De cima para baixo: Augusto de Prima Porta reconstituído, pintado com lábios de meretriz e tudo; um belo gnomo de jardim caçador de borboletas todo pintadinho como convém e, finalmente, uma cabecinha de Calígula meio pintada e meio como devia ser e nunca foi.
É certo e sabido, a imagem que construímos da arte chamada clássica assenta num erro de palmatória. Desde que o interesse pelos mármores romanos atingiu a intelectualidade europeia no século XVIII, no dealbar da época artística que conhecemos pelo rótulo de Neoclassicismo, começámos a construir uma ideia errada sobre os gostos dos nossos antepassados.
O contacto com essas obras deu-se muitos séculos após a sua realização e o tempo tratou-as com grande falta de respeito, adulterando-as por completo. As tintas que as cobriam desapareceram ao olho nú e frequentemente tomou-se por obra prima aquilo que mais não era que mera cópia.
É conhecido o fascínio dos romanos pela grandeza da cultura grega. Isso levou a que copiassem obras importantes da estatuária grega trabalhando-as em mármore. Quando essas cópias foram redescobertas no século XVIII foram tomadas por originais e assim admiradas, estudadas e copiadas, tornando-se paradigmas do ensino académico. A força deste erro foi tal que se impôs como gosto dominante até aos dias de hoje.
Recentes estudos, baseados em técnicas de análise bem mais rigorosas, mostram como estávamos profundamente enganados. Afinal, gregos e romanos, pintavam as suas estátuas numa tentativa consciente de aproximarem as suas obras dos modelos que representavam. A cor conferia à tridimensionalidade das estátuas o derradeiro toque realista que tanto agradava, sobretudo, ao espírito prático dos romanos.
Vestígios de tinta e outros materiais utlizados na Antiguidade permitem refazer os modelos considerados clássicos, dando-lhes um aspecto bem mais vivo do que o habitual monocromatismo a que estivemos habituados nos últimos três séculos. Afinal a sobriedade com que nos habituámos a olhar para a escultura da Antiguidade necessita de uma revisão bem mais estridente. As obras têm um aspecto próximo daquilo que hoje consideramos kitsch, ao nível de um gnomo de jardim ou de um dálmata de louça.
Enfim, isto mostra-nos como escrever História é um exercício arriscado. Corremos o risco de desenvlovermos raciocínios tendo como ponto de partida grosseiros erros de análise e, depois, torna-se complicado "refazer" a verdade quando nos apercebemos do logro. No caso das artes plásticas a coisa não é nada pacífica, havendo muito boa gente que prefere ignorar os factos para continuar a glorificar formas artísticas que nunca existiram. Ou melhor, há muito boa gente que prefere continuar a admirar obras primas realizadas pelo Tempo sobre os originais de artistas esquecidos que, afinal, tinham um mau gosto do caraças. Ou não.
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