"O 1º de Maio é Vermêlho", ouvia eu dizer, vai para uma catrefa de anos atrás. Era dia de ir à manifestação, reunir um grupo de amigos e ir lá, para a festa. Comiam-se umas bifanas e bebiam-se umas cervejas nem que estivessem mais quentes que frias. Isso não interessava nada porque festa era festa.
Ali via a face do povo. Aquelas caras grotescas como caricaturas de Bordalo Pinheiro ou pinturas de Grão Vasco, iluminavam-se de uma alegria que as tornava belas e todos gritavamos palavras de ordem e deitavamo-nos no relvado da Alameda contentes como putos em dia de Natal.
Os discursos eram todos semelhantes, chatos e longos, mesmo que fossem curtos, mas isso não constituia problema nem arrefecia o entusiasmo. Festa era festa.
Os anos foram passando e o entusiasmo esmoreceu um pouco (ou terá sido muito?). Já não vou à manifestação nem teria pachorra para discursos de sindicalistas nem de outros camaradas desse género. As faces grotescas do povo vejo-as com frequência nas grandes superfícies comerciais, já sem o brilho do festejo primaveril do 1º de Maio, mas com aquele brilhozinho nos olhos que se acende quando somos contaminados pelo vírus consumista.
O povo, o nosso povo, tem mudado como o caraças nestes últimos 30 e poucos anos, desde a Revolução de 1974.
Saído da escuridão mais negra da boçalidade do Estado Novo, pobre, inculto e miserando, no espaço de apenas uma geração, o Bom Povo Português vê-se, de súbito, imerso numa sociedade consumista sem tempo nem maneira de fazer a aprendizagem necessária. Somos o resultado de uma espécie de enxerto social. Ainda o PREC estava longe de satisfazer as mais obscuras promessas de algumas das suas luminárias, já Portugal ensaiava os primeiros passos na direcção da, então, Comunidade Económica Europeia.
Foi como dar um Ferrari a um tipo habituado a conduzir carros de bois. Os filhos dos Agricultores vestiram fatos escuros e aprenderam a fazer nós de gravata até conseguirem confundir-se com os filhos dos Doutores ao ponto de não serem diferenciáveis a olho nú. Aliaram-se a fome e a vontade de comer, numa estranha associação de interesses. Alargou-se a mesa do banquete, redistribuiu-se o processo de distribuir a riqueza e o resultado está à vista.
Portugal é o país rico onde a diferença entre as classes sociais é mais acentuada e onde a indigência é ainda um modo de vida.
Neste 1º de Maio fui ao Seixal passear na marginal que bordeja o Rio Judeu. Centenas de pessoas caminhavam ao sol, para trás e para diante, fazendo exercício. Outros passavam em bicicletas alegremente.
Fui beber um café à Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense. Cá fora, na esplanada, um velho com aspecto de reformado do Fundo de Desemprego comentava em voz alta "Isto parece Biarritz!". O Sol, a baía, a calma de um dia feriado, o povo a passear... Biarritz? Talvez. Apesar de tudo há algo para comemorar.
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