terça-feira, junho 15, 2010

Ainda a propósito


Corria o ano de 1974 (ou seria 1975?) quando começaram a chegar a Portugal e a Viseu, onde eu vivia, dezenas, centenas, milhares de pessoas fugidas às guerras civis nas ex-províncias ultramarinas. Chamaram-lhes "retornados" mas, em boa verdade, muitos nunca tinham sequer posto um pé em Portugal. Não retornavam, vinham, mais ou menos corridos, de Angola, de Moçambique, da Guiné... entre eles vários familiares meus que nunca conhecera. De súbito, a população cresceu imenso e o quotidiano cinzentão do interior pátrio ganhou uma coloração nova e muito mais garrida.

Entre as coisas inesperadas que então vieram agitar a modorra viseense, chegou um linguajar estranho e apelativo, uma forma diferente de falar português. Quero dizer, era um português com muitas palavras novas que rapidamente foram adoptadas pelos jovens lá da santa terrinha. A língua sofria, também ela, uma revolução e permitia-nos expressar os pensamentos de uma forma diferente. Como que nos africanizámos. África entrava na Beira Alta e misturava-se nela com um sabor ajindungado.

Recordo com prazer as sessões de conversa em que aprendíamos a utilizar novos vocábulos e, com eles, éramos capazes de falar coisas que antes não saberíamos dizer. O calão viseense, repleto de palavrões e expressões pouco recomendáveis, via-se enriquecido e expandido, uma festa!

Algumas expressões entraram definitivamente no linguajar das ruas: "iá", "meu", "bué", "ganza" (e outras que agora não estou a ver) são das mais utilizadas nos tempos que correm. "Pancos", "mauanas", "chuinga", "cubar" e sei lá que mais, caíram no esquecimento. Nunca ninguém se queixou nem foi preciso criar qualquer tipo de acordo linguístico. A língua, quando anda nas ruas, não pede licença para entrar nas nossas vidas pela simples razão que ela É a nossa vida.

Falem e escrevam como deve ser, meus irmãos, com liberdade criativa! Assim é que é bonito.

2 comentários:

Anónimo disse...

Adorei a "ilustração" do post!

Silvares disse...

Um Camões rastaman dá good vibrations...