As vagas sucessivas de imigrantes clandestinos oriundos de África que vêm bater nas praias espanholas colocam algumas questões que nem sempre são consideradas. Já se sabe que vêm em condições sub-humanas, que são enganados pelos traficantes, que arriscam tudo e a própria vida nestas viagens aventurosas mas o que esperam encontrar estes homens e mulheres vindos não sabemos bem de onde?
Quando os regimes totalitários de inspiração comunista se dissolveram após a queda do Muro de Berlim houve um episódio estranho que, na época, deixou o "lado de cá" de queixos caídos. Estou a referir-me a um navio que chegou à costa italiana a abarrotar de albaneses. Não me recordo do nome do navio mas lembro-me que a imagem daquela autêntica "nave dos loucos" foi utilizada pela Bennetton numa das suas características campanhas mediáticas. A imagem que os passageiros do navio tinham construído baseava-se em imagens televisivas. Que significado poderiam ter numa Albânia fechada sobre si própria os anúncios publicitários ou as séries televisivas que ali chegavam, ainda por cima faladas em línguas impenetráveis e incompreensíveis?
Lembro-me também de um documentário que entretanto passou na TV sobre a realidade albanesa (ou sobre o julgamento que fazíamos dela). Um amigo meu brincava dizendo que, segundo as estatísticas, havia na Albânia um sapato por habitante e aquilo que se nos revelava não andava muito longe dessa macabra visão. Numa entrevista a um "chefe de aldeia" o repórter perguntava como era viver num país tão pobre, onde tudo faltava e sem liberdade de expressão. A resposta que aquele homem magro, vestido num miserável fato e camisa branca meio desalinhada, deu nunca mais a esqueci. Disse ele que uma pessoa apenas sente a falta daquilo que já teve ou imagina que possa vir a ter. Assim sendo, tudo o que a nossa sociedade consumista oferecia (e oferece) era de tal modo inimaginável para o albanês comum que ele, simplesmente, não podia sentir a falta de nada disso! A lógica arrasadora deste pensamento assalta-me sempre que vejo notícias sobre as vagas de imigrantes da África sub-sariana.
O que imaginam estes candidatos a habitantes da Europa que virão aqui encontrar? Como concebem eles a vida, seja nos países de origem ou nos de acolhimento? Há magia envolvida, divindades protectoras, demónios inimigos ou baseia-se tudo num sistema de pensamento lógico onde a melhoria das condições de vida é objectivo bem claro e definido? Se eles soubessem (será que não sabem?) aquilo que os espera viriam na mesma?
Dúvidas, dúvidas, dúvidas.
Sei bem que a realidade é, quase sempre, uma questão de perspectiva individual. A minha realidade não admite, por não a compreender, a realidade dos habitantes do Darfur, para dar um exemplo. Ao ouvir "Darfur" não imagino nada de concreto. Sou assaltado por uma mão-cheia de imagens e ideias tão confusas quanto abstractas que não chegam a constituir uma realidade por não fazerem grande sentido. O que podem imaginar os habitantes daquela zona do Sudão quando ouvem falar da Europa?
Um dia talvez as fronteiras caiam todas, talvez as nacionalidades, a cor da pele, os credos religiosos e outras fronteiras menos perceptíveis sejam também irradiadas para sempre. Entretanto vivemos na mais completa ignorância em relação ao "outro", ao que vem à nossa procura sem sabermos o que espera ele de nós. Decerto que o "outro" também não terá grandes certezas sobre aquilo que nós esperamos dele. E volta tudo ao ponto de partida.
Quando os regimes totalitários de inspiração comunista se dissolveram após a queda do Muro de Berlim houve um episódio estranho que, na época, deixou o "lado de cá" de queixos caídos. Estou a referir-me a um navio que chegou à costa italiana a abarrotar de albaneses. Não me recordo do nome do navio mas lembro-me que a imagem daquela autêntica "nave dos loucos" foi utilizada pela Bennetton numa das suas características campanhas mediáticas. A imagem que os passageiros do navio tinham construído baseava-se em imagens televisivas. Que significado poderiam ter numa Albânia fechada sobre si própria os anúncios publicitários ou as séries televisivas que ali chegavam, ainda por cima faladas em línguas impenetráveis e incompreensíveis?
Lembro-me também de um documentário que entretanto passou na TV sobre a realidade albanesa (ou sobre o julgamento que fazíamos dela). Um amigo meu brincava dizendo que, segundo as estatísticas, havia na Albânia um sapato por habitante e aquilo que se nos revelava não andava muito longe dessa macabra visão. Numa entrevista a um "chefe de aldeia" o repórter perguntava como era viver num país tão pobre, onde tudo faltava e sem liberdade de expressão. A resposta que aquele homem magro, vestido num miserável fato e camisa branca meio desalinhada, deu nunca mais a esqueci. Disse ele que uma pessoa apenas sente a falta daquilo que já teve ou imagina que possa vir a ter. Assim sendo, tudo o que a nossa sociedade consumista oferecia (e oferece) era de tal modo inimaginável para o albanês comum que ele, simplesmente, não podia sentir a falta de nada disso! A lógica arrasadora deste pensamento assalta-me sempre que vejo notícias sobre as vagas de imigrantes da África sub-sariana.
O que imaginam estes candidatos a habitantes da Europa que virão aqui encontrar? Como concebem eles a vida, seja nos países de origem ou nos de acolhimento? Há magia envolvida, divindades protectoras, demónios inimigos ou baseia-se tudo num sistema de pensamento lógico onde a melhoria das condições de vida é objectivo bem claro e definido? Se eles soubessem (será que não sabem?) aquilo que os espera viriam na mesma?
Dúvidas, dúvidas, dúvidas.
Sei bem que a realidade é, quase sempre, uma questão de perspectiva individual. A minha realidade não admite, por não a compreender, a realidade dos habitantes do Darfur, para dar um exemplo. Ao ouvir "Darfur" não imagino nada de concreto. Sou assaltado por uma mão-cheia de imagens e ideias tão confusas quanto abstractas que não chegam a constituir uma realidade por não fazerem grande sentido. O que podem imaginar os habitantes daquela zona do Sudão quando ouvem falar da Europa?
Um dia talvez as fronteiras caiam todas, talvez as nacionalidades, a cor da pele, os credos religiosos e outras fronteiras menos perceptíveis sejam também irradiadas para sempre. Entretanto vivemos na mais completa ignorância em relação ao "outro", ao que vem à nossa procura sem sabermos o que espera ele de nós. Decerto que o "outro" também não terá grandes certezas sobre aquilo que nós esperamos dele. E volta tudo ao ponto de partida.
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