Ontem fui ao Teatro Aberto assistir à nova peça em exibição na Sala Azul, Imaculados da dramaturga alemã Dea Loher.
Deveria ter ido anteontem, à estreia, mas um colóquio na Galeria Municipal de Almada para reflexão conjunta sobre os objectos expostos na exposição "6 cadeiras e 1 mesa" obrigou-me a falhar, pela 1ª vez em mais de 20 anos de vida em comum, uma estreia da Ana Nave (este link abre sobre o currículo da actriz em cinema e TV, falta o brilhante currículo teatral como actriz e encenadora que pode ser encontrado aqui) sobre o palco.
A noite começou com um repasto germanófilo no restaurante Pano de Boca na companhia de Ana Nave e do nosso sobrinho, Eduardo. Um dos empregados do restaurante é o Virgílio, que foi meu aluno aqui há 3 ou 4 anos. A comida tem o seu quê de exótico para um gajo habituado à gastronomia cá do sítio. O ambiente é sossegado, sem exagerar em formalidades desnecessárias, e tem um organista largo de cintura e careca a tocar musiquinhas delicodoces. Enfim, fortes probabilidades de passar ali momentos agradáveis.
Com a barriga já bem aconchegada, foi hora de levantar os convites na bilheteira e verificar que os lugares eram na 1ª fila, junto ao palco. Sensação de tratamento 5 estrelas. Os espectadores foram chegando. Actores, actrizes, realizadores de cinema, músicos, escritores, uma plateia recheada de convidados, promessa de uma boa performance em cima do palco. Um público assim é, à partida, participativo e receptivo, capaz de estabelecer uma corrente positiva com os actores, o que viria a acontecer.
Imaculados é um espectáculo com um grupo de actores extenso (14 no total) e uma parafrenália técnica digna de nota. O texto divide-se em 19 cenas que acompanham diferentes personagens. Estas cruzam-se e descruzam-se, intersectam-se no espaço físico e psicológico, formando uma teia narrativa dinâmica com alguns momentos muito interessantes que permitem ao espectador mergulhar profundamente em algumas reflexões bastante complexas.
A variedade de cenas e a sequência de acontecimentos e mudanças de cenário sobre o palco acabam por fazer com que as 2 horas que dura a função, passem sem que se dê por isso. Os actores conseguem algumas interpretações dignas de nota (claro que, para mim, a performance de Ana Nave foi a melhor) e há um acordeonista permanentemente em cena, Rini Luyks, a pontear as mudanças, conferindo unidade ao espaço narrativo.
No final uma ovação sentida e merecida, tudo está bem quando acaba melhor.
Resumindo, um espectáculo a ver, numa época em que o Teatro passa por momentos que me parecem algo difíceis. Não haja dúvidas que os palcos nos oferecem momentos do melhor a que podemos aspirar, muito para lá do industrial-pipoqueiro do cinema e a anos-luz da modorra imbecilizante que é a TV com sofá agarrado ao cú. A ver (muitas estrelas...).
11 comentários:
belo espectáculo
Esse espetáculo poderia fazer turné pelas Américas... que acha?
Fica a sugestão e descrição. Obrigado. Tenho ido pouco ao teatro.
LP, concordas comigo...!?
Alice, com tantos actores só se fosse uma turné paga por um magnata russo dono de meia-dúzia de poços de petróleo! Não tem hipóteses :-)
Jorge, o teatro é demais. Também acabo por ir poucas vezes mas, sempre que vou, acabo a pensar "tenho de fazer isto mais vezes!"
:-)
Uma delicia de Resenha, Gastronómica e teatral! Seus textos são fantásticos! Vou levar o post de hoje para o Varal!
Rui: estás com uma cara de tragédia(-indisposição?), aí no link...influência do teatro,...é a dramatização. Assusta...
eh,eh...
:))
Gosto bastante do cartaz.
+++ é da tua autoria ???
:D
Caro Rui Silvares,
Cheguei aqui pelos links dos comentários à peça "Imaculados".
Parabéns pelo interesse cultural dos seus blogues.
Julgo descobrir sintonias entre a sua escrita e os meus desabafos no blogue "Anacruses", mesmo quando em termos do domínio da língua um músico holandês dificilmente pode competir com um dramaturgo português, mas "ça va sans dire"...
Obrigado pelo seu comentário à peça.
Para mim foi uma experiência extraordinária trabalhar com João Lourenço, um grande encenador, sempre a procura. Em 15 anos de teatro em Portugal ainda não me tinha acontecido estar a compor música nova com o director musical Rui Rebelo em pleno ensaio geral (!) por causa de uma ideia de mudança de cena da última hora, mas para João Lourenço isso deve ser uma situação normal, extraordinário!
Grande prazer também trabalhar com Ana Nave. Citando o título dum filme do meu cineasta preferido Federico Fellini: "E la Nave va" (...e va molto bene). O papel de Dona Dulce cabe-lhe que nem uma luva, ou neste caso: que nem um coto (isso para despertar a curiosidade dos leitores deste blogue).
Abraço
Eduardo, só posso agradecer o seu interesse. A peça (o espectáculo) é que é fantástica(o).
Jo-Zéi, é cara de artista contemporâneo. :-D O cartaz não é meu, a figura é de uma pintura do Delvaux.
Rini, que sejas muito benvindo! A escrita, quando é feita com sinceridade, quase dispensa a gramática e pode ignorar parte da ortografia, liberta-se da forma para ganhar conteúdo. O espectáculo é, de facto, muito interessante. Agrada-me o texto e a concepção narrativa, além das actuações, de um modo geral. O encenador é um veterano, muito sabedor. Enfim, tem tudo para ser um bom espectáculo. Só precisa de público.
sim,sim...o Belga Surrealista, das estações de comboio à noite,ao luar, das senhoritas nuas, e dos esqueletos...
Gosto muito.
:S
Parabéns pelos 3 Anos e Actividade.
Abraço.
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