Parece que há quem nos ofereça o coração a troco de nada. Há quem nos queira tanto bem que somos inacapazes de perceber o alcance de tão inexplicável paixão. Os problemas começam a surgir quando insistimos em recusar a oferta. Mesmo que o façamos educadamente, como nos ensinaram as nossas avós.
O ofertante insiste com o sorriso benemérito a descair ligeiramente para o amarelo. Que não, não queremos, que dispensamos, basta-nos bem o coração que temos e os outros que já conquistámos, mesmo os que entretanto fomos perdendo pelo caminho. Tá-se bem assim, muito obrigado e tal... mas o outro começa a dar sinais de impaciência. Espeta-nos um coração sangrento defronte do nariz e faz aquele gesto que os nossos antepassados navegadores faziam quando estendiam uma mão cheia de contas coloridas em direcção aos aborígenes que iam encontrando por aí. Eu não estava lá mas vejo o gesto. Um empurrãozinho do pulso com o cotovelo cúmplice, entre o hesitante e o esperançoso.
Fica lá com essa merda, ó matreco, é o que me passa pela cabeça, mas a sombra da minha avó não me permite tal indelicadeza. Começo então a pensar na possibilidade de aceitar aquela coisa, embora não esteja muito bem a ver o que possa fazer com ela. Só para dar uma alegria ao escuteiro mais à puta que o pariu, que de santo nem a paciência tenho. Meço um gesto de hesitação e ponho-o em prática. Noto uma esperança imediata a bater no peito límpido do meu interlocutor. Estou quase a receber na mão o palpitante pedaço de asno que me é tão insistentemente ofertado.
No último momento retiro a manápula, viro costas e afasto-me.
Que porra, sou alguma instituição de solidariedade social? Se o gajo quer fazer caridade que vá para um movimento cívico ou outra merda qualquer que esteja a dar.
Sinceramente, ó meus caros compinskas, não há pachorra para os escuteiros do amor nem para as suas mensagens de esperança num mundo melhor, repleto de poesia encadernada em capa dura com lombada forrada a pele de camelo.
Vão chatear o Camões!
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