quarta-feira, maio 10, 2006

Anjos

"Dizem-me que Vossa Excelência segue os ensinamentos de Jesus e acredita na promessa divina do reinado dos justos. O regresso à palavra divina dos profetas é o único caminho para a salvação. Aceitará este convite?" Segundo o Público, esta é uma passagem da carta enviada por Mhamoud Ahmadinejad, presidente da república Islâmica do Irão, ao seu inimigo figadal George W. Bush.

O que terá passado pelo cérebro de Bush ao deparar com estas palavras tão amenas? Haverá realmente um caminho para a salvação? E o que quer salvar o iraniano? A sua alma, as nossas almas, apenas as almas dos adeptos do Islão? A coisa é grave.

A religião tenta regressar ao lugar do piloto que conduz os destinos do mundo. Seja pela mãozinha marota da Opus Dei ou pela beiça melada de Ahmadinejad, o canto da sereia volta a ecoar pelos 4 cantos do planeta a prometer a salvação, o paraíso e mais que se deseje que a coisa também se faz por encomenda.

O problema é que (Ahmadinejad também refere isso na sua carta) aquilo que designamos por Democracias Liberais, com toda a sua lógica depositada na livre concorrência, essa face luminosa do capitalismo selvagem, têm vindo a desiludir em todo o lado por não resolverem os problemas sociais que vão gerando e ampliando por esse mundo fora.

A exportação forçada do "nosso" modelo político e social tem gerado as maiores abortices materializadas em regimes muito baços e pouco recomendáveis. Os problemas reproduzem-se e não se vislumbra quem tenha vontade de encontrar verdadeiros antídotos para os diferentes venenos que vão atirando o Ocidente para o cantinho do descrédito. O Humanismo é cada vez mais difícil de explicar aos putos, nas aulas de História. Não percebem do que se está a falar.

A via religiosa lá vem, regressando do fundo dos tempos, uma perninha já fora da zona de sombra, a mostrar vigor e força para andar. Adivinha-se o monstro que lá vem, mas estamos demasiado ocupados a discutir se Deus é o Dolar ou se poderemos considerá-lo deposto pelo Euro, essa jovem divindade ascendente.

Quando dermos por ela, regressam os velhos deuses que, como sempre fizeram, se alimentam dos que presentemente adoramos.
E se são gulosos!

Tá bonito, tá!

2 comentários:

Vítor Mácula disse...

Alô, Silvares!

A malta não lhe apetece comentar este post, mas visto seres tu e dado o meu cristianismo, comece-se o desbaste para o debate ou não…

Ora, ontem fui a uma conferência entediante como o raio, em que se explanavam teses que deixam a realidade intocada (todo o ponto de vista teórico só tem interesse quando transforma olhares e significados) e saí de lá meio aborrecido, e talvez por isso, e para ter algo para folhear enquanto jantava sozinho numa das sobreviventes tascas de Lisboa, gastei 6, 5 euros (estava mesmo entediado, eu que até ando mais para o teso do que para o endinheirado…) numa revista onde deparei, enquanto mastigava o meu repasto, com este providencial trecho: “Toda a minha vida, fui assim abalroado pelos dois extremos do universo vivo, que são o mistério insondável da beleza e o fenómeno do mal. Não se pode combater o mal sem segurar estas duas pontas, sem procurar a verdadeira beleza e exaltar a sua profundidade, a sua delicadeza. É porque ela existe que o homem se agarra tanto a esta terra e recusa morrer. A nossa consciência é a beleza, que justifica o universo e até a nossa existência, e faz com que cada instante possa ser uma manhã do mundo.” É dum tipo que não conheço, François Cheng, um chino-francês (nasceu na China e foi para Paris estudar aos vinte anos, onde ficou até hoje em que está com setenta anos…) e que tratarei evidentemente a partir de agora conhecer…

Tentar pensar directamente o mal dói muito.

Reconciliar-se com uma vida terrível dói muito. Uma vida onde crianças de três anos morrem com leucemia, onde se perpetuam genocídios, onde a mentira é apanágio das relações sociais e políticas… O sentido da vida é de certo modo impossível (é o que permite um filme como o dos Monty Pithon acerca do assunto…) e só é pensável como gratuito, no sentido radical, como incompreensível justificação.

Não estou evidentemente a dizer que a beleza justifica o mal… Passa-se que ambos nos são dados na sua inconciliabilidade. Não são só pores do sol, também a justiça e a verdade (enquanto não-hipocrisia, enquanto mantimento de compromisso, etc) fulguram aqui.

Como é possível conciliar a beleza e o mal? E no entanto pois, repita-se, na vida é o que acontece, estamos imersos em ambos, por vezes deslumbrados. E não compreendemos muito bem, não nos compreendemos.

É aqui que se dá o sentido e não-sentido do anseio pelo divino (transcendente ou imanente, monoteísta ou politeísta…)

Por outro lado, a categoria de verdade, que tem o seu esplendor formal na arte, na religião, na ciência, é muito problemática quando usada politicamente, isto é, na gestão do espaço multi-tudo em que vivemos…

Aqui começaria ;) o comentário ao teu post, sob os eixos do anseio religioso, do político e do mal…

Mas para começo, chega e chaga ;)

Abraços.

PS: Então e esse jantar com o Tota e aqui com a mácula, vai ou não vai?

Anónimo disse...

www.paredesdecoura.com