sábado, janeiro 09, 2010

Perturbador


O filme "A Estrada" é de uma beleza terrível. Desde o argumento à fotografia, passando pela meticulosa construção dos cenários e adereços, tudo contribui para a criação de um ambiente opressivo e angustiante que os desempenhos dos actores acentuam e prolongam para lá do suportável (Viggo Mortensen em grande estilo e Robert Duval, na sua pequeníssima aparição, simplesmente grandioso) .

Para lá do suportável? Sim, o filme não me parece aconselhável a almas demasiado frágeis nem a pessoas com estômagos sensíveis. É uma obra, no mínimo, perturbadora.

A beleza tem destas coisas. O filme é quase perfeito na sua dimensão narrativa. Sublime? Anda lá perto.

13 comentários:

Beto Canales disse...

mais um pra lista.

Silvares disse...

Beto, no mundo deste filme não há lugar para deus nem para Deus.

the dear Zé disse...

O autor do livro, o sr Cormac McCarthy, é um dos meus escritores vivos preferidos

the dear Zé disse...

(fogo editei isto sem querer antes de acabar)
... que recomendo vivamente. só espero que o realizador não tenha "traído" muito a obra. Mas pelo teu entusiasmo...

Silvares disse...

Segundo o próprio C. McCarthy,"É bastante bom." como vinha no Ipsilon de 6ªfeira. Li algumas coisas sobre o filme depois de o ter ido ver, como faço sempre, os elogios mais ou menos engasgados têm aparecido.

luisM disse...

Silventos, sublime... Parece-me um tanto exagerado. Mas um filme para ser visto, tem de ser revisto e amadurecido, como o vinho. E acabei de o ver, por isso reservo uma opinião mais fundamentada para depois. Até porque a degustação alarve das pipocas, antes e depois do intervalo, distrai um pouco e por vezes tenho de me concentrar nas bocas a enviar aos comensais.

A cor, os espaços, os cenários conseguem construir os ambientes apocalípticos que se tornam cada vez mais desérticos, assustadores e angustiantes (a chegada ao mar é impressionante. A grandeza azul marinha do mapa, fica reduzida a uma coisa acastanhada e húmida, sem dimensão nem horizonte, mais uma etapa apenas, não o fim do caminho). A música aborreceu-me, não acrescentava nada às imagens, ou pior ainda, ao querer sublinhar o despojamento material, mas existindo como som, tornou-se numa banda sonora que não contrapunha nem se colava às imagens. Pairava ali como corpo sem alma. Não se tornou agressiva, porque não se tentou impor, deixando as sequências fluirem.

E Ruizinho, parece-me que é mesmo de Deus que se trata, no sentido da demanda, não no sentido messiânico. O homem vai-se construindo e construindo Deus, encontrando-se no fim. O sul e o mar é essa viagem, feita de diálogos extraordinariamente simples, mas simbólicos, porque se ligam sempre a valores, princípios, de identidade e formadores duma consciência crítica, a um estar no mundo coerente. É o relevo do aspecto moral das coisas sem o aspecto moralista e "profano" das religiões. Se retirássemos a dimensão apocalíptica poderíamos ter os peregrinos da Idade Média, por exemplo, sem o aspecto militante da ortodoxia.

Caçador, podes ver que não ficas ofendido com a comparação. Falta-lhe o tempo e o ritmo do livro que são importantes para a história se entranhar. É essa cadência que permite perceber o sentido da secura dos diálogos e a perceber a sua carga simbólica. Esse aspecto "contemplativo" é difícil de construir naquele filme, mas tens sequências que se aproximam.

Boa noite a todos. Quem não quiser ler o texto que veja o filme.

Anónimo disse...

Esta listado. Depois de seus comentarios e de seus leitores, não há como perde-lo.

Silvares disse...

Luis M, a grande diferença entre nós e a forma como nos ligamos aos objectos estéticos é que tu o fazes de uma forma cerebral enquanto eu o faço com as tripas ou lá o que é. Se queres que te diga não retenho a menor memória da banda sonora (havia música?). Tive a sorte de não haver pipocas nem pepsis na sala quando assisti à projecção. A demanda de Deus está resolvida naquele diálogo com o Robert Duval. Quanto à cor do mar, bom, o mar não tem cor, é água, apenas reflecte o que lhe estiver por cima. É como a gente.
:-)

Eduardo, vale a pena ver. Não duvide.

the dear Zé disse...

Pronto tá bem, lá fui.
Vim de lá agora. Mas depois do paleio do nosso amigo Luís nem me atrevo a dizer nada... A não ser que a música até nem me chateou, nem desgostei, e que é do Nick Cave e do seu amigo Warren Ellis.

Silvares disse...

Caramba, já sei que ouço mal mas tanto que nem dei pela banda sonora!?

luisM disse...

Cerebral porquê e em que sentido? Antes do som e das imagens chegarem ao cérebro não passam pelos sentidos? Estava a ver um filme, tinha som e imagem, dei por isso, o écran era grande e as colunas debitavam decibéis, como lhes competia.

A única coisa em que, penso, te poderias estar a referir com propriedade, é que eu vou depois à procura das minhas impressões e doutras impressões mais antigas (o livro, por exemplo, mas outras, outras, que nem sei de onde aparecem) e tento ligá-las de modo a encaixar as novas. O trabalho é cerebral, de facto, estou a trabalhar com memórias...

(e claro, também com conhecimento sistematizado, mas desde quando as emoções não são objecto de conhecimento?)

(e são muitos anos de filmes vistos)

E tu, trabalhas com o quê?

Tudo isto não será uma questão de produção de sentido? E o sentido tem uma dimensão apenas racional, lógica?

Caçador, pois, a música é do Nick Cave, mas aquelas linhas de piano eram, para mim, mesmo desinspiradas. Não chocavam, estavam adequadas, mas faltavam-lhe as tripas do Silvares :))))

Silvares disse...

Sabes, eu acho que funciono em piloto automático.

Unknown disse...

só ontem vi o filme. Tinha comprado o livro em trânsito por um aeroporto qualquer. A sinopse do pós-apocaliptico foi que me atraiu. Gostei do filme, mas as tripas mexeram-se mais com o livro.. sente-se melhor o frio e o calor que vão conseguindo conforme caminham, e as paisagens são mais longas e podem-se observar melhor no livro.
Gosto de observar paisagens devastadas... como a casa vazia num post teu mais acima.