Por vezes preferia ter uma sensibilidade ainda mais exagerada que só me permitisse a comoção perante coisas decididamente belas. Mas não, logo havia de me ter deixado apanhar por um espírito crítico enegrecido pelo escárnio cozido no fogo lento do maldizer!
Olho um cão a salvar outro cão e de imediato imagino homens a comer outros homens. Vejo um gajo de fato-e-gravata e logo me encontro perante uma hiena com furúnculos no cú a rir-se de um passarinho caído do ninho. Não há volta a dar-lhe, o sonho é, para mim, um pesadelo e a única esperança que me resta é estar doente a merecer visita de médico que me possa atenuar o mórbido prazer de imaginar um mundo despido do véu que lhe esconde a horrenda fuça.
Onde está a beleza das coisas horríveis? Onde está o horror das coisas belas? Se um gajo tem olhos agarrados à merda da cabeça, olhos que são excrescências do cérebro, uma espécie de castigo que Deus nos deu por querermos pensar o mundo por nós próprios, o que pode um gajo fazer senão olhar e ver? E o que vejo nem sempre é bonito. Quase nunca é bonito. As mais das vezes vejo coisas feias. Mas já não sei se é defeito. Como há quem sofra de miopia posso eu sofrer de um defeito qualquer que me tolhe a visão e distorce a retina e me queima os miolos como um ferro em brasa.
Quando estas dúvidas me assaltam e me retorcem este sono que gosto de dormir quando estou acordado, liberto-me de temores olhando as gravuras de Goya, o Imortal. Então compreendo a sorte que tenho por viver num horror tão brando como aquele em que vivo. Compreendo que, apesar de tudo, este é o melhor dos mundos que este mundo já teve nos confins do seu imenso ventre. E sorrio. Sorrio perante as visões horripilantes que nos foram legadas pelo Mestre para que possamos perceber os limites do Inferno e sentir a doçura de vivermos nesta favela do Paraíso.
E dou graças a Deus por não existir.
7 comentários:
muito bom
Porquê é qu escreves tãooooooooooooooo bemmmmmmmmmmmmmm? :)
Eu acho que você arrancou o que eu sinto - e não sinto - de mim e fez disso verdades em formas de palavras.
Me somo aos tres comentários anteriores. O mundo pode não ser tão medonho quanto ao que Goya pintou, mas que escreves bem, não há dúvidas!
Cam:ila, MoiMêMê, Alice, Eduardo, o mundo não é medonho e Goya foi um génio. A minha escrita, por vezes, parece que sai de um fôlego. Não é sempre, é só às vezes. Talvez porque ao prazer de escrever se soma uma grande urgência em comunicar.
Mas olha que a reportagem fotográfica que os marmanjos dos guardas da prisão de Abu Ghraib, também não fica atrás dos horrores pintados por Goya
Ah, mas existe a Fé dos Homens e sim, dEUS também existe, é uma banda belga. Abraço.
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