É claro que os visados pelas palavras de Geldof estão no direito de se sentirem insultados. É também evidente que o músico e activista irlandês ultrapassou as habituais fronteiras de contenção verbal que são normalmente exigidas pela diplomacia do discurso público. Resta saber até que ponto há exagero nos termos utilizados por um e outro dos lados desta polémica.
Geldof será um bêbado? Talvez se enfrasque de vez em quando, decerto que o faz. Um ponto a favor dos anónimos articulistas do Jornal de Angola. José Eduardo dos Santos tem as mãos limpas de sangue mal vertido? O que dizer dos assassinatos sistemáticos de membros da UNITA? Marca Bob Geldof. 1-1.
E poderíamos ir por aí fora, num jogo de ataque e contra-ataque, num embate com resultado previsivelmente favorável ao ex-vocalista dos Boomtown Rats. O que me faz referir este episódio no 100 Cabeças é mais o que se não disse ou tenta ignorar. Nas reacções angolanas há uma imensidão de recados mais ou menos cifrados que aconselham juizinho a certos actores relevantes da economia portuguesa. Conselhos de juizinho, boca calada e até alguma acentuada curvatura na coluna vertebral sempre que se refiram ao Presidente angolano e seus comparsas não merecem troco por parte dos visados cá do burgo.
Para compreendermos um pouco melhor o grau de hipersensibilidade que afecta os poderosos angolanos e seus mais indefectíveis guardas da revolução lancemos um olhar sobre a polémica provocada por José Eduardo Agualusa que afirmou que Agostinho Neto foi um poeta medíocre. Há uma espécie de estado de intocabilidade para as figuras cimeiras da mitologia angolana contemporânea e quem se atreve a pô-las em causa, seja com bons ou maus modos, está debaixo do fogo cerrado dos defensores da pureza absoluta dos líderes angolanos. Disparam insultos, insinuações, parvoíces várias e maus-fígados.
É no entanto de notar um pormenor interessante; no meio de todo o palavreado de defesa da moral e dos bons costumes raramente se encontra um desmentido ou um argumento que contradiga com clareza as acusações ou meras observações feitas pelos supostos inimigos da bondade de Eduardo dos Santos, respectiva família, demais amigos dirigentes e restantes divindades revolucionárias angolanas. Há ameaças expressas ou veladas, sugestões de vícios horrendos que afectam os "outros" (depreende-se que os defendidos sejam puros como água da chuva) mas os factos invocados não são rebatidos nem desmentidos. Há como que uma aceitação da corrupção evidente dos poderosos e dos seus actos públicos e notórios que devem, muito simplesmente ser omitidos e ignorados por todos tal como o são pela imprensa angolana. A mensagem é clara: não se morde a mão que nos dá que comer (mesmo que tenhamos dentes bem afiados).
Em Angola parece existir um estado surrealista, governado por personagens literárias que retratam alguns dos instintos mais impróprios do ser humano. Infelizmente para muitos essa aparente ficção é dura realidade. Para outros é uma espécie de mentira que importa proteger pois apesar de dura é também doce.
Questões de perspectiva?
7 comentários:
i don`t like mondays...
Um velho Hit da minha (nossa) juventude.
O BOB G. disse umas Verdades que custam muitíssimo a engolir aos BOSS`s.
Não é por coisas, é que sofro de "superhipersenciibilidade" em relação a PC`s (Politicamente correctos, o Bob).
Mas quer-me parecer que o árbitro deste jogo é um bocadinho nada tendencioso, é que quando dá o empate de 1-1 ao Bob, fá-lo validando esta jogada: "assassinatos sistemáticos de membros da UNITA".
Cá para mim e que recordo muito bem, o que aconteceu foi uma guerra entre o governo angolano e a UNITA, nos últimos anos devido à recusa da UNITA em aceitar os resultados eleitorais.
Guerra essa em que, tanto dos Santos perseguia Savimbi, como Savimbi perseguia dos Santos e olha que em termos de violência muita coisa haveria para referir.
E já agora a UNITA era apoiada nessa guerra pelo regime racista da África do Sul, pelos EUA e curiosamente (como são as coisas)...pela China.
Resumindo e concluindo e espero que disto não infiras que ando a apoiar o governo angolano, tal como eu não infiro que tu andas perdido de amores pela UNITA, acho que aquele 1-1 é uma clara roubalheira do árbitro, se me quiseres convencer arranja uma outra jogada.
Sabe, por exemplo, do massacre de Luanda, perpetrado pelas forças militares e de defesa civil do MPLA, visando o aniquilamento da UNITA e de cidadãos Ovimbundu e Bakongo.
Massacre esse que foi o ponto de partida para outros que (nunca é demais recordá-lo) se saldaram no assassinato de 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.
Sabe, por exemplo, do massacre do Pica-Pau em que no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados pelo MPLA, no Comité de Paz da UNITA em Luanda.
Sabe, por exemplo, do massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados pelo MPLA, perto do Dondo (Província do Kwanza Norte), perante a passividade das forças militares portuguesas que deveriam garantir a sua protecção.
Sabe, por exemplo, que mais de 40.000 angolanos foram torturados e assassinados pelo MPLA em todo o país, depois dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, acusados de serem apoiantes de Nito Alves ou opositores ao regime.
Sabe, por exemplo, que, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos foram fuzilados publicamente pelo MPLA, nas praças e estádios das cidades de Angola. Prática que se iniciou no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda.
Sabe, por exemplo, que no dia 29 de Setembro de 1991, o MPLA assassinou em Malange, o secretário Provincial da UNITA naquela Província, Lourenço Pedro Makanga, a que se seguiram muitos outros na mesma cidade.
Sabe, por exemplo, que nos dias 22 e 23 de Janeiro de 1993, o MPLA desencadeou em Luanda a perseguição aos cidadãos angolanos Bakongo, tendo assassinato perto de 300 civis.
Sabe, por exemplo, que em Junho de 1994, a aviação do MPLA bombardeou e destruiu a Escola de Waku Kungo (Província do Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores.
Sabe, por exemplo, que entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994, a aviação do MPLA bombardeou indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.
Sabe, por exemplo, que entre Abril de 1997 e Outubro de 1998, na extensão da Administração ao abrigo do protocolo de Lusaka, o MPLA assassinou mais de 1.200 responsáveis e dirigentes dos órgãos de Base da UNITA em todo o país.
Se quiseres ver isto no local exacto está aqui:
http://altohama.blogspot.com/2008/04/se-do-passado-que-o-mpla-quer-falar.html
É claro que é conversa de um tipo da UNITA, facciosa, decerto, mas com um fundo de verdade. O que não faz da UNITA um batalhão de anjos celestiais. Nada disso!
Apenas tive alguma dificuldade em focar uma jogada que proporcionasse o empate. Entre tantas possíveis, escolhi aquela. Pode não ser a melhor mas acho que o Geldof, na verdade, ganha este jogo por goleada.
Ah, e aquele episódio com o Agualusa também merece alguma atenção. Angola é uma quinta onde os porcos mais do que triunfaram.
Como te disse a questão tinha só a ver com a aparente defesa dos "meninos de coro" da UNITA, que para mim foram muito pior que os do MPLA. A questão do Agualusa, não teria muitas duvidas em concordar com ele, Agostinho Neto é um heroi da libertação de Angola, politico, que também escrevia poesia.
Quanto ao Geldof, digo-te que ele não ganhava por uma goleada só por uma razão, é que ele não ia a jogo!
Há determinadas coisas em que uma pessoa tão sensivel como ele não mete as suas delicadas mãos.
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