quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Vazio

Talvez as coisas não se tenham passado bem assim mas penso que aquilo aconteceu mesmo. Não tenho a certeza, resta-me uma vaga memória da cor dos seus olhos e ainda sinto aquele cheiro; um leve odor seco,destituído de frescura ou intenção.
O corpo estava ajoelhado, de bruços sobre a cama. Parecia estar apenas encostado.Era difícil calcular-lhe o peso. Estava tudo tão quieto!
Eu não avançava. O outro homem também não. A quietude do local, o silêncio, aquele odor, quase perfume, nada nos instigava a agir. Antes pelo contrário.
Os que ali faltavam tinham ficado no corredor. Adivinhavam o fim que tinha chegado no interior do quarto. Queriam ver o que se passava mas também não queriam.
Uma súbita tristeza cresceu dentro de mim. Uma tristeza dura, a moldar-se-me no peito, como barro, como gesso, a crescer e a ocupar todos os lugares cá dentro, uma alma sólida a querer não existir sem poder evitá-lo.
Olhei o outro homem. Ele já me olhava como se esperasse que fosse eu a tomar a iniciativa de fazer algo. Qualquer coisa. Ele aceitaria o que quer que fosse que eu decidisse fazer naquele preciso momento.
Sem saber como nem porquê avancei um passo em direcção ao corpo inerte.
Toquei-lhe e senti-o rígido. Estátua caída do pedestal da vida. Num primeiro esforço ineficaz tentei virá-lo. Afinal era mais pesado do que parecia. Muito mais.Tinha o peso de estar vazio. Ganhei força e não sei como voltei-o para cima.
Foi então que lhe vi o rosto.
Meu Deus, vi-lhe o rosto.

4 comentários:

Anónimo disse...

Trágico VAZIo!

Silvares disse...

Caramba, Eduardo, eu não devia postar uma coisa destas!

Anónimo disse...

Por que não? Faz parte da vida!

Abçs

Jo-zéi F. disse...

escrita muito inspirada e sentida. Os sentidos à flor da pele. Mas VAZIO bonito!