todo o lado mas só quando a contactamos temos consciência da sua magnitude!
Bom ano.
Eduardo, é assim mesmo. As recordações serão mais agradáveis do que um grupo de polícias de choque a varrer a Rambla. O resto foi bom demais!
:-)
Bom ano.
Barcelona me mata!
Não há duvida que Barcelona é uma cidade extraordinária, pena é essas cenas da policia, que parece ser uma constante por toda a Espanha, com tendencia a agravar.
Mumia, a mi también!
Olaio, quer-me parecer que a tendência policial não é um exclusivo da Espanha, a coisa parece mais abrangente... olha para Portugal!!!
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