O centro comercial continua a surpreender-me constantemente. De cada vez que me desloco a esta Babilónia sensorial dou por mim meio perdido a olhar para o ar (espero que de boca fechada). Hoje, mal saí das escadas rolantes que me içaram desde as catacumbas do estacionamento automóvel até ao primeiro piso de lojas, dei de caras com um écrã em fundo, colocado junto ao tecto da entrada para a FNAC.
Não sou capaz de recordar que imagens dançavam dentro daquele rectângulo luminoso, fixei apenas movimento e cor. Em simultâneo senti a música ambiente que preenchia todos os espaços vazios da imensa galeria comercial, saída de secretas fontes que jorram incessantemente. Imagem e som constantes, sem destinatário específico, presenças absolutas nos sentidos dos transeuntes que, como gado tecnológico, nos deslocamos ao longo daqueles prados onde crescem bens de consumo que pastamos indolentemente.
Estamos convencidos que a produção e difusão de imagens é dirigida a públicos-alvo específicos e bem determinados mas este tipo de comunicação indiferenciada põe em causa este pressuposto. Além de representar um consumo de energia continuado, este género de comunicação não se adequa exactamente às pessoas que o recebem. Tal como não recordo as imagens no écrã, sou incapaz de dizer que tipo de música ecoava por ali. Era apenas ruído. Ruído visual e sonoro. Lixo.
Vivemos uma sociedade de consumo absoluta. E produzimos megatoneladas de lixo. São as garrafas e todo o tipo embalagens de plástico, os jornais e revistas, as pilhas, os restos de comida e as imagens e os sons que deitamos constantemente para o espaço em volta dos nossos corpos. É como se tivéssemos uma necessidade insana de preencher todo o espaço numa atitude de horror ao vazio. Eliminamos metódicamente a linha do horizonte, recortando-a em milhentas imagens sobrepostas.
Somos como fantasmas vogando numa imensidão caótica formada por todo o género de detritos que nos empapam o cérebro e nos vão retirando a possibilidade de sermos aquilo que éramos e nos transformam numa coisa que somos mas não sabemos bem o que seja!
4 comentários:
Magnífico pequeno, porém preciso, ensaio sobre o Homem contemporâneo.Parabéns por mais este precioso texto!
Lendo seu texto, remeteu as imagens do filme ´A Estrada´.
Penso também nas toneladas de lixo que são despejadas no oceano, rios...enfim, vai te preparando, vc que vem para o país na.2 do consumo, rs.
sayonara
madoka
o pior è que muito poucos se apercebem,ou não querem saber,quanto isto nos transforma realmente em...borregos...
Eduardo, grato pelas suas palavras.
Madoka, não estava a imaginar uma situação tão obscura como essa de "A Estrada", caramba!
Eu sou um consumidor!!! Mas isso não me impede de ir sentindo alguma angústia. Estou muito curioso (cada vez mais) com esse lado do mundo.
:-)
Aperceber, apercebem-se, a dificuldade é ser capaz de mudar. Somos animais de hábitos e quando isso significa bem-estar imediato ficamos rapidamente viciados...
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