Aviso à navegação: este post é anormalmente comprido mas a situação justifica-o. Aí vai disto!
É amanhã (ou hoje, depende da hora e do local em que estejas a ler estas palavras) a inauguração da exposição de artes plásticas "Seis Cadeiras e Uma Mesa", na Galeria Municipal de Almada. Está marcada para as 21horas e 30minutos.
Depois de ter estado agendada para o pretérito dia 10 do corrente e devido à necessidade de substituir o chão da sala de exposições, foi marcada esta nova data. O facto (tristongo e decepcionante) é que apenas ontem (!!!) foi iniciado esse trabalho. A habitual incúria e desorganização dos serviços públicos foi empurrando o assentamento do soalho flutuante no tempo até ser impossível adiá-lo mais. Sendo assim, a montagem das peças a expor ficou, se Deus quiser, para o último dia, o dia da inauguração!
Como de costume, quando confrontados com a total falta de respeito pelos artistas e absoluta ausência de profissionalismo que tal barafunda representa, os eventuais responsáveis pela situação dizem que não têm culpa. Não têm culpa!? Então de quem é a culpa? Não é de ninguém, claro está. E assim funciona o funcionarismo público, um amontoado de pretensas boas intenções e falta de empenho no trabalho que facilmente se confunde com ausência de competências mínimas para o desempenho de funções, mesmo das mais simples.
Os artistas que têm as suas peças mais que prontas há mais de um mês e contavam com alguns dias para organizar o espaço convenientemente, lá terão que fazer das tripas coração e trabalhar a mata-cavalos para poderem cumprir o compromisso mínimo de terem as peças no lugar à hora de abertura das portas ao público.
Lamentável mas, infelizmente, habitual.
Como de costume, caso tudo acabe por correr "bem", lá ficará o caso meio esquecido e os pecadores perdoados. Afinal de contas vivemos num país de tradição católica e só cai no Inferno quem não tiver a mínima hipótese de redenção. Amen.
Segue-se uma apresentação dos artistas e respectivas obras. (ver tudo
aqui)
João Gaspar
Série: Esburacados
Um buraco pode-se definir como sendo uma falta física, é algo que se caracteriza através do que não é. Procurar a materialidade deste conceito é encontrar uma ausência.Um Buraco é uma espécie de vazio material, mas nessa aparente falta dá-nos a ver algo que de outro modo não se veria e que apenas nos surge mediante essa ausência.Deste modo é uma falta de matéria e um preenchimento com as expectativas que abre, simultaneamente é uma falta de algo e uma abertura para um outro algo. Ao mesmo tempo que retira, coloca. A abertura, ou o acesso a este lugar de possibilidades – o lugar do outro - é nos dado paradoxalmente pela supressão, isto é através da constatação de uma falta.A ideia de buraco aparece-me como um paradigma da própria representação, sendo que re-apresentar é tornar presente na mente de quem vê, por algum meio, algo que não está presente, mas sim ausente.
Estas peças foram concebidas em diferentes alturas, mas a decisão de reuni-las num só conjunto expositivo deve-se ao facto de estas – umas de um modo mais explícito que outras – girarem em torno de uma mesma temática: os buracos.O modo de abordar e explorar este conceito diverge, sendo que há peças, onde aparecem representados objectos, que por si só contêm uma identidade esburacada, isto é, os orifícios fazem parte da definição destes corpos, noutras surgem objectos esburacados, mutilados, numa espécie de perda de identidade. A profundidade também difere, suscitando diferentes emoções e interpretações. Se por um lado pode haver um vazio angustiante de um interior de uma carapaça de caranguejo por outro uma misteriosa sensação pode ser convocada por uma toca profunda.
Série: Esburacados
Acrílico sobre tela
100x80cm
2007
Série: Esburacados
Colagem de papel e acrílico sobre tela
70x60cm
2007
Trabalhos de David Castanheira para "6 cadeiras e 1 mesa".
Iluminismo Popular
“Concílio da Páscoa/ Burocracias”
técnica mista (acrílico e grafite) sobre papel, 118,8x84,1cm
“Knock”
técnica mista (acrílico, grafite e impressão) sobre papel, 125x86,5cm
Rui SilvaresCadáver Aflito (painel)
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Dezenas de desenhos de tamanho A3 organizados em painel de dimensão variável.
Cada desenho é um átomo do corpo global que constitui o painel.
A forma como os átomos se conjugam e organizam é sempre diferente.
Assim, o corpo resultante dessa organização possuirá características próprias e diferentes das que teve da última vez.
Cada nova exposição, cada novo painel, terá um aspecto semelhante ao anterior mas obrigatoriamente diferente.
Trata-se de uma regeneração (ou degenerescência) do corpo anterior.
Com novos átomos que se misturam nos antigos.
E por aí fora, crescendo como um fungo, parasitando o espaço, oferecendo-se de novo e mais uma vez ao olhar eventual que irá completá-lo.
O observador irá ser infectado pelo painel através da mera observação.
Filipa RebordãoO tríptico de Filipa Rebordão, a expor na "Seis Cadeiras e Uma Mesa", conjuga dois meios de expressão plástica que, aparentemente, travam uma batalha mortífera no campo da arte contemporânea. O painel central, executado na tradicional técnica pictórica (com pincéis e tinta acrílica), coabita com dois
loops em registo vídeo a servirem de painéis laterais.
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painel central, acrílico sobre tela 119 x 246 cm
vídeos laterais, loop, dimensões variáveis
A SAGRAÇÃO DA CARNEAo gritar o suporte visceral nascido de imagens sacras, confiro ao silêncio espectral das imagens uma auto-suficiência sonora que ecoa internamente no Si. Liberto dum corpo cristão forças reprimidas bombeadas através de filtros pulsionais, até terem dimensão in-visível em mim, no meu ser-obra. Chute d’organes reflecte uma série de reflexões e novas visualidades a partir do painel seiscentista Martírio de São Sebastião, proveniente da oficina do pintor régio Gregório Lopes. No painel original, o Santo é o ideal e belo senhor do mundo, com total domínio das suas contradições internas, criado para prestar reverência e servir Deus como forma de salvar a alma. O seu espírito materializa o divino. Este idealismo e formalismo renascentista mesclado com frieza e falseado maneirista, permitem-me conferir-lhe uma nova concepção de corpo. Ao mártir, que sobre o pedestal exala os últimos sopros de vida com um sorriso humilde e resignado, confere-se um valor espiritual à dor física, porque a alma tem por vezes dó do corpo. Conferi o mesmo tipo de iluminação interior ao Santo que se descobre noutra condição e noutro lugar a todos oculto. Trata-se de uma ténue passagem revelada pela in-carnada luz, acontecimento do Ser Nada. Crio um corpo desumanizado pela violência externa, corpo humilhado e passivo para exprimir o sagrado, numa lógica de sistema aberto onde existem trocas de matéria e energia entre o corpo e o exterior. Tomo ainda, à maneira cristã, o homem como criatura cujo único objectivo é a obtenção da salvação eterna através de uma lição de sacrifício e sofrimento. Concebo um corpo para a morte. Corpo sem órgãos, em pose, esperador, sedento de ser e de-vir a ser em si.
Filipa RebordãoSara BichãoSequência de imagens dos trabalhos de Sara Bichão para a exposição
Seis Cadeiras e Uma Mesa. Paredes e portas em dimensão real. Superfícies saturadas de sinais. Reminiscências do nosso quotidiano. Mensagens codificadas ou puro caos?
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parede n.11,04 x 1,78 x 0.16 m. Técnica mista.
Produção de parede: Cimento, esferovite, cola de esferovite.
Luís Miranda
Segue-se uma amostra dos desenhos de Luís Miranda. Lá mais abaixo o autor explica...
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Luís Miranda“...e até Platão tinha um corpo”desenho, técnica mista sobre papéis reutilizados2002/...Estes desenhos constituem uma série, ainda não terminada.São iniciados com café e tinta da china sobre papéis de origem variada (revistas, jornais, toalhetes, guardanapos, embrulhos...) e trabalhados posteriormente com lápis de cor, pastéis e acrílicos.A temática gira em torno do corpo como matéria em transformação, desagregando a unidade do eu com uma história, e a possibilidade, ou não, de uma nova reconstituição individualizada.