sexta-feira, setembro 08, 2006

Ondas do mar

As vagas sucessivas de imigrantes clandestinos oriundos de África que vêm bater nas praias espanholas colocam algumas questões que nem sempre são consideradas. Já se sabe que vêm em condições sub-humanas, que são enganados pelos traficantes, que arriscam tudo e a própria vida nestas viagens aventurosas mas o que esperam encontrar estes homens e mulheres vindos não sabemos bem de onde?

Quando os regimes totalitários de inspiração comunista se dissolveram após a queda do Muro de Berlim houve um episódio estranho que, na época, deixou o "lado de cá" de queixos caídos. Estou a referir-me a um navio que chegou à costa italiana a abarrotar de albaneses. Não me recordo do nome do navio mas lembro-me que a imagem daquela autêntica "nave dos loucos" foi utilizada pela Bennetton numa das suas características campanhas mediáticas. A imagem que os passageiros do navio tinham construído baseava-se em imagens televisivas. Que significado poderiam ter numa Albânia fechada sobre si própria os anúncios publicitários ou as séries televisivas que ali chegavam, ainda por cima faladas em línguas impenetráveis e incompreensíveis?

Lembro-me também de um documentário que entretanto passou na TV sobre a realidade albanesa (ou sobre o julgamento que fazíamos dela). Um amigo meu brincava dizendo que, segundo as estatísticas, havia na Albânia um sapato por habitante e aquilo que se nos revelava não andava muito longe dessa macabra visão. Numa entrevista a um "chefe de aldeia" o repórter perguntava como era viver num país tão pobre, onde tudo faltava e sem liberdade de expressão. A resposta que aquele homem magro, vestido num miserável fato e camisa branca meio desalinhada, deu nunca mais a esqueci. Disse ele que uma pessoa apenas sente a falta daquilo que já teve ou imagina que possa vir a ter. Assim sendo, tudo o que a nossa sociedade consumista oferecia (e oferece) era de tal modo inimaginável para o albanês comum que ele, simplesmente, não podia sentir a falta de nada disso! A lógica arrasadora deste pensamento assalta-me sempre que vejo notícias sobre as vagas de imigrantes da África sub-sariana.

O que imaginam estes candidatos a habitantes da Europa que virão aqui encontrar? Como concebem eles a vida, seja nos países de origem ou nos de acolhimento? Há magia envolvida, divindades protectoras, demónios inimigos ou baseia-se tudo num sistema de pensamento lógico onde a melhoria das condições de vida é objectivo bem claro e definido? Se eles soubessem (será que não sabem?) aquilo que os espera viriam na mesma?

Dúvidas, dúvidas, dúvidas.

Sei bem que a realidade é, quase sempre, uma questão de perspectiva individual. A minha realidade não admite, por não a compreender, a realidade dos habitantes do Darfur, para dar um exemplo. Ao ouvir "Darfur" não imagino nada de concreto. Sou assaltado por uma mão-cheia de imagens e ideias tão confusas quanto abstractas que não chegam a constituir uma realidade por não fazerem grande sentido. O que podem imaginar os habitantes daquela zona do Sudão quando ouvem falar da Europa?

Um dia talvez as fronteiras caiam todas, talvez as nacionalidades, a cor da pele, os credos religiosos e outras fronteiras menos perceptíveis sejam também irradiadas para sempre. Entretanto vivemos na mais completa ignorância em relação ao "outro", ao que vem à nossa procura sem sabermos o que espera ele de nós. Decerto que o "outro" também não terá grandes certezas sobre aquilo que nós esperamos dele. E volta tudo ao ponto de partida.

Sem comentários: