domingo, maio 11, 2008

A verdade da mentira*



O reitor do santuário de Fátima assinou um artigo no jornal lá do sítio, disparando em todas as direcções acusações de mentira, pretendendo atingir com elas o maior número de mentirosos possível. Saiu o artigo no Voz de Fátima, a notícia do artigo no Público online, o mundo roda pacífico como é costume.

O senhor Reitor afirma: "Mente-se nas grandes instituições, mente-se entre as pessoas responsáveis pela sua liderança, mente-se nas nações, nos Governos, nos sindicatos, nas empresas, nos partidos, em toda a espécie de associações (e não só no futebol), mente-se até nas instituições criadas para educar e defender as crianças” ao que parece só não se mente no seio da Igreja a que ele pertence.

Estamos a dois dias da comemoração de mais um aniversário da aparição da Nossa Senhora aos três porquinhos. Os peregrinos já se dirigem para Fátima aos magotes. Os comerciantes limpam o pó às santinhas mais carunchosas e os vendedores de sonhos impossíveis treinam mais uma reza infalível para curar cancros, furúnculos ou mais simplesmente para curar a fadiga que é, para muitos, o simples facto de existirem.

Já nem sei há quantos anos dizem que se deu a coisa. Vai para uma carrada deles. Todos os anos a igreja católica reafirma a fé nas aparições e cita-as como exemplos de esperança para a humanidade em busca de um lugar de redenção. Parte-se do princípio, é claro, de que as aparições foram um facto, que quando se fala delas, quando se afirma que elas foram verdadeiras, não se está a mentir.

Aceita-se o sacrifício dos peregrinos que se arrastam pelo chão pagando promessas à Virgem sem os tentar demover. Uma espécie de banquete onde o sofrimento é o prato principal e o misticismo serve de molho. Tem crendice para a sobremesa. Tudo isto em nome da verdade. Tudo isto com o fito de aguilhoar a mentira e o cepticismo daqueles que não acreditam na bondade da mensagem mariana e pensam, como eu, que o verdadeiro milagre de Fátima reside na transmutação da economia em fé cega (e vice-versa).

*A Verdade da Mentira, filme de James Cameron com Arnie Schwazzie e a Jamie Lee Boobies a protagonizarem a função.

4 comentários:

joshua disse...

Está na moda desdenhar de Fátima, desde há cem anos, e, mais uma vez, insistir no fenómeno comercial dentro do fenómeno espiritual propriamente dito. Nunca comprei nada em Fátima. Nunca deixei uma esmola em Fátima. Sempre fui o homem mais realizado e feliz em Fátima, como um bom judeu na sua peregrinação anual ao Templo em Yerushalahim.

Fica sempre bem a acrimónia contra essa minoria estridente que é o poviléu que se espraia nas esplanadas do Santuário, se protra e arroja pelo pavimento. Mas é necessário aceitar os factos simples da vida: é dentro da sua liberdade que as pessoas lá vão ou deixam de ir e não mais manipuláveis que os que bebem Sagres e preferem certo tipo de preservativos.

Porém, o fenómeno religioso é-nos consubstancial e nem Sócrates, o filósofo e pedagogo grego, desedenhou dele, mesmo quando instaurava um paradigma racional para enquadrar criticamente toda a realidade da Polis e moderar a religião. Os druídas celtas, os sacerdotes romanos, os irmãos da loja maçon, os xamanes, os rituais prodigiosos do Egipto Antigo - tudo isto é cultura e tudo isto somos nós, nos seus convenientes e inconvenientes.

Pessoalmente, sinto-me no melhor dos sítios sempre que vou a Fátima. Precisamos todos de lugares onde como que nos tornamos mais transparentes e podemos relativizar-nos em face de tudo. Há uma ordem de higiene interiror que poucas coisas na vida nos ministram: uma relação afectivo-sexual intensa e gratificante, os amigos verdadeiros, uma viagem intercontinental, uma peça de teatro intensa, uma peça clássica apaixonada.

E Fátima!, doa a quem doer.

PALAVROSSAVRVS REX

Silvares disse...

Simplesmente não acredito na aparição. Isso não significa que seja avesso ao fenómeno religioso. Afinal de contas sou um ser humano.

Anónimo disse...

De um modo geral concordo com o teu post, sobretudo com o último parágrafo.

Independentemente do fenómeno de Fátima, no qual também não acredito, ainda que respeitando a religiosidade de quem quer que seja, não posso valorizar da mesma forma a publicidade à Sagres ou aos preservativos e a manipulação feita sobre as pessoas, sobretudo em situações de fragilidade física ou psíquica.

Acreditando que a situação existencial é das que maior perplexidade causa à maioria das pessoas, quanto mais não seja em determinados momentos mais marcantes, também acredito que sobre os seus mistérios, aqueles que se dizem doutos na matéria, sabem certamente tanto como eu sobre o assunto, ou seja, muito pouco ou nada.

Gosto sobretudo da afirmação do Joshua, “Precisamos todos de lugares onde como que nos tornamos mais transparentes e podemos relativizar-nos em face de tudo. Há uma ordem de higiene interior que poucas coisas na vida nos ministram: uma relação afectivo-sexual intensa e gratificante, os amigos verdadeiros, uma viagem intercontinental, uma peça de teatro intensa, uma peça clássica apaixonada.”
Por isso não consigo entender as suas afirmações anteriores e a conclusão.
Se os exemplos que aponta, sofrerem de intervenções interesseiras ou alienantes, como me parece o fenómeno de Fátima, deixam de ter quanto a mim, essa tal função de transparência e relativização em face de tudo.

Silvares disse...

Sem Sagres sempre teríamos a Super Bock, sem preservativos talvez o coito interrompido (ou: seja o que Deus quiser) sem Fátima... sem Fátima... viva a Maria Vanessa. Pois então!
O milagre de Fátima envergonha muito gente na igreja. Isso é um facto.