sexta-feira, março 11, 2011

Momento


O que fazer quando as pessoas à tua frente estão à espera que faças algo inesperado? Mantê-las na dúvida, digo eu, alimentar o suspense com um gesto interrompido uma frase plena de sentidos duplos, triplos, quadrupulos, uma frase de potencial explosivo largada como se fosse uma bomba repleta de penas de cisne. Uma bomba que, caindo, nunca mais chega ao destino dela que é, como o de todas as bombas que nasceram bombas, rebentar! Largar essa frase enganosa que é bomba que é leve, que é bomba cujo peso está dentro da cabeça aberta pelos olhos do espectador, e não da bomba. Em suma: uma bomba tão falsa, tão falsa, que não há bomba mais verdadeira no mundo todo, por muito que procuremos.

E é vê-los, atentos, suspensos, ansiosos por um momento de deslumbramento, que  pode até nem nunca chegar mas que é gratificante, mesmo que nunca ultrapasse a mera categoria de desejo. Desejar, muitas vezes, é o bastante; que a materialização do objecto do nosso desejo nem sempre é suportável.

E tu ziguezagueias, tu danças e inflectes o discurso até encontrares a curva perfeita que te permite bater ao de leve com a testa no tampo da mesa à tua frente sem que isso pareça desajustado ou violento. A marradinha que dás é um dos tais momentos inesperados que introduzes na perfomance. De improviso. E a plateia acomoda-se no seu lugar. Fica à espera daquilo que aí vem. E tu tens o dever de manter a situação no fio da navalha. Mesmo que seja uma navalha a fingir, incapaz de ferir seja quem for.

2 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

De facto estamos sempre a jogar. A vida é uma luta circense. Nºão sei se era isto que querias dizer, mas foi como interpretrei.

Silvares disse...

Interpretaste correctamente. Eu próprio não sei muito bem o que disse, depois de reler o texto. Estou assim como o Cavaco Silva e os seus discursos...
:-)