O primeiro-ministro terá afirmado, a propósito da contestação relativamente ao processo de avaliação de desempenho dos professores, que “mais vale uma má avaliação que nenhuma avaliação”. Isto, a ser verdade, mostra bem o espírito da coisa.
Importa sublinhar que o principal motor deste atribulado processo foi a necessidade sentida pelo actual governo de apertar os cordões à bolsa da Educação. Recordemos a congelação das carreiras dos professores por dois anos com o argumento de ser necessário repensar o método de avaliação que permite a progressão entre escalões de remuneração. Segundo a equipa ministerial, e aqui estamos de acordo, o anterior método de avaliação para progressão na carreira docente era altamente injusto e roído pelos mais variados vícios de processo. A mudança de escalão era praticamente automática, dependendo apenas da frequência de acções de formação demasiadas vezes inúteis ou mal orientadas, nas quais os professores acumulavam um certo número de créditos. A isto bastava acrescentar um relatório de autoavaliação do desempenho que o docente apresentava à apreciação de uma comissão nomeada para apreciar os méritos aí expostos e reclamados. Salvo casos raros de incúria e desleixo absoluto, todos os professores viam os seus relatórios avaliados satisfatoriamente, progredindo na carreira em intervalos de tempo regulares. Isto era catastrófico para os cofres do Estado, uma vez que todos os professores integrados na carreira aspiravam a, um dia, chegar ao topo independentemente de terem ou não uma prática profissional condigna e reconhecida pelos seus pares. A presente equipa ministerial declarou este processo uma aberração e jurou meter tudo nos eixos. Os professores, por terem beneficiado deste agradável método de avaliação de desempenho ao longo de anos, foram declarados inimigos da ministra e dos seus dois inefáveis secretários de estado.
Muitos professores estavam de acordo com a ministra; o anterior método de avaliação e progressão na carreira docente padecia de tremenda maleita. Alguns acreditaram que seria tempo de debater com o ministério um novo processo de avaliação, justo e equilibrado, que viesse reconhecer a distinção entre a qualidade do trabalho lectivo dentro das escolas. Ilusão! A ministra chamou a si toda a responsabilidade para propor alterações e introduzir novos paradigmas no dito processo. Mal aconselhada por um grupo de colaboradores desleixados foi acumulando erros sobre erros que nos conduziram à situação actual. A esta sucessão de acontecimentos extraordinários não será alheio o facto de se pretender tapar o sol com a peneira. A motivação de todo este processo é exclusivamente de natureza económica. Os aspectos mais técnicos relacionados com a prática docente ou com o clima de aprendizagem nas escolas por este país adiante são nitidamente secundários. O que importa é poupar uns cobres nos ordenados dos professores. Até acredito que isso seja verdade. O que já não posso aceitar é que em nome desse inconfessado objectivo um ministério pratique os mais impensáveis atropelos aos direitos de toda uma classe profissional.
Para justificar o que afirmo atrás basta ver, por exemplo, como foi que o ministério resolveu a divisão dos professores em titulares e não-titulares. Apenas os professores que se encontrassem nos 8º, 9º e 10º escalões da carreira podiam aspirar ao lugar de professor titular desde que conseguissem um determinado somatório de pontos atribuídos numa escala mais do que discutível. Mas, repare-se, como chegaram esses professores aos escalões que ocupavam quando se candidataram aos lugares que agora ocupam? Beneficiaram do tal nefasto método de progressão na carreira que se pretende agora substituir e, até, moralizar. Então em que é que ficamos?
Não, senhor primeiro-ministro, a um mau processo de avaliação é preferível dar algum tempo até que se possa transformar num bom processo de avaliação antes de optar por avançar com ele. Talvez assim se poupasse a vergonha de ver tribunais pelo país fora a darem razão aos professores que avançaram com providências cautelares contra esta monstruosidade antidemocrática em que se transformou todo o processo, perante a olímpica indiferença da ministra e respectivos secretários de estado que, mais uma vez, ignoram os tribunais e se comportam como déspotas iluminados que se encontrem acima da Lei.
Isto só pode acabar mal.
Carta enviada hoje ao Director do Jornal Público
2 comentários:
Admiro o empenho do seu debate e crítica. Pensar nestes pontos nevrálgicos da sociedade é o que falta à todos.
bjs.
Ju gioli
Obrigado pelas palavras de incentivo. Utilizar o espaço da "blogosfera" como fórum para debate e discussão de ideias é uma oportunidade demasiado valiosa para ser ignorada.
:-)
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