quinta-feira, julho 29, 2021

Vai um drink

Certas obras de arte parecem-me enormes bibelots. Instaladas nas galeria como se a galeria fosse a casa da tia, aquela tia que tem gostos requintados. E nós, pobres coitados, visitamos a tia com o arzinho enfiado de quem, não se sentindo à vontade, ainda assim, é capaz de devolver um sorriso.

A Senhora Curadora, uma espécie de governanta carrancuda, convencida de que se não fosse o azar aliado à cor errada bem podia ser ministra da cultura, a Senhora Curadora avança num passo decidido, sabendo que o seu é o papel principal.

O artista, enfiado, promovido a decorador de interiores, frequentou uns workshops de arquitectura paisagística que lhe valeram de tanto ou um pouco mais que nada. Lá está ele a dar conversa a um grupo de senhoras que não têm mais que fazer que não seja parecerem interessantes e interessadas .

Tudo beautiful people, hirtos na pose, gestos afectados, não vão desequilibrar os macaquinhos que lhes mantêm limpo o sótão quando inclinam as cabecinhas no gesto de emborcar o drink de fim de tarde. 

- Champagne?

- Obrigado.


sexta-feira, julho 23, 2021

No fim do dia

Os mais ricos de entre os ricos encontraram uma nova forma de exibirem ao mundo a sua riqueza pornográfica, atiram-se para o alto em busca da ausência de gravidade. Há quem diga que estão a conquistar o espaço e mostram-nos aqueles seres vivos no interior de naves com formas estranhas, aos guinchos, divertidos como peixes-palhaço a boiarem num aquário. Mostram-nos aquilo como se fosse algo extraordinário, coisa digna de serviço noticioso. Não me parece que seja assim tão digno de nota.

Mas, justiça seja feita, no mesmo serviço noticioso podem mostrar-nos os mais pobres e miseráveis, sofrendo das mais variadas maneiras, pairando no vácuo da indigência absoluta. O espectáculo está nos extremos: o branco e o preto, o mau e o bom, o podre de rico e o miserável, o adorável e o desprezível. E nós, agarrados ao garfo e à faca, vamos comendo, comendo, comemos tudo, como bons meninos, cidadãos exemplares, satisfeitos porque, pelo menos, não passamos aquela fome de cão que vemos estampada nos olhares perplexos de crianças-esqueleto, espantadas por ser aquilo que Deus lhes reservou à guisa de vida.

A verdade é que, com maior ou menor dificuldade, no fim do dia acabamos todos a cagar aquilo que comemos.

quarta-feira, julho 21, 2021

Muros

Até o Jardim do Éden era limitado por um muro em toda a volta. O muro separa o espaço e constitui obstáculo  para quem seja bípede baixote. A esmagadora maioria dos quadrúpedes também marra nos muros que se lixa. Os passarinhos volteiam alegremente sobre eles, um gigante dá-lhes um piparote ou levanta simplesmente a perna e continua a andar. Mas nós, pequenos seres inquietos e nervosos, sempre receosos de não termos nada para enfiar no bandulho, nós ficamos de um dos lados do muro a imaginar o que haverá do outro lado.

Como em princípio és um bípede baixote, tal qual eu, caro leitor, sabes bem do que falo. Sabes bem o que é um muro intransponível que nos deixa a imaginar o que estará do outro lado ou nos conforta a alma por sabermos que dali não virá tão depressa bípede como nós que nos surpreenda e faça algum mal.

Um muro é um sentimento ambíguo.

terça-feira, julho 20, 2021

Pensamento circular

As coisas são o que são e são mesmo assim. 

Para banalidade absoluta, a frase anterior não ficou nada mal. Não sei bem porque a escrevi se a minha intenção era (e continua a ser) falar um nadinha sobre Julian Barnes. Quero dizer, falar um pouco sobre o nada que sei acerca da obra, muito menos sobre o escritor.

Bom, o que se passa é que li num suplemento de Domingo passagens de uma entrevista com Julian Barnes e algo se me acendeu no espírito dando-me uma certa vontade de ler qualquer coisa da sua autoria. O meu irmão emprestou-me "O Ruído do Tempo" que li de forma excepcionalmente rápida (já aqui escrevi várias vezes que sou um leitor lentíssimo). Logo lhe perguntei se tinha mais livros de Barnes e estou agora a derreter "Os Níveis da Vida". Ainda tenho ali outro romance à minha espera mas já não me recordo do título.

Tenho aqui um autor para ir lendo até lhe esgotar as páginas.

Voltando à frase inicial quero apenas fazer uma pergunta e uma afirmação. Pergunto: como foi possível eu ter ignorado a existência de tão genial autor durante tanto tempo? Afirmo: as coisas são como são e são mesmo assim.

quinta-feira, julho 15, 2021

Um aperitivo

- Se ganhasses o euromilhões amanhã o que é que fazias? Hã, diz lá o que é que fazias? 

Eram três amigos encostados ao balcão, bebendo uns aperitivozinhos, nitidamente felizes, apesar das máscaras entaladas entre as orelhas e os queixos. A pergunta soou a exame, prova oral do Ensino Básico. O amigo que a lançou fazia da qualidade da resposta prova de inteligência. Era coisa sobre a qual convinha pensar; ele próprio tinha alinhavada uma estratégia capaz de espantar o mais arguto dos capitalistas mas, para já, não iria revelá-la a ninguém. Era o seu pequeno tesouro.

O outro amigo vacilou, bebericou o "martini" e respondeu qualquer coisa numa vozinha tão débil que me foi impossível perceber o que disse. Rebentaram os três numa gargalhada tão forte e genuína que parecia ter estalado uma tempestade na sala. Só faltou que chovesse felicidade.

segunda-feira, julho 12, 2021

Desenho

Ser artista não é coisa evidente. Podem dizer-to e tu sem seres capaz de acreditar. Podes pensá-lo e os outros sem se aperceberem do que te vai na alma. Isto porque aqueles que se proclamam artistas aos sete ventos costumam ser olhados de soslaio: tanta publicidade deve ter uma base enganosa. O povo desconfia muito.

Se és de origem popular, então também desconfias. Muito. Eu sou do povo e não tenho grande confiança na minha cabeça quando ela pensa e me segreda ao coração: "és um artista". Pois, já me tinhas dito. Eu quero acreditar, mas desconfio.

Este problema é aparentemente insolúvel. Não há fórmula química nem operação matemática que forneça resposta satisfatória. Não há tratado nem obra publicada que esclareça a questão ou ofereça solução viável. Como resolver tamanho pequeno mistério? Como tentar encontrar uma pista que me leve para fora do labirinto de dúvidas que me aprisiona?

Bom, só tenho encontrado uma forma de tentar resolver esta coisa. Desenho.

sexta-feira, julho 09, 2021

Ser necessário

A sensação de sermos úteis pode ser fonte de renovada esperança na existência que levamos. O tempo vai passando, é sabido que não rejuvenescemos. Se com o passar do tempo vamos perdendo importância, se vamos sendo roídos pela dúvida: "mas que raio de merda faço eu aqui?" corremos sérios riscos de nos afundarmos em lamacenta melancolia.

Quando a esperança começa a ganhar cabelos brancos provocados pela angustiosa dúvida, a confiança no sentido da vida que imaginamos ter enrola-se toda e procura uma toca funda onde possa esconder-se. É um processo perigoso, o nascimento da desconfiança.

Eis senão quando, de forma mais ou menos inesperada, nos dizem que somos a solução desejada, uma espécie de herói aguardado para salvar o dia! Caramba, os pés ficam-nos leves e nós dançamos.

quarta-feira, julho 07, 2021

Ser chefe

A culpa é atributo de gente subalterna. Nunca um chefe ou um dirigente são culpados de seja o que for, muito pelo contrário: os que mandam são responsáveis apenas pelo sucesso, quando as coisas correm bem. É por isso mesmo que são chefes; recolhem os louros, distribuem o opróbrio.

segunda-feira, julho 05, 2021

Omnipresença

Há um quase silêncio na sala. Apurando o ouvido consigo detectar os automóveis que passam no alcatrão molhado ou aquilo que me parece um televisor, algures, encalhado no betão. Ignorando isso, silêncio absoluto, na medida em que podemos aspirar ao silêncio estando numa cidade sobrepovoada, sobrepoluída e, acima de tudo, esquecida pelos deuses.

Isto é o mais próximo do silêncio absoluto que  Harpócrates nos pode oferecer ou proporcionar. Perante o ruído latente, o deus coloca o indicador da mão direita sobre os lábios. Pudéssemos nós satisfazer o seu pedido, obedecer à sua ordem! 

Muito me incomoda o ruído artificial capaz de irromper na paisagem com a força de uma tempestade. Um avião de combate voando a baixa altitude é como se rasgasse um céu feito de papel imenso. Um funcionário da câmara municipal espantando as folhas caídas com o seu aspirador-ao-contrário é como se fosse um demónio a castigar os viciados na beleza sonora.

Penso no ruído como sendo, ele próprio, uma divindade moderna ou contemporânea. Os antigos, que criaram deuses aos pontapés, não foram capazes de imaginar um que protegesse o ruído? Não quiseram fazê-lo? Deve o ruído ser objecto de veneração? Seja como for, tendo ou não alteres em sua honra, o ruído é das coisas que mais se aproximam da suposta omnipresença divina. Nas cidades é mais que rei, maior que imperador, nas cidades o ruído é deus!

sexta-feira, julho 02, 2021

Conversa da treta

Nada a fazer, nada a fazer... quando a coisa é mal feita (maus actores, maus técnicos, pior realizador) não há nada a fazer. Resta-nos rezar, resta-nos desejar, resta-nos muito pouco que nos livre da desgraça que se adivinha. O filme não se aguenta.

Damos por nós a pensar "mas que raio, porque carga de água se faz uma merda destas?" e não percebemos muito bem porque carga de água se faz uma merda daquelas. E não é caso tão raro quanto seria de esperar. Os maus filmes são às centenas, são aos milhares! 

A proliferação de filmes horrendos é um dos maiores mistérios da natureza.

quarta-feira, junho 30, 2021

João Capelo Gaivota*

Ele quis ser mar, ter ondas sobre os ossos, cardumes inteiros na barriga, Poseidon sentado num trono feito no seu cérebro. 

Antes sonhara ser continente perdido, secreta Atlântida ou apenas uma ilha no meio do Mediterrâneo, uma ilha agachada dentro de um labirinto impossível de resolver por seres vivos, acessível apenas aos maiores de entre os deuses.

Ele desejara ser tantas coisas, tantos sonhos, lendas, poemas, romances, ele desejara ser... agora jazia ali, caído na dureza da rocha onde o seu corpo viera embater com violência. Tinha as asas partidas, o bico abria e fechava como uma porta sacudida pelo vento. Sentiu a vida por um último instante. Deixou de sonhar. 

* Não confundir com o Tristão.

sábado, junho 26, 2021

Veludo, lâminas e fantasmas

Visitar o passado faz-me sentir veludo na alma, quando são boas as recordações.

Saem-me lâminas do cérebro quando são más.

Rastejam fantasmas se as memórias não ganham nitidez.

Veludo, lâminas e fantasmas, eis o que trago dentro de mim.

quarta-feira, junho 16, 2021

Ser branco

Tenho um livrinho aberto nas mãos. É a "História Universal da Infâmia", essa barroca sucessão de narrativas pela voz imensamente literária de Borges, o escritor infinito. 

Olho a minha mão, o meu polegar. Olho o meu braço: qual a cor da minha pele? Tento encontrar palavras capazes de explicar aquilo que os meus olhos vêem. A cor e o tom são indefinidos, não descubro uma expressão adequada. Qual a minha cor?

De uma coisa tenho eu certeza absoluta: não sou branco! Brancas são as páginas do meu livro.

terça-feira, junho 15, 2021

Se bem me lembro

 

Tenho seguido com alguma curiosidade a polémica (no jornal Público) entre João Miguel Tavares e Pacheco Pereira a propósito da intervenção de Nuno Palma na convenção do MEL. O debate, que se desejava, vai-se transformando em discussão acalorada, que se dispensava. Nuno Palma também não se fica e vão sendo trocados epítetos vagamente coloridos, arremessados de um lado para o outro com mais violência do que pontaria. 

 Se bem compreendi o problema foi Palma ter afirmado que o Estado Novo combateu o analfabetismo lusitano com maior eficácia que a 1ª República e que convergiu com a Europa em PIB per capita de forma mais eficaz que em grande parte do regime democrático. Estas afirmações serão sustentadas por números e percentagens. Eu vivi a “primavera marcelista” bem como os últimos anos do inverno que a precedeu. E tenho algumas memórias: da ausência de saneamento básico, dos pés descalços, das caras sujas, dos putos que bebiam bagaço para aquecer e depois não conseguiam aprender grande coisa na escola, de uma sardinha ser refeição para três, tenho memória do machismo alcoólico, das estradas miseráveis que desembocavam invariavelmente em povoações de aspecto lúgubre habitadas por mulheres vestidas de negro que tinham os filhos na guerra, das ruas de terra batida com galinhas deixadas à solta e caganitas de ovelhas; tenho muitas memórias e, entre elas, uma sensação de felicidade infantil. 

Até à Revolução não me lembro de alguma vez ter ouvido a palavra “comunista”, lembro-me de chamar “cabeça de abóbora” ao Presidente da República (em voz baixa e por entre risinhos), lembro-me do respeito absoluto devido à inquestionável Santa Madre Igreja. Lembro-me das loas a Salazar e da história do Macaco do Rabo Cortado nos livros de leitura que traziam também a impressionante narrativa do aio Egas Moniz com a corda ao pescoço. 

Lembro-me de um país pobre, habitado por gente maioritariamente miserável que, mal pôde, emigrou em massa para as “franças” em condições ditadas pelo mais profundo desespero. Todas estas recordações me fazem pensar que, das duas uma, ou a Europa com a qual convergimos nesses tempos era igualmente miserável ou então o PIB teria, em certos e determinados países, destinos diferentes daqueles que o Estado Novo lhes dava. Quanto à questão da alfabetização não me custa nada admitir que o Estado Novo tenha feito muito melhor trabalho que a 1ª República, mas não tenho memórias que me ajudem a pensar no assunto. 

Ainda assim penso poder afirmar que, nesse aspecto particular, o regime Democrático tem sido muitíssimo mais eficaz do que foi o salazarismo. Estou em crer que, se trabalharmos com memórias vívidas, não há comparação possível entre o Estado Novo e o regime actual mas caso reduzamos a memória à frieza dos números talvez possa haver formas de desencantar alguma virtude à Outra Senhora.

 

carta enviada ao director do Público

quarta-feira, junho 09, 2021

Macacada

Muita gente fala e avisa que estamos a caminhar em direcção a um abismo de incompreensão entre a esquerda e a direita, que estamos com conversas cada vez mais de surdos e extremadas, muita gente fala e avisa mas parece que ninguém ouve ou dá grande importância à questão. A situação faz-me recordar (ou terei imaginado?) gritaria generalizada na aldeia dos macacos e agressões cruzadas com pedaços de merda arremessados em direcção ao oponente. Vejo merda a voar em todas as direcções. Baixo a cabeça e tento encontrar uma nesga por onde me possa escapulir deixando para trás este merdançal insuportável.

O palco mediático é alegremente entregue aos macacos mais agressivos, aos mais capazes de enterrarem as patitas na merda, aos que não hesitam em guinchar como porcos a serem capados: é deles a ribalta! A sociedade, de um modo geral, gosta de sangue e ama o sofrimento alheio. O discurso institucional está longe de admitir esta ânsia de dor mas todos compreendemos que o que a boca diz é negado pelo cérebro. 

Isto parece muito o cortejo fúnebre das democracias ocidentais.

segunda-feira, junho 07, 2021

TINA que os pariu!

Tenho a sensação de que já utilizei este título num post anterior do 100 Cabeças. Se não foi título foi tema, se não foi tema foi frase.

Vem isto a propósito da vontade manifestada pelos principais dirigentes políticos dos países do G7 em taxar os lucros das grandes multinacionais arranjando forma de lhes secar a artimanha de fugirem com o rabo à seringa indo pagar impostos para paraísos fiscais que os não cobram (!?). Esta minha explicação é um bocado tola pois não compreendo muito bem como funciona a coisa. O que eu percebo é que os poderosos estão a tentar encontrar forma de domarem um pouco a besta selvática do capitalismo.

Decerto são dirigentes muito poderosos que não dependem directamente das tetas das grandes multinacionais para saciarem a suas necessidades de consolo. Vai daí puxam-lhes as calças para baixo e ameaçam-lhes os lucros, que poderão baixar de escandalosamente pornográficos para apenas estupidamente insultuosos.

Para os defensores da ideia da TINA (There Is No Alternative) económica isto é um atestado de menoridade intelectual. Andam há anos a convencer o pagode de que não há alternativa, que os capitalistas são como as enguias e não se deixam apanhar, escapulindo-se ao menor sinal da alarme. No lado oposto muitos se recusaram a aceitar a TINA como uma fatalidade do destino. Aqui está a prova de que até mesmo os capitalistas mais viscosos e arredios acabam por ser apanhados, assim haja vontade política.

O que não estava propriamente no programa era que o método prescrito para caçar enguias no lodo da alta finança fosse criação do próprio sistema capitalista. Ou, por outro lado, o facto de ser o sistema capitalista a inventar uma forma de se travar a si próprio revela a dimensão inimaginável da roubalheira que vem sendo perpetrada há várias décadas debaixo dos nossos narizes.

Termino com toda a convicção: vão prá TINA que vos pariu!

sexta-feira, junho 04, 2021

Ser solidário

É tudo uma questão de olhar o sol a direito ou esperar pela noite para depois abrir os olhos. Entretanto muitos de nós esquecem-se de reparar nos outros, muitos não reparam, sequer, em si próprios. Ofuscados pela ilusão que é estarmos vivos, não damos o devido valor à aproximação da morte.

Procuramos uma posição confortável que nos permita ultrapassar cada dia sem grande sofrimento, de preferência sem sofrimento nenhum. A solidariedade é uma coisa complicada pois poderá perturbar o equilíbrio necessário à ausência de dor e aborrecimento. 

Ser solidário obriga a olhar o sol a direito. Muitos de nós não suportam tanta luz e refugiam-se na escuridão da ignorância. Optamos por um mundo sem luz, tornamo-nos adeptos das trevas.


domingo, maio 30, 2021

Egoísta

A vulgaridade absoluta dos dias que passam é assustadora. A sujidade incomoda, a artificialidade do discurso engarrafa-me o juízo. Não posso deixar de imaginar uma vaca imensa a pastar as cabeças dos congressistas e a mastigá-las naquele movimento característico das vacas que mastigam. Entretanto um raio de sol tenta incomodar a noite que se alegra no silêncio das ruas abandonadas. Como poderia tal coisa acontecer? O sol não sai à noite. A mãe não deixa nem o pai dá permissão. 

Escrever coisas sem sentido não me parece particularmente difícil. Registar ideias concretas de forma inteligível, isso sim, parece-me coisa complicada.

Na verdade não tenho nada a dizer. Fico com a sensação de que estou a roubar o teu tempo por não saber bem o que fazer com o meu, que este é um texto egoísta.

sábado, maio 29, 2021

Milhões

O Governo verte milhões de euros sobre o buraco disto, investe outros tantos no programa daquilo, a União Europeia disponibiliza milhões de euros para apostar na recuperação económica; milhões, milhões, milhões de euros para levantar a Humanidade da cova onde se vai enterrando. 

Lemos as notícias e, sem que nos apercebamos muito bem, sentimos um pequeno alívio: com tantos milhões vai ficar tudo bem ou, pelo menos, as coisas vão melhorar. É domínio do científico, próximo do matemático.

Esquecemos que deitar milhões de euros sobre os problemas, por si só, não os resolve. Os milhões precisam de planos que os canalizem de modo a não irem para o ralo do desperdício. Aí é que a porca torce o rabo ao ponto de ficar um saca-rolhas.

Milhões, milhões, milhões... o problema não será tanto a quantidade de dinheiro a investir mas sim a qualidade do investimento a realizar.

segunda-feira, maio 24, 2021

Sorriso amarelo

As redes sociais têm muitas coisas estúpidas. Parece-me até que têm mais coisas estúpidas do que o contrário. Basta abrir as caixas de comentários a qualquer notícia de jornal por pacífica que nos possa parecer para depararmos com um relambório de insultos e afirmações malcheirosas. As nossas caixas de email são autênticos vazadouros do lixo mais variado. Isto de andar na NET está cada vez mais penoso.

Mas, no meio de toda esta porcaria, há um fenómeno que me intriga: as piadinhas. De súbito, perante um teclado e um ecrã de computador, todos nós nos tornamos potenciais criadores de conteúdos cómicos. Eu próprio já me apanhei em flagrante, muito mais que uma vez, a escrever parvoíces imensas que, depois de ler e reler, me deixam perplexo perante a minha extraordinária cabotinice. Que porra! Fui eu quem escreveu aquilo!?

Quando me apercebo a tempo de ter sido estúpido, apago a patacoada e pronto, caso resolvido. O pior será quando não me enxergo a tempo de pôr o dedo na ferida e a coisa passa, incólume e imbecil, mundo adentro com a minha assinatura a enfeitar o cócó.

Infelizmente a estupidez não é um exclusivo da minha pessoa. 

Quando vejo amigos caindo na esparrela da piadola, dizendo parvoíces do tamanho da autocarros, fico triste. Não tenho coragem de lhes dizer "essa merda não tem piada nenhuma", calo-me bem calado e finjo que acaba ali o problema. Mas não, eu sei que não. O problema não acaba nunca. Antes se eterniza na amarelice dos sorrisos.