domingo, janeiro 17, 2010

Vampiros


O trágico sismo que soterrou o Haiti na sua própria miséria mostra ao mundo como, também ele, é muito simplesmente miserável. O Haiti foi sendo esquecido pela comunidade internacional à medida que se ia afundando em corrupção e violência. Quem queria saber do Haiti? Há quanto tempo não nos lembrávamos sequer da sua existência? Quantos de nós seriam capazes de o apontar no mapa-mundo sem hesitações?
Até que a desgraça se abateu sobre aquela desgraçada nação, fazendo-a saltar para as primeiras páginas das nossas hipócritas preocupações. As imagens de violência e miséria total excitam a nossa imaginação. A tal "terrible beauty" ganha contornos reais. Junto das fotos que nos chegam de pedaços de corpos soterrados ou de corpos vivos dilacerados e ensanguentados, as pinturas de Bacon ganham uma dimensão quase cómica.

Comportamo-nos como vampiros. Somos vampiros da desgraça humana. A desgraça humana é o sangue que regenera e satisfaz as sociedades mediáticas. Sinto uma certa vertigem, náusea mesmo. Sinto nojo de nós e de mim próprio por escrever estas linhas sem saber ao certo quão hipócrita estou a ser.

3 comentários:

luisM disse...

Mata-te, magano! Ou fecha a televisão!

luisM disse...

Mas vais perder em directo o desaparecimento duma nação, uma vez que o país se desmoronou, caiu e foi mesmo de podre, o sismo apenas apressou a coisa.

E vais perder a involução duma nação em direcção ao tribalismo mais violento e radical. Ao invés duma tentativa de procurar meios de cooperação que unam os que ficaram sem vida para viver e sem espaço, vamos ver aparecer a organização "mafiosa" que vai utilizar a força para dobrar e viver à conta dos que têm menos capacidade física para segurarem os parcos bens de sobrevivência imediata.

(desejava enganar-me, mas... lá estão as imagens...).

Qual séculos de história, qual experiência de regime, qual educação e escolaridade (agora não me refiro apenas ao Haiti, penso na ex-Jugoslávia, nos outros países de Leste, no Iraque, na África do Sul e por aí, que são muitos), vai tudo pelo cano em três dias!

Silvares disse...

Pois é, é terrível, não é? Sinceramente prefiro não assistir outra vez a esse tipo de cenas.A ajuda internacional é como entar dar um bife a um pardalito caído do ninho. Mais vale ficar atento e olhar em volta, ver o que acontece por perto.