segunda-feira, novembro 06, 2006

Arte, para que te quero!?

Tríptico da Salvação, RSXXI, acrílico sobre papel, 2005
(clicar sobre a imagem para visualização mais apropriada)

Afinal de contas para que poderá servir a pintura numa época que se reclama pós-moderna? Para reflectir sobre os seus códigos próprios e os seus limites e fronteiras? Para exposição mais ou menos apática das minudências esquemáticas do ser que a produz? Faz sentido rebuscar na tradição pictórica temas e narrativas, revestindo tudo com novas perspectivas observadas à luz da época contemporânea actual? Porra, que sentido pode ter a produção artística num contexto tão fragmentado e longínquo de si próprio como aquele em que nos movemos quotidianamente?
Correndo o risco de parecer um tremendo bota-de-elástico (que expressão mais démodée!) reclamo o regresso de uma dimensão moralista em que o discurso sobre a virtude e o vício ganha forma metafórica, à maneira dos neoclássicos, despindo-lhe o carácter académico do discurso formal. Ou, dourando um pouco a pílula, engajando o discurso pictórico a causas sociais e políticas definidas como fizeram os pintores do realismo oitocentista ou alguns expressionistas e dadaístas, lá mais para a frente e mais cá para trás.
Penso que só faz sentido pintar quando se pretende intervir. A arte pela arte, a arte sem objecto, a arte que discursa sobre questões abstractas da relação dos elementos básicos da linguagem visual com o campo limite e suporte dos materiais actuantes, parece-me uma absoluta chatice, incapaz de fazer com que o olhar do espectador ultrapasse o estado de bovinidade que atingiu por causa da indiferença relativista que a modernidade anunciou e a pós-modernidade adoptou como estratégia de artistas diletantes, mestres da pose mediática e ignorantes absolutos das técnicas e dos discursos históricos.
Reclamo então que a arte deve regressar ao campo de batalha de forma agressiva e discursando ininterruptamente sobre as questões do mundo circundante, olhando-o, criticando-o, tentando forçar a iluminação do espírito que a observa. Com brutalidade e contundência. Não há outra forma de o fazer.

4 comentários:

intruso disse...

é um belo texto (manifesto?)

(...mas a dimensão "moralista" da arte pode ser um verdadeiro calacanhar de aquiles... da obra...
ou talvez não... não sei.)

("tentando forçar a iluminação do espírito..."_ hum, frase preocupante... algo "ditatorial")

("com brutalidade e contundência"_ parece-me bem, parece-me urgente)

belo post!

abraço...

Silvares disse...

É mais um desabafo.

intruso disse...

faz sentido...

possivelmente enquanto desabafo

...e tb enquanto programa/manifesto/acção

:)

abraço...

fada*do*lar disse...

Belo post, sim senhor!
Apesar de não concordar com a tua opinião.
A arte forçada à condição de manifesto nunca me seduziu, apesar de existirem exemplos admiráveis e de referência, e como tu reclamas, "poderosos" na sua relação e intervenção com o espectador.

No lado perverso desta tua questão também conhecemos tantos outros exemplos que escreveram partes da História, justamente com obras perigosamente "manipuladas" como propaganda ao serviço de uma qualquer... eeerrr... ideologia (?)...

De qualquer forma, o teu tríptico é magnífico! :-)