tag:blogger.com,1999:blog-193654742024-03-18T13:39:00.780+00:00100 cabeçasSilvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.comBlogger2550125tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-5830204889277056992024-03-18T09:24:00.006+00:002024-03-18T13:38:29.533+00:00Evangelista<p> <span> A desordem do mundo é paralisante. Animado por sentimentos cristãos, gostaria de poder contribuir decisivamente para reparar algumas malfeitorias, corrigir este erro ou aquele, aproximar dali o Paraíso, nem </span>que fosse mero meio milímetro. Mas, népias! Querer parar as injustiças é como esticar as mãos na esperança de com elas estancar a ventania. </p><p><span> </span>Sente-se coisa inútil.</p><p><span> Desanimado (pedindo desculpa a Deus) vira-se para o outro lado e volta a fechar os olhos. O sono cai sobre ele como uma carga da Brigada Ligeira. É, agora, um penedo no silêncio absoluto do pinhal. Coisas informes, nacos de carne sanguinolenta, esvoaçam em redor da uma única flor carnívora, batendo asinhas de colibri disparam pingos de sangue a toda a volta, metralham as paredes. </span><br /></p><p><span><span> Sorri no sono.</span><br /></span></p><p><span><span><span> Lê o jornal no écran do telemóvel, bebe um café (horrível, amarguíssimo) enquanto guarda o pacotinho de açúcar no bolso das calças. Olha sobre o ombro, imagina nazis em todo o lado. Regressa ao écran e já não presta atenção a nada do que lê. As palavras têm forma mas perderam significado. A mente vagabundeia e é assim que abandona o Café da Esquina: pés no chão, cabeça bem no ar. É preciso viver mais aquele dia e a morte não lhe faz falta.</span><br /></span></span></p><p><span><span><span><span> Lá do outro lado do mar morrem pessoas inocentes, homens ímpios comandam as nações. O abismo abre-se como um inferno pior do que este mundo, milhões de seres vivos precipitam-se naquela ravina infinita. Aves, homens, peixes, a catástrofe é indescritível e a morte sempre insaciável. Um evangelho do desespero vai-lhe crescendo dentro da cabeça.</span><br /></span></span></span></p><p><span><span><span><span><span> Chegado ao local de trabalho veste a farda, coloca </span></span></span></span></span>no peito a plaquinha com o nome, olha-se ao espelho e alisa para a nuca os cabelos que lhe restam. Dirige-se ao balcão. Por entre um sorriso elástico que lhe arreganha a taxa solta o seu gritinho de guerra: Bom dia, em que posso ajudar? </p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-38240793379503852842024-03-17T14:11:00.003+00:002024-03-18T08:58:13.275+00:00Quase<p> <span> </span>Rio-me de tudo! Tudo me provoca espasmos descontrolados na musculatura, por todo o corpo. Contraio-me, ondulo, abro a boca em busca de uma golfada de ar e liberto um riso talvez nervoso. Não sei. Não sou um estudioso. Rio e pronto! Sabe bem.</p><p><span> </span>Por vezes caio num torpor incompreensível (pode acontecer após uma sessão de riso). Talvez seja uma paralisia provocada pela estranha sensação de estar quase a compreender uma certa coisa sem que seja capaz de alcançar que coisa é essa. Incomoda. </p><p><span> </span>E, então, é assim. O meu corpo comporta-se como o de uma leão marinho, a ondular gorduras, a largar sons guturais e, de súbito, tudo pára, atravessa-me um último estertor antes de se instalar uma acalmia violenta. Paraducho.</p><p><span> </span>E é muito isto, do riso ao estupor vai a curtíssima distância de um pensamento incompreendido. Afinal não passo de um ser humano (ou perto disso).<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-87352645793416920342024-03-14T12:53:00.005+00:002024-03-18T09:40:45.741+00:00O pior inimigo<p> <span> </span>Todos os dias me espanto mais um pouco com a nossa capacidade para sermos estúpidos. Quando escrevo "nossa" quero referir-me à sociedade que vamos construindo, refiro-me àquilo que somos como um todo. </p><p><span> </span>Vivemos o quotidiano como se fôssemos zombies, mortos-vivos sociais. Sentimos extrema dificuldade em soletrar correctamente a palavra "so-li-da-ri-e-da-de" quanto mais em compreender o seu significado.</p><p><span> </span>Todos os dias me espanto com a forma decidida como a nossa espécie marcha em direcção a um abismo que cava cada vez mais fundo; um buraco imenso, misto de falésia e sepultura, que vamos abrindo, abrindo, abrindo, enquanto desejamos não o fazer. Temos (temos?) consciência plena de estarmos a contribuir inexoravelmente para o nosso próprio fim. Mas nada nos detém.</p><p><span> </span>O discurso não reflecte o pensamento, a acção é contrária ao desejo que a impele. Somos animais impossíveis de compreender. Deus deixou de nos proteger daquilo que desejamos. Esse era o Seu papel. Agora estamos entregues a nós próprios, entregues ao nosso pior inimigo.</p><p><span> </span>Enquanto a Estupidez for rainha absoluta não haverá ministério que nos valha.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-30434207255450057902024-03-13T14:04:00.005+00:002024-03-14T12:41:10.519+00:00Silencioso<p> <span> </span>Faz hoje exactamente um ano. Caronte vinha já deslizando, silencioso como ele só. Terá por mim passado no caminho, não me apercebi, não o vi, não o senti. <span></span>Faz hoje exactamente um ano que chegou Caronte.</p><p><span> </span>Chegou cedo, encontrou-o a dormir. Não sei se falaram, se olharam nos olhos um do outro. Caronte levou-mo. Não mais voltei a ver o meu pai. Fica a saudade, enquanto Caronte não voltar, dessa vez para me levar.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-44966363621618469592024-03-11T08:09:00.003+00:002024-03-11T08:09:24.969+00:00O bestunto<p> <span> A ascensão da extrema-direita nas eleições legislativas de ontem deixou-me a pensar no modo como nascem os monstros. Nascem como todos os seres, aparentemente frágeis e desprotegidos até que ganham dentuça, garras nas patas e passam a cheirar mesmo mal. Ontem o fedor entrou-me de rompante pela janela entreaberta.</span></p><p><span><span> </span></span>O mundo não acabou, apenas ficou ficou bastante mais feio e mais perigoso.</p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-14365552360609754692024-03-08T12:29:00.002+00:002024-03-08T12:29:55.430+00:00Visão e premonição na vida de um cão<p><span> </span>A sensação reconfortante de que a nossa sociedade evolui continuamente é uma ilusão poderosa. Imaginamos uma espécie de Nirvana ao virar da esquina sem olharmos para trás, sem verificarmos se as coisas vão ficando nos lugares onde as deixámos.</p><p><span> </span>As conquistas alcançadas não são eternas. Os impérios, afinal, acabam sempre por cair, aquilo que foi grandioso degrada-se, definha e perece. O poder está muito longe da solidez que aparenta ter de cada vez que se impõe e determina uma certa linha da realidade.</p><p><span> A</span> felicidade alterna com momentos de tristeza, à euforia sucede o marasmo, a depressão. Um dia tudo acabará. Imagino que fique o silêncio e que o silêncio permaneça.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-86785611375507436842024-03-03T10:16:00.004+00:002024-03-03T10:16:43.805+00:00Projectos <p> <span> </span>Apercebeu-se de que nunca tivera aquilo a que se pode chamar "um projecto de vida". O que tivera sempre, o que continuava a enquadrar as suas acções, a sua vida, fora uma organização quotidiana orientada em função de projectos pontuais. Esses projectos permitiam-lhe planear o futuro doseadamente; por vezes chegava quase a perceber o que andava a fazer neste mundo.</p><p><span> </span>Na ausência de um "projecto de vida" limitava-se a viver uma vida feita de projectos. Até aquele dia não se pode dizer que se tenha dado mal. Se descontarmos uma ou outra fase menos feliz, tivera (e continua a ter) uma vida razoavelmente descansada.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-77623907256019980092024-02-27T14:43:00.008+00:002024-02-27T14:44:43.151+00:00Saudade<p> <span> </span>Por vezes sinto-me tão próximo de qualquer coisa semelhante ao que imagino que possa ser a verdade que a felicidade dentro de mim quase ocupa algum espaço. É difícil de explicar por se tratar de uma sensação cá muito perdida nas profundezas do meu ser mas sei que é uma coisa real, de outro modo não me aperceberia da sua presença, da sua fisicalidade.</p><p><span> </span>Isto acontece de surpresa. Não posso dizer que acontece quando menos se espera pois estaria a mentir e a mentira não faz parte da minha prática. Quando sinto necessidade de mentir costumo ficar calado. Omito. Ou tento omitir, nem sempre resulta. A mentira é um embaraço. Mas, dizia eu, isto acontece de surpresa.</p><p><span> </span>É uma coisa que não se força, não se busca, deixa-se acontecer e é uma felicidade. É fugaz, é transitória; na maior das parte das vezes, conforme vem assim se vai, sem deixar vestígio nem registo. Fica apenas uma espécie de saudade. Acho que é isto, a saudade. Que a saudade é isto.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-26189748266341258382024-02-24T13:23:00.007+00:002024-02-24T13:23:59.705+00:00Escuridão<p> <span> </span>Há coisas que servem apenas para existir. Não têm aparente utilidade prática. Limitam-se a cumprir o seu papel. Por isso mesmo encontram-se frequentemente em vias de extinção.</p><p><span> </span>Incansáveis, procuramos o espírito da coisa embora saibamos que a coisa não tem espírito, que a coisa, na maioria das vezes, se esconde dentro de nós.</p><p><span> </span>Cercados por alcateias de monstros ávidos de riqueza assistimos impotentes à desolação da paisagem.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-40511687802098543082024-02-21T23:05:00.005+00:002024-02-21T23:08:13.929+00:00Tempo é dinheiro<p><span style="color: #f1c232;"> </span><span face="Calibri, Helvetica, sans-serif" style="color: #f1c232; font-size: 12pt;">Os
debates entre os candidatos às próximas eleições
legislativas e os respectivos comentários foram um espelho do estado a
que chegámos. Assistimos a uma sucessão de programas televisivos
encarados como se se tratasse de mero entretenimento, espartilhados por
espaços comerciais. Aquilo que os "bonecos" pudessem dizer
foi sempre acessório e utilizado apenas para alimentar os inacreditáveis
espaços de comentário que se lhes seguiam. Os "comentadores" avaliavam
as prestações dos
candidatos como se fossem mestres-escola vigiando o conhecimento, a
postura e a atitude de alguns fedelhos. </span></p><p><span face="Calibri, Helvetica, sans-serif" style="color: #f1c232; font-size: 12pt;"><span> </span>Veio-me à
memória a ideia pré-histórica de que se vendem candidatos como se
fossem
sabonetes. Nos dias que correm os candidatos ajudam é a vender
sabonetes. Desde que nos transformámos em consumidores, deixando de ser
cidadãos, que a publicidade se tornou uma espécie de Inteligência
Artificial de
mercearia. Acéfala e indiferente aos destinos da Comunidade e do Ser
Humano, como é de esperar de uma IA, a publicidade transforma tudo em
negócio e determina o foco e a duração dos tempos de atenção e
concentração a que temos direito. O que importa eleger A, B
ou C? Desde que o tempo continue a ser dinheiro estará tudo bem.</span></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-56996464861039461762024-02-20T18:56:00.005+00:002024-02-20T18:57:59.467+00:00Seja<p> <span> </span>Não quero que eles sejam como eu. Só não gosto que sejam como são. Que vivam como lhes for mais confortável. Por mim, tudo bem. Mas não me venham dar ordens nem me venham impor as suas leis merdosas.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-35989780438525665362024-02-19T09:52:00.002+00:002024-02-19T09:52:27.293+00:00Ser como o cuco<p> <span> Reflectir sobre o tempo é uma actividade perfeitamente dispensável. Para quê matar neurónios a tentar compreender os segredos do tempo quando temos o relógio incrustado no interior da cabeça, no interior do peito, nas palmas das mãos e nas solas dos pés? </span></p><p><span><span> </span>Transformamo-nos em relógios. Desde o dia em que nascemos até ao dia em que vamos a enterrar trabalhamos laboriosamente nesse sentido, o nosso sonho é virmos a ser mecanismos complexos e exactos. Se virmos bem, a cegonha não traz os bebés de Paris mas sim algures do território suíço. </span></p><p><span><span> </span>Somos como os cucos: cúcú, cúcú! Deitamos a cabeça de fora a horas certas e fazemos um sorriso de circunstância. Avançamos e recuamos, ensaiamos uma rotina diária ordenada. </span>Cúcú, cúcú. Havemos de nos transformar em algo que não nos dê o trabalho insano de pensar. Cúcú, cúcú.</p><p><span> Os cucos insinuam-se, põem os seus ovos nos ninhos alheios e vão meter nojo para outro lado. Os cucos são como os fascistas e os fascistas são como os cucos. Os cucos põem ovos nos ninhos alheios, os fascistas põem mentiras nos cérebros alheios. Ovos de medo que, quando eclodem, trazem ao mundo o terror.</span><br /></p><p><span><span> Nunca pensei poder pensar o que acima escrevi. Ou ter-me-ei limitado a escrever estas palavras, de um modo mecânico, quase automático, numa atitude surrealista? As ideias que ficam expressas não eram minhas, andavam por aí a pairar e, quando escrevi o texto, desceram à Terra na única forma possível: esta. Exactamente esta!</span><br /></span></p><p><span><span><span> As ideias são como ovos de cuco...</span><br /></span></span></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-13641496045775427792024-02-18T11:41:00.006+00:002024-02-18T11:41:28.130+00:00Tempo é dinheiro<p> <span> </span>Muito se tem falado do facto de os debates entre candidatos às próximas eleições legislativas serem curtos e apressados enquanto os espaços de comentários que se lhes seguem são prolongados horas a fio. Aí, os comentadores discorrem sobre o que foi e não foi dito naquele intervalo de tempo no qual os candidatos ocuparam o ecrã. E atribuem notas, como se fossem mestres-escola. <br /></p><p><span> </span>Afinal de contas é tudo, debates e comentários, espartilhado por espaços comerciais opressivos que sufocam a palavra e o pensamento humanos.A Publicidade tornou-se uma espécie de Inteligência Artificial de mercearia, acéfala e indiferente aos destinos da Comunidade e do Ser Humano, que asfixia os nossos sonhos e os transforma em negócios, tabelas de Excel e outras coisas mais ou menos dispensáveis à nossa felicidade. O que importa eleger A, B ou C? </p><p><span> </span>Desde que o tempo continue a ser dinheiro estará tudo bem.</p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-23977623218381064722024-02-17T14:20:00.004+00:002024-02-17T14:20:53.628+00:00A fronteira<p> <span> </span>Ando um bocado desiludido. Que a decência não é o nosso forte enquanto sociedade, isso eu já sabia e, imagino, também tu já tinhas percebido. O que me deixa cabisbaixo é perceber, uma e outra vez, que a indecência não tem linha que lhe limite o nível mais rasteiro. Quando essa linha atinge o chão há sempre quem venha com a sua pá escavar o buraco que levará essa linha mais fundo e mais baixo e mais e mais e mais.</p><p><span> </span>Estará no Inferno a última fronteira da filha-da-putice?<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-16515416645803507792024-02-16T18:28:00.005+00:002024-02-17T11:21:22.651+00:00A dúvida<p> <span> </span>Gostava de caminhar entre as pessoas. Gostava de as olhar discretamente. Uma vez por outra estabelecia contacto ocular mas desviava rapidamente a atenção para qualquer outra coisa, olhar era muito diferente de ser olhado.Talvez pudesse afirmar que amava os seus semelhantes, não tinha a certeza disso. Não absolutamente.</p><p><span> </span><br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-63085130121194810332024-02-13T13:04:00.007+00:002024-02-13T13:06:36.465+00:00Um muro<p> <span> Para lá do muro havia uma multidão. Deste lado, seis ou sete guardas armados bastavam para manter as coisas no lugar. O muro era intransponível, estava-se em segurança. A vida podia continuar como habitualmente. A multidão não chegava a ser vista, era ignorada. Velhos, novos, bebés ou crianças, homens ou mulheres, multidão ignorada. Deste lado do muro havia muitos pobres e alguns ricos mas a fome era disfarçada, nalguns casos era até encorajada (como, por exemplo, entre os eremitas e os modelos de passerelle). Para lá do muro, muro coroado com arame farpado, a fome tornara-se um modo de vida.</span></p><p><span><span> </span>Rotina e desespero. <br /></span></p><p><span><span> </span>O que fazer com aquela multidão? Ignorá-la. Sim, mas ignorá-la não faz com que desapareça. Não? Temo bem que não. Se olhar por cima do muro verá que a multidão não só permanece no local como aumenta a olhos vistos. (silêncio) Mande chamar o responsável pelos guardas.</span></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-19235886098723756702024-02-08T14:27:00.002+00:002024-02-08T14:28:03.939+00:00A arte de engolir sapos<p><span> </span><span> </span>Já vi muita gente a engolir sapos. Uns gesticulam como marionetas e fazem estranhas caretas,
outros vão largando impropérios incompreensíveis (pois quem consegue
dizer algo que faça sentido com um sapo enfiado na boca?), outros ainda
ficam hirtos como estátuas de mármore e vão metendo a coisa para dentro
com ar de quem está aflito. <span> <br /></span></p><p><span><span> </span> </span>A arte de engolir sapos não está ao alcance de qualquer um. Para engolir um sapo e manter uma pose elegante é preciso estar-se bem seguro de si. É preciso saber que o sapo será digerido e, fazendo fé absoluta na Lei de Lavoisier, transformar-se-à numa outra coisa. A arte de engolir sapos implica ir pensando no futuro enquanto se digere o bicho. </p><p><span> </span>E, mais tarde, o futuro chega e o sapo é já uma outra coisa. <br /></p><p><span> </span><br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-55872368291232037292024-02-07T10:34:00.002+00:002024-02-07T10:34:28.286+00:00Notas soltas<p> <span> Começou o arraial dos debates televisivos da campanha para as eleições legislativas de 10 de Março. É um estranho espectáculo. </span></p><p><span><span> </span>Tento compreender um pouco melhor a obra de Bosch. Quanto mais atento nela mais me convenço de que o mestre se divertiu muito, imaginando monstros patuscos num mundo habitado por monstros a valer. A pintura de Bosch é uma espécie de higiene. </span></p><p><span><span> </span>Ter a percepção clara da grandeza de uma ideia deve ser um fardo pesado. Ou se guarda bem guardada, ou se perde ou, na pior das hipóteses, tenta-se partilhá-la. Feita a partilha resta a espera e, finalmente, o embate. Será coisa violenta? </span></p><p><span><span> </span>Observo os velhos (os mais velhos, para ser preciso) na tentativa de perceber o que me espera num futuro não muito longínquo. Vejo-os mas não os sinto. O processo é lento. Talvez um dia lá chegue. </span></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-65129327774940520282024-02-01T18:37:00.002+00:002024-02-01T18:38:16.941+00:00Trabalhar como Adão<p> <span> </span><span>Tenho a sensação que h</span><span>á em Portugal uma ideia perversa relacionada com o trabalho. Entre nós, trabalhar está associado a sofrimento. Se não sofres com a actividade que desenvolves, então é porque aquilo que fazes não pode ser considerado na categoria de trabalho. Trabalho é sinónimo de sofrimento.</span></p><p><span><span> </span>Estará esta perversão relacionada com o mito da expulsão do Paraíso? Afinal de contas Adão foi condenado a sofrer para o resto dos seus dias, regando o solo com o suor do seu rosto num esforço infinito para sobreviver. Ninguém o mandou trincar o Fruto Proibido. </span></p><p><span><span> </span>Assim, quem não sofre com o trabalho não é flor que se cheire por não honrar o desgraçado que serviu de semente à espécie que somos. O verdadeiro descendente de Adão é aquele que pena neste mundo como se penasse no Inferno. </span></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-16138977024506895122024-01-24T13:34:00.002+00:002024-01-24T13:37:00.517+00:00O livrinho<p> <span> </span>A vida está cheia de coincidências que, por serem coincidências, nos parecem estranhas quando delas nos apercebemos. Na segunda-feira passada escrevi o <i>post</i> anterior a este e referi certos contos populares portugueses que encontrara algures nos recantos da <i>net</i> (deixei o <i>link</i>). Na parte da tarde deparei-me, por mero acaso e em circunstâncias nada ordinárias, com um livrinho intitulado Contos Populares que contém vários dos contos que havia encontrado no tal <i>site</i>.</p><p><span> </span>(Noto que, no parágrafo anterior, escrevi em itálico a seguinte sequência: post-net-link-site... chiça!)</p><p><span> </span>Como sou pessoa de hábitos, li com maior atenção o objecto de papel. Fiquei arrepiado com alguns dos contos, não porque fossem assustadores na forma mas sim no conteúdo. Historinhas contadas com candura e simplicidade porventura exageradas, continham (contêm) passagens de uma crueza capaz de revolver as tripas a um cidadão contemporâneo tal o grau de misoginia e/ou racismo ali atingido.</p><p><span> A</span> questão que coloquei no final do post anterior mantém-se. </p><p><span> </span>Qual é a questão? É ir lá ver, está já, já aqui mais em baixo.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-28842240873376176172024-01-22T17:57:00.003+00:002024-01-22T17:57:23.370+00:00Herança cultural<p><span> Leio alguns Contos Populares Portugueses, recordo um ou outro de quando era criança. A sensação que fica é a de que vivi noutro planeta.</span><br /></p><p><span> Os ditos <a href="https://books.openedition.org/etnograficapress/4881" target="_blank">contos</a> são, invariavelmente, narrativas incompreensíveis para a esmagadora maioria das crianças dos dias de hoje. A linguagem e os ambientes em que decorrem, não fazem qualquer sentido e muitos deles colocam as personagens em situações de violência latente lidando com a morte de um modo muito pouco acanhado. <br /></span></p><p><span><span> Imagino as criancinhas, habituadas a ambientes virtuais, colocadas perante narrativas que implicam familiaridade com o ar livre e o mundo dos bichos verdadeiros. As fábulas fazem mais sentido se se conhecerem os bichos que, humanizados ou não, as protagonizam. Não vejo como se poderão conjugar as coisas.</span><br /></span></p><p><span><span> O que fazer com esta herança cultural? Deita-se no lixo, utiliza-se tal qual está ou tenta-se a reciclagem? Fico a pensar no assunto.</span></span></p><p><span><br /></span></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-82823567881405664252024-01-21T15:46:00.003+00:002024-01-21T15:48:08.688+00:00O mostrengo<p> De vez em quando lá aparece Cavaco Silva a perorar sobre os malefícios de toda a governação que não a sua. Quem me conhece sabe o desprezo que nutro por esse ser vivo. Admito que seja exagero meu, que não lhe faça justiça, sei que, este quase ódio, não é coisa que se cultive assim, ao deus-dará e com nítido regozijo. Confesso: dá-me prazer achincalhar esse miserável aprendiz de Nosferatu (talvez ele nem saiba quem é Nosferatu).</p><p><span> </span>Como tal, de quando em vez (muito influenciado pelas aparições do mostrengo) vêm-me à cabeça certas ideias que preferia não ter. Ainda aqui há 10 minutos registei no meu caderno este quase-poema: "O cavaco não desiste de nos assombrar por trazer ainda aquele sapo entalado. Foi obrigado a engoli-lo mas não o consegue cagar. Coitado."</p><p><span> </span>E pronto. Está uma bela tarde de Domingo, soalheira mas fria que racha! O mostrengo irá regressar em breve. Ele avisou.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-72567553860869221802024-01-15T09:48:00.000+00:002024-01-15T09:48:13.809+00:00Pressentimento<p> <span> Os dias sucedem-se como se os respirasse. Como se no céu batesse um coração azulado, como se no ar transpirassem pesadelos ainda por sonhar. Sinto minguar a confiança depositada na arte que produzo; mingua sem razão e sem aviso, vejo-a a desaparecer no fundo de um poço sem fundo.</span></p><p><span><span> Porquê, como pode acontecer tal coisa?</span><br /></span></p><p><span><span><span> Talvez o expliquem as linhas definidas pelo vôo dos pássaros ou as inusitadas formas das nuvens que dançam no peito do céu ao ritmo d</span></span></span>o coração azul que nele vai batendo. Ainda ontem me senti pleno de fé, mas hoje...</p><p><span><span><span><span> ... hoje olhei mais o chão do que repousei nos ares o meu olhar, pressenti pesadas aves presas a ramos de árvores por desenhar, aves de morte rodopiando numa espiral em direcção ao sol, na direcção de Deus, do olhar divino, abutres que sobem, sobem, sobem, até que são já pardais, são moscas, mosquitos, pontos projectados na perdição dos dias que se sucedem como se os respirasse.</span><br /></span></span></span></p><p><span><span><span><span><span> Como se no céu batesse um coração azul rodeado de fantásticas nuvens disfarçadas de sonhos por sonhar. E eu sinto a confiança que regressa. Volto a acreditar na minha obra, mais do que acredito naquilo que penso que sou, no que fui, no que serei.</span><br /></span></span></span></span></p><p><span><span><span><span><span><span> Sei que uma vez chegado ao meu destino serei nada. Ficará aquilo que fiz, nunca </span></span></span></span></span></span>nada quem eu sou, meros vestígios de quem fui.</p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-59249789895212026842024-01-11T19:12:00.005+00:002024-01-11T19:12:59.259+00:00Da chatice<p><span> </span>Ora porra! Às vezes apetece mesmo mandar certas pessoas para o cara...ças! Não importa se é uma pessoa amiga, desconhecida ou acabada de encontrar em plena rua, quando o impulso chega é difícil de controlar. É que ele há pessoas mesmo chatas (por vezes até mais chatas do que eu) que têm de ter sempre a última palavra. E não páram de responder uma e outra vez, mesmo quando já desarmámos e lhes concedemos a vitória naquele despique de pica-miolos. </p><p><span> </span> Essas pessoas nunca se satisfazem com a chatice semeada. Como são MESMO chatas, têm sempre mais e mais com que arremedar os outros, como macacos que atiram merda enquanto houver merda por perto. A diferença é que a merda pode acabar aos macacos.</p><p><span> </span>Vou tentar ignorar os chatos... o pior é que não tenho a certeza de ser capaz de resistir... sou um chato do caraças.<br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-19365474.post-83665227869604552912024-01-06T12:13:00.003+00:002024-01-06T12:13:32.831+00:00Saudade<p> <span> </span>Também te acontece, sentir uma tristeza tal que as lágrimas te aquecem um pouquinho os globos oculares? Quando recordas um familiar, um amigo, alguém que te falece, essa tristeza, também a sentes? </p><p><span> </span><span> Fico a reflectir se o pesar que sinto é por eles se por mim. E não consigo separar-nos: eu deles, eles de mim, como se a tristeza nos contornasse num abraço de piton mas apertasse só um bocadinho. Como se apertasse apenas o suficiente para que nos seja impossível separar aquilo que somos daquilo que já fomos. </span></p><p><span><span> </span>E é isso que é triste. Irmos assistindo à transformação da vida em morte.</span><br /></p>Silvareshttp://www.blogger.com/profile/06836484792142317970noreply@blogger.com0