quinta-feira, novembro 23, 2006

Alembrança


O mundo tem crescido a olhos vistos. O mundo de hoje é constituído em grande parte por informação, já não é o mundo físico e mensurável do século XX, é o mundo virtual e verdadeiramente infinito que se abre num precipício aos nossos pés e ameaça tragar-nos caso não sejamos capazes de dominar a vontade de o compreender. O mundo sempre foi grande mas agora abusa!

Onde vai o tempo da leitura preguiçosa, com tempo para saborear as palavras descobrindo o prazer da frase, a alucinação da imagem que se vai formando na caverna craniana? Esse era o tempo em que o tempo dava voltas sobre voltas, agarrado aos ponteiros do relógio no mostrador circular, num movimento de eterno retorno, ordenador.

Hoje o tempo segue desenfreado na linha contínua dos dígitos luminosos, segundo sobre segundo, dissecado à cagagésima parte, sem um momento de respiração, fugindo sempre para a frente e nós atrás, feitos carroça desengonçada, demasiado pesados para a força com que nos puxa e nos leva para lá do sol posto. É um tempo que dispensa quem lhe dê corda, um tempo verdadeiramente eterno e digital, um tempo sem tempo histórico, tudo moído e amassado como um croquete comido antes de ser frito.

Veio isto a propósito do texto que Pacheco Pereira dedica hoje no Público à memória de Sottomayor Cardia e à voragem do tempo que engole os seres humanos deixando deles uma sombra à guisa de recordação.

Sottomayor Cardia... lembras-te dele?

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