quarta-feira, janeiro 07, 2009

Desenho corrigido


Vinha do lado de lá. Pequenino, mão dada na mão da mãe. Vinha debaixo de um gorro colorido que lhe aconchegava as ideias. O olhar, perdido entre todas as coisas que queria ver e talvez nem soubesse que via, trazia agarrado aquela expressão confiante de quem não sofre mais do que comer meia dúzia de colheres de uma sopa de legumes. Atravessou a rua, assim dependurado da asa do seu anjo protector, anjo por sua vez protegido por óculos escuros e cachecol. Atravessou olhando através do mundo, perfurando as coisas com os olhos, mergulhado no cálido torpor dos sonhos que a mais tenra infância nos permite sonhar. Dependurado, passou por mim. Dependurado continuou e, decerto já poisado, algures ele continua.

8 comentários:

Lord Broken Pottery disse...

Silvares,
Vim deixar meu abraço, penitenciar-me pela ausência. Gosto dos textos curtos e que dizem muito. Desta densidade que você revela em tão pouco espaço, neste teu Desenho Corrigido. Fiquei muito comovido com o que li. Acho maravilhoso quando um escritor consegue passar toda a emoção necessária se dizer muito. Ainda outro dia li um pequeno poema de um poeta brasileiro, já falecido, e pouco conhecido: José Paulo Paes. Dizia:

Conciso
Com siso
Prolixo
Pro lixo

Penso o mesmo.
Grande abraço

Beto Canales disse...

excepcional!!!!!!!

Anónimo disse...

Bravo! Bravo! Subscrevo o comentário do Lord.

Jo-zéi F. disse...

Rui: o teu belo texto fez-me lembrar "As Asas do Desejo", filme de wim wenders, sobre Anjos, em Berlim(1987).
--- esse Míudo "decerto já poisado".

:-}}

Silvares disse...

Deixam-me sem palavras...

Ví Leardi disse...

Pelo contrário...palavras de um poeta cada dia mais aprimorado...
Que prazer!

Alice Salles disse...

Literatura, oras...
É por causa do blog que descobrimos tanta beleza...

Jorge Pinheiro disse...

E eu que julgava que estávamos em crise...! De poetas não é!