sábado, janeiro 17, 2009

A censura tem sempre o mesmo focinho!




A coisa caiu como um balão de água, não chegou a rebentar como se fosse uma bomba. Um tal de David Cerny, artista plástico, checo por nascimento e, segundo argumentou, também na forma como exercita um certo sentido de humor, muito característico da sua terra natal, rebentou inesperadamente nas bocas do mundo.

A presidência checa da União Europeia contratou o polémico artista plástico com a finalidade de "alindar" a fachada do seu edifício sede, em Bruxelas. A ideia, ao que parece, seria que Cerny ficava obrigado a contactar 27 artistas plásticos, um em cada estado membro da União, por forma a recolher as suas visões individuais sobre o país de origem. O resultado seria uma espécie de imagem (ou forma) que sintetizasse uma perspectiva individual sobre a característica simbólica capaz de identificar o modo de ser ou de pensar ou de sentir de cada país, que pudesse ser materializada num objecto a exporaos olhos do mundo. O resultado foi a peça intitulada "Entropa" que se veio a revelar algo absolutamente inesperado.

Cerny utiliza uma linguagem visual extraordináriamente agressiva. A forma como resumiu simbólicamente alguns dos países da União deixou os seus dirigentes à beirinha de um ataque de nervos. Os búlgaros não gostaram de ver o seu país representado por uma retrete e manifestaram-se ainda antes da inauguração (no passado dia 15) exigindo que a dita peça fosse retirada. Compreendo. Também os eslovacos e os polacos deram largas à indignação e pediram explicações à presidência checa da União pelas liberdades artísticas de Cerny.

Tudo isto me trouxe à memória a célebre polémica das ilustrações dinamarquesas do profeta Maomé que deixaram o mundo fundamentalista islâmico em polvorosa. Na altura muitas foram as vozes que se levantaram em defesa da liberdade de expressão enquanto valor fundamental das democracias ocidentais. Seria interessante que, nesta situação, as mesmas vozes e a mesma indignação fossem audíveis e visíveis. É que, no dia imediato aos inflamados protestos de búlgaros, eslovacos e polacos, o governo checo e Cerny, pediram publicamente desculpas se eventualmente ofenderam alguém. Mais, li que se comprometiam a retirar as peças ofensivas, cedendo a um acto de censura, pura e simples.

Se as coisas se resolverem desta forma só poderei fazer um comentário: esta União é uma merda e ficou bem representada por uma merda de artista e a Bulgária foi a imagem mais fiel que Cerny concebeu nesta escatológica peça escultórica. Não está em causa a "beleza" do objecto. É horrível, mesmo em fotografia. O que está em causa é a nossa capacidade para aceitar a liberdade de expressão. A censura, venha ela de onde vier, tem sempre o mesmo focinho horroroso e não há argumento que lhe embeleze a tromba.


9 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Ao que parece fazia parte deste trabalho inventar curricula de escultores de cada país. O artista Cerny levou a coisa muito a sério e sacou-os da net e pôs nomes falsos. Um verdadeiro artista! Checo e cheio de humor. Não se pode mandá-lo pelo urinol Duchamp abaixo? Não é por censura, é só porque irrita e a arte é isso mesmo: acção e reacção.

Beto Canales disse...

Censura não é bom nem pro censor

Anónimo disse...

Silvares,

meus comentários seriam longos para este espaço, resolvi faze-lo no Varal, mesmo! Acabou rendendo uma postagem. O David espera por DEBATES...

Alice Salles disse...

É insolente a censura posta sobre Cerny e não importa quão congruente (ou não) a arte se apresenta, o que importa é que ela está e é. Mas que raios! O mundo deixou de ser o que era... mas tem muita gente que ainda vive no passado.

Silvares disse...

Jorge, o artista fez o seu trabalho. Está feito. O que me parece deslocado é a exigência de alguns países no sentido de retirar partes da peça...

Beto, o censor não quer saber disso! Um pormenor, já reparaste bem no pedaço de carne no topo do mapa de Portugal, aí do lado direito?

Eduardo, tenho de ir espreitar. Os Hartistas devem estar em fogo com esta história! Representa tudo aquilo que eles repudiam e dizem odiar!

Alice, esse é o problema. Reagimos contra os fundamentalistas islâmicos quando eles cortam a liberdade e a criatividade mas parecemos meio esquecidos quando a coisa acontece na nossa casa.

Ví Leardi disse...

Silvares...censura é sempre condenável... O que vale mesmo é amaneira tão INTERESSANTES como vc traz para cá estas polêmicas.Parabéns

Silvares disse...

Ví, só posso agradecer as suas palavras. Este caso mostra como a arte é olhada de uma forma pouco atenta e, quando o olhar se concentra, as coisas podem explodir numa tremenda confusão. Acaba por ser divertido!
:-)

Tiago Alves disse...

Sempre foi assim.

É muito fácil criticar quando é outro a fazer algo "errado", ou quando vão contra os nossos valores.

Quando somos nós, nem pensamos nisso.

Achamos sempre que somos donos da moral absoluta. No entanto essa moral não nos serve, como uma camisola que fica apertada e só serve aos outros, aqueles que achamos serem "menores".

Haja paciência para a hipocrisia e falsos-moralistas.

Ogre disse...

Os censores são pessoas bem intencionadas. Querem fazer um mundo melhor. Ajeitam-nos a almofada e dão-nos as mão para atravessar-mos a estrada. Pintam o mundo de cores suaves e bonitas e procuram poupar-nos aos males do mundo, à crueldade, à fealdade, ao desalento. São como os anjos da guarda.
Precisamos tanto deles como de um tiro no meio da testa.