A Democracia é um modelo político cada vez mais incómodo. Em Atenas os cidadãos participavam activamente da governação da sua cidade. Tinham o dever cívico de opinar e participar da discussão, quem não o fizesse seria considerado um cidadão pouco interessante, por assim dizer.
Ao adoptarmos este modelo político para as nossas modernas sociedades mediáticas, estamos a entrar num jogo algo perigoso. Primeiro, o universo de cidadania é imenso e difícil de abarcar pelo cidadão comum. Segundo, o cidadão é, cada vez mais, um consumidor e olha a sua vida por uma perspectiva mais pragmática e menos altruísta. Quero ter direito a consumir mesmo que isso signifique perder alguma capacidade de intervenção na "coisa pública". Traduzindo: quero que se lixe a República. Este sentimento (ou será uma atitude) prolifera como um vírus.
Se a Democracia, tal como imaginamos que foi na sua génese, é difícil de praticar a nível nacional, torna-se pouco mais do que uma miragem quando transportada para uma dimensão mais alargada, como é o caso da União Europeia. A participação dos cidadãos é mais um incómodo do que uma ajuda na construção de um conjunto de regras que uniformize um território com a dimensão da "nossa" Europa.
A derrota do Tratado de Lisboa é mais um sintoma de doença do que propriamente uma prova de vitalidade democrática. Isto porque, numa votação deste género, os irlandeses acabaram a optar pelo "sim" ou pelo "não" muito mais em função da situação política local do que interessados ou elucidados sobre as consequências do seu acto ao nível do que chamamos "A construção europeia". Um dos argumentos dos vitoriosos do "não" para justificar a sua posição em relação ao Tratado de Lisboa era que, em caso de vitória do "sim", haveria uma inevitável legalização do aborto na hiper-católica Irlanda. Não só se tratava de um argumento falacioso como também mostra a dimensão do debate de ideias que realmente influenciou a votação dos cidadãos.
Nos países onde a ratificação do Tratado é enviada para o Parlamento (os restantes 26, se não estou em erro) há uma outra dimensão de análise. Os deputados de cada um dos parlamentos nacionais decerto votam em função das orientações partidárias, por um lado, ou baseados num cálculo de possibilidades de eles próprios virem a ser "eurorratas", numa perspectiva mais funcional e egocêntrica (muito mais do que eurocêntrica).
Num ou outro caso, seja a decisão tomada pelos parlamentaresou deixada a votação popular, o que é verdade é que o "debate" está sempre inquinado. Não há grandeza nem olhares para lá do horizonte, a mesquinhez, o interesse particular ou a pequena vingança acabam por ditar a orientação das grandes decisões. Mas a Democracia contemporânea é assim mesmo, mais imperfeita que um cagalhão pisado por uma bota cardada. A alternativa é entregarmos as decisões a um ou dois tiranos eleitos por nós para fazerem esse papel.
Curiosamente a Tirania foi um modelo de governação utilizado na Grécia antiga em alternativa ao poder Democrático sempre que uma grande crise parecia pedir um iluminado que tomasse as decisões que a maioria não seria capaz de impor. E não foi só na Grécia que a Tirania foi utilizada conscientemente e com o aplauso das populações. Talvez haja uma certa simpatia pelo Tirano, uma espécie de Pai da nação. Lembremos Salazar, Staline ou Hitler, isto para citar exemplos mais acabados e fáceis de identificar.
Anda por aí muita tirania encapotada ou, mais descaradamente, travestida de Democracia. O que é um facto é que o Capitalismo parece estar a atingir um ponto limite na sua capacidade nos iludir com uma idade de "vinho e rosas". A maquilhagem começa a ser incapaz de esconder a verdadeira face dos que nos governam para lá dos parlamentos, sejam eles nacionais ou transnacionais, os tais "vampiros" que nos cantou Zeca Afonso numa célebre canção.
Parece-me que estamos a assistir à queda do Capitalismo enquanto paradigma social saído da Guerra Fria. O Comunismo faliu e caíu. O Capitalismo segue-lhe as pisadas. Resta saber o que vem aí. Para já todos percebemos que estamos entregues a um bando de Vampiros. Não vislumbro alternativa que não signifique uma nova Idade Média. Uma Idade entre a Revolução Industrial e aquilo que se lhe seguirá. Para já fala-se em Era Pós-Industrial. O que nos reservará o futuro? A única certeza que tenho é que não caberá a Deus decidir por nós.
4 comentários:
Excelente análise. Que futuro? O "No Future!" de 76/77 já não se aplica... A única certeza é a incerteza...
Por vezes faz-nos falta o saudoso Zandinga para dar uma ajudinha na previsão do que aí vem.
os BIG BOSS´s(ditadores e tiranos) da EUROPA decidem tudo por nós, para o povinho nem sequer ter direito a abrir a boca e dar a sua opinião livremente.
Tratam as pessoas como se fossem parolos, que só opinam MERDAS! Então...que FUTURO???
---Sacanagem!
Excelente análise.
Concordo consigo, o que conhecemos está funesta e dolorosamente a acabar e não sabemos se o futuro será nosso.
Isso interessa?
Interessa muito, mas não por nós. Interessa pelos que mais amamos e a quem prometemos proteger e fazer felizes.
"Prometemos" - e não vamos poder cumprir!
Encontraremos o caminho, porque somos geneticamente sobreviventes.
Tenho a certeza que não ficaremos a comtemplar.
A vida contemplativa não convém senão aos anjos; e de anjos, felizmente, não temos nada.
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