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Hoje li, num artigo de opinião no jornal Público assinado por Helena Matos, a frase que se segue: “O facto de vivermos cada vez mais os avanços da medicina e a hospitalização da morte levam a que cada um de nós se confronte com o temor de ficar a vegetar.” A expressão “hospitalização da morte” é deveras interessante.
A nossa capacidade de aguentar ténues fios de vida, ligando um corpo mais morto que moribundo a uma máquina qualquer, é sinal de desespero perante a incógnita da morte. Há quem fique anos para ali, não sabemos bem onde, algures entre lá e cá, entre o ser vivo e o ciborgue, com um coração que continua a bater sem cérebro desperto que o possa acompanhar. Uma coisa entre um monte de carne, ossos e veias, algo que não sabemos bem se ainda tem por dentro alguma coisa que possamos chamar de alma, uma coisa entre isso e um ser artificial, que consome electricidade em substituição de outras fontes de animação vitais.
Entretanto, algumas páginas antes, sublinha-se com algum espanto uma afirmação de Alan Greenspan (na ilustração), ex-presidente da Reserva Federal norte-americana e ex-sumo-sacerdote da religião antropófaga do capitalismo selvagem. “Em alguns casos, a solução menos má é que o Governo assuma o controlo temporário [de alguns bancos em dificuldades]”. Estarei a ler mal ou isto significa que, para este tubarão envelhecido, é desejável que haja nacionalização da banca em tempos de crise e liberalização quando as vacas engordarem de novo? Significará isto que é necessário recuperar a saúde do sistema capitalista contando com a colaboração das instituições públicas, nacionalizando os bancos durante um certo período de tempo para que, mais tarde e quando tudo estiver de novo nos eixos, se voltem a entregar às sociedades anónimas que nos sugam a vida e a mais-valia do nosso trabalho? Este gajo está xexé?
Resumindo, Greenspan sugere que hospitalizemos a morte do capitalismo selvagem na esperança de que possa regressar à vida, remoçado e pleno de entusiasmo? Os prejuízos são públicos até voltar a haver lucros que sejam entregues ao controlo dos privados?
Sinto-me angustiado. O monstro capitalista está todo entubado, ligado a mil máquinas de reanimação económica e outras tantas que o mantêm em estado vegetativo mas parece piorar a cada dia que passa. Qual a melhor solução? Desligá-lo da corrente? Mantê-lo acamado na esperança que volte a ser (pior) do que era?
Ai, ai, não sou capaz de me decidir. Se da minha opinião pudesse valer a vida ou a morte do mostrengo havia de ganhar uma insónia permanente. Como sou mais um entre milhares de milhões que para aqui andam, de um lado para o outro sem perceber bem o que se passa, o melhor que tenho a fazer é dar cordinha aos sapatos e ir uns dias para longe de tudo isto. O Carnaval aproxima-se. É tempo de virar o mundo às avessas.